Tsipras contra a Europa Corp.

Com o tempo, fui me dando conta de que a União Europeia se tornou Comunidade Financeira Europeia Corporation. A palavra 'união' é um eufemismo bancário.

Aníbal Malvar, Other News - na Carta Maior
Junge Union Deutschlands / Flickr
O que está acontecendo na Grécia nos mostra que os guerreiros são menos cruéis do que os banqueiros. Alexis Tsipras lembrou Angela Merkel que a Grécia perdoou uma importante parte da dívida da Alemanha nazista após a II Guerra Mundial. Aquela sim foi uma dívida atroz, e não somente especulativa. O Exército alemão e seus aliados mataram 250 mil gregos durante a ocupação nazista, e destruíram toda a infraestrutura produtiva do país, que nunca mais voltou a ser o mesmo desde então. O primeiro-ministro grego calcula a dívida bélica perdoada pela Grécia em 160 bilhões, ao passo que a dívida grega soma 240 bilhões.


Grécia e Alemanha demonstram, diante da história, que os vencedores de uma guerra militar podem ser mais humanitários e generosos do que os vencedores de uma estafa global. Nenhum guerreiro jamais pode derrotar um pálido burocrata, e assim segue esta pobre Grécia.

Quando jovem, eu era um europeísta muito astuto e lutador. Com o tempo, fui me dando conta de que a coisa se tornou Comunidade Financeira Europeia Corporation. A palavra “união” é um eufemismo bancário. E, nos dias mais melancólicos, me torno Juan Carlos Monedero, ainda que sem declaração complementar: temo que esta Europa que construímos seja “o IV Reich, um Reich financeiro, mas o IV Reich”.

As mensagens que Merkel, Montoro, Draghi e toda essa banda está enviando a Tsipras desde que chegou à presidência me fazem lembrar aquelas senhoras piedosas que, diante de um mendigo na porta da igreja, dizem “vai trabalhar, vagabundo!”.

Apesar de tudo isso, eu, pessoalmente e sem qualquer tipo de coação venezuelana, prefiro ter um presidente guerreiro como Tsipras do que um Mariano Rajoy, que quando ganhou suas eleições, disse a tudo que sim e a nada que não, fräunlein. São estilos diferentes. Guerreiros e burocratas, como já se explicou.

Agora, a Europa Corporation enfrenta um dilema. Ou deixa que a Grécia afunde, e Tsipras naufrague com ela, tal como Achab; ou ajuda a Grécia, consolida Tsipras e, de quebra, alenta o Podemos e outros movimentos similares em toda a Europa. Agora estamos na fase das advertências mútuas. A Europa e os mercadores (perdão, mercados) apavoram a Grécia. Como quando, no futebol, um meio campista veterano cospe no atacante adversário no primeiro minuto, para que saiba quem está enfrentado. No momento, o centroavante novato está engolindo os escarros muito bem.

A concepção desta Europa como um Deus castigador de nossos excessos é muito luterana, e daí o motivo de Angela Merkel encenar tão bem. E também é muito grego, muito heraclitiano e bastante oportuno que Tsipras queime a frente da vampira Merkel com uma cruz gamada, o plano Peter Cushing em um filme de Roger Corman.

Para começar as especulações, escaparam a Tsipras depositos bancários por quase 20% de seu PIB – assim são os rumores nas tertúlias. O dinheiro sabe que sua retirada é sua vitória. Até que nos inteiremos de que o dinheiro só é dinheiro, não leite, nem água, nem carne, nem pão. Que já estamos nos inteirando. O Syriza vai governar com uma corda no pescoço e grande fome nas ruas, e é triste pensar que um ente chamado União Europeia vá consentir semelhante barbaridade anti-humanitária. Pelo menos mudem o nome, caramba! Troika soava mais como Magneto ou algo do tipo. Seria mais apropria do que “União”.
 
Acho que o fato de que, em lugar de Zeus, a bela Europa estar sendo raptada desta vez por Angela Merkel, não tem que se fazer muita graça à fenícia. E Rembrandt tampouco teria se inspirado muito no assunto, custo a suspeitar. Ao fim e ao cabo, Zeus a tratou melhor. Presenteou-a com um colar de Hefesto, o ex-desenhista de joias do Olimpo, e não uma corda de esparto. É que Merkel nunca se destacou por seu bom gosto ao se vestir.




Créditos da foto: Junge Union Deutschlands / Flickr

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