Globo: ruim da cabeça, doente do pé
Idealizado por Brizola e Darcy Ribeiro e com projeto de Oscar Niemayer, o Sambódromo da Avenida Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, foi inaugurado em março de 1984 e projetos semelhantes se espalharam depois pelo país. Roberto Marinho (dono da Globo, já falecido), movido pelo ódio político ao então governador Leonel Brizola, promoveu uma intensa campanha contra a construção do Sambódromo.
O sistema Globo não gosta de samba
O sistema Globo de comunicação representa um dos maiores obstáculos para o aprofundamento da democracia brasileira. Através dos seus jornais e de uma imensa rede de rádios e tvs, a Globo forma e deforma pensamentos, sempre a favor apenas da sua mesquinha luta por poder econômico e político. Serviçal da ditadura, a Globo não aceitava a vitória de Brizola em 1982 como primeiro governador eleito do Rio pelo voto direto depois do golpe de 1964. Tentando ao máximo preservar os resquícios do regime que o alavancou, o sistema Globo constantemente foi um entrave à luta democrática. Por exemplo, em 1984, o Brasil ainda vivia sob a ditadura militar. O presidente era o general João Figueiredo, os partidos comunistas continuavam na ilegalidade, e no parlamento apenas cinco legendas com representação: PDS, PMDB, PDT, PT, PTB e senadores biônicos ainda exercendo mandatos (o cargo de senador biônico – que era nomeado e não eleito - foi extinto em 1980 preservando os mandatos vigentes, que iam até 1987).
O sistema Globo bom sujeito não é
Mas os ventos da democracia já sopravam, o povo saia às ruas, fazia comícios exigindo eleições diretas. Invariavelmente com a Globo contra. Vejam o exemplo deste editorial de 2/3/1984, onde O Globo condena a realização de comícios como uma ameaça à legalidade. O título do editorial era: “O Congresso e os comícios”. Melhores momentos: “Hoje verifica-se com apreensão a tentativa de diminuir-se a importância da representatividade das câmaras eleitas mediante mobilizações populares comandadas por Governadores e líderes de Oposição. De modo falsamente democrático, como que se pretende instalar no Brasil uma espécie de regime plebiscitário dirigido por tribunos de praça pública. A esse regime de comícios, que marginaliza a representação institucional, falta espontaneidade. Há um expresso comando interessado na mobilização plebiscitária, com o objetivo de precipitar a adoção do sufrágio direto para a escolha do Presidente da República”. Abaixo do editorial, na seção “cartas dos leitores”, a primeira carta é de um leitor que se dizia apolítico e afirmava ser contra a eleição direta “por entender que os socialistas é que seriam os maiores beneficiários”.
O sistema Globo é ruim da cabeça
É neste ambiente que a Globo conduzia sua cruzada contra a construção do Sambódromo que Leonel Brizola resolveu levantar para evitar o absurdo gasto anual com a montagem e desmontagem das estruturas metálicas do carnaval. Além disso, Brizola e Darcy Ribeiro sonharam com uma escola pública integral funcionando no espaço quando não houvesse a festa, atendendo cinco mil crianças. O Globo investiu furiosamente. O projeto era um absurdo. No dia 20/09/1983, artigo assinado por Marcus Barros Pinto tinha o título: “Sambódromo: samba de crioulo doido”. Até o movimento comunitário era contra, segundo O Globo: “as associações de moradores da região saltam em protesto, sentindo ameaçadas as determinações legais que garantem, para espaços adjacentes a Marquês de Sapucaí a construção de conjuntos residenciais”. Mas logo a seguir o jornal lamentava: “no entanto, bastou um encontro com o Governador e o Prefeito para que os representantes das comunidades se dessem por satisfeitos”. Poucas linhas depois O Globo encontra outra associação que permanecia contra e buscava o depoimento de “especialistas”. Aliás, esta técnica de “especialistas” que só dizem o que o jornal espera ouvir é antiga. No dia 03 de outubro de 1983 o jornal estampa na capa a chamada: “Passarela em 4 meses: técnicos não acreditam”, e um dos técnicos, Francismar Barbieri, chega a declarar “que a obra tem apenas 5% de possibilidade de ficar pronta”.
O sistema Globo é doente do pé
O jornalista Fernando Brito, que acompanhou de perto a história, dá mais detalhes: “Brizola passou a ser tratado como um louco pela mídia, a obra não iria sair e era uma inutilidade. A charge aí em cima, publicada pelo O Globo, era apenas um pequeno retrato da sabotagem. Brizola era o Odorico Paraguaçu e o Sambódromo o cemitério de Sucupira, jamais inaugurado por falta de mortos (...) A passarela ia cair. Quando não caiu, disseram que ninguém conseguiria ouvir o samba, por causa do eco. Que a pista ia afundar, porque havia – e há – um rio passando abaixo. E, pasmem, a Globo abriu mão dos direitos de transmissão. O Carnaval do Rio não ia passar na TV. Os ingressos encalharam, acredite se quiser. Brizola, então, convocou todos os secretários, presidentes de empresas públicas, assessores e maçanetes de todo o calibre para uma reunião, no auditório do Instituto de educação, na Tijuca. E transformou todos em vendedores de ingressos”.
Está é a charge a que se refere Fernando Brito. A inauguração do sambódromo no dia 2/3/1983, foi um sucesso e a chamada de capa de O Globo, no dia seguinte, foi “No primeiro dia, trânsito parado e desfile atrasado”. E ainda dava voz a um trânsfuga, funcionário estadual, que dizia ter sido constrangido a comprar ingressos.
Bom carnaval!
Por falar em trânsfuga, ia comentar na coluna de hoje um artigo de Fernando Gabeira além de artigos de outros articulistas “de uma nota só”, membros da velha guarda da mídia hegemônica. Eles não perdem por esperar, mas o redator doNotas Vermelhas não é de ferro e vai também curtir o carnaval. Até quarta!
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