Crônica de uma derrota anunciada


Não ocorreu nada melhor ao PT, diante de uma situação adversa, do que lançar uma candidatura própria na Câmara. Nada poderia aprofundar mais seu isolamento.



por Emir Sader em 02/02/2015 - na Carta Maior

Uma derrota como essa não se improvisa. É construída com afinco e determinação. E, ao mesmo tempo, é uma derrota anunciada, prevista, mas ao mesmo tempo - para dar-lhe um caráter ainda mais grave -, foi vivida por seus coordenadores sem a consciência do momento e das dimensões do que está em jogo.

Antes de tudo, a derrota de termos um Congresso mais conservador, não apenas na sua composição, mas na perda de alguns dos mais valiosos parlamentares que a esquerda tinha. Resultando, entre outros, a inviabilidade de ser aprovado pelo Congresso qualquer projeto de lei de democratização dos meios de comunicação ou de fim do financiamento privado de campanhas – dois dos temas centrais do país hoje. O Congresso passa a ser um problema, um obstáculo para o aprofundamento da democracia no país.


O PT e a esquerda em geral – veja-se o resultado ruim também do PCdoB – sofreram derrotas pela diminuição das suas bancadas, expressando o isolamento da esquerda no conjunto do eleitorado, correlato à vitória apertada da Dilma.

O clima histérico criado contra o PT, a Dilma, a esquerda, levou ao isolamento político, resultado de muitos erros, mas antes de tudo o de não haver avançado na democratização dos meios de comunicação, o que permitiu a campanha de ódio e o aprofundamento da criminalização da imagem do PT.

Em seguida, o fim do primeiro mandato da Dilma e o vazio que se instaurou, até que o segundo comece a funcionar. Não há vazio na política. As forças conservadoras foram construindo sua hegemonia no Congresso, através de uma candidatura que melhor expressa o que de pior tem o Congresso. Uma aliança do setor de direita do PMDB, - incluindo um forte protagonismo de todos os lobbies que se situam ali-, mais a interminável lista de siglas corporativas, que vivem do que lhes permite a legislação eleitoral: as prebendas das negociações de legenda, de horário eleitoral, de cargos, etc. Estes tinham no candidato da direita à presidência da Câmara um candidato perfeitamente talhado às suas necessidades.

O governo, o PT, viram se articular o candidato da oposição à presidência da Câmara, sem fazer nada. (Era a repetição dos 7 a 1. “Deu um apagão”, diria o diagnóstico dos que não tem diagnóstico. Enquanto apostados ao lado do campo, os dois técnicos campeões do mundo assistiam impassíveis à debacle.)

Mesma atitude do governo e do PT, diante das articulações da candidatura finalmente – e obviamente – vencedora, contra o governo e contra o PT.

Não ocorreu nada melhor ao PT, diante de uma situação tão adversa, do que lançar uma candidatura própria. Nada poderia  aprofundar mais seu isolamento e favorecer a vitória da oposição. E não deu outra.
    
Incapacidade de fazer política, de articular um campo de forças para sair do isolamento, completaram o quadro de uma derrota anunciada e construída tijolo por tijolo num desenho trágico.

A Presidência parecia acreditar que a vitória lhe daria o brinde da lua de mel, de ganhar o poder da iniciativa de forma automática. Como setores da direita extremavam suas posições e atraíam, isolados por sua verbalização sectária, como bois de piranha, a atenção da esquerda, avançava o verdadeiro inimigo, na candidatura opositora à presidência da Câmara.

Foi uma derrota acachapante, mas nada surpreendente, que consolida o isolamento do PT e da esquerda, assim como constrói um novo campo de enfrentamentos para o governo. Não bastasse ter que renegociar com setores do grande empresariado para poder retomar um ciclo de investimentos produtivos e de crescimento da economia, o governo vê o caráter mais conservador do Congresso se expressar numa presidência que vai afrontar o governo de forma mais direta, em temas fundamentais e que vai colocar todas as pedras que possa no funcionamento do governo, na linha estratégica da oposição de inviabilizar o sucesso do segundo mandato da Dilma.

A nova e certamente muito mais qualificada coordenação política do governo chegou atrasada, quando o jogo já estava sendo jogado, tendo que subir uma ladeira íngreme e pouco pôde fazer para reverter um jogo em que, entre o silêncio e a incompetência, estava montada uma derrota anunciada.

Esse conjunto de fatores, - perfeitamente previsíveis se houvesse uma direção política estratégica do governo, do PT, da esquerda -, levou à estrepitosa derrota da eleição para a presidência da Câmara.

Derrota anunciada, mas não inevitável. Se contava com a reeleição da Dilma e com a capacidade de iniciativa e de manobra que isso possibilita. Com a designação – e demora para tomar posse e começar a atuar – de uma boa equipe de coordenação do governo. Se dispunha de um coordenador politico excepcional como o Lula. Se poderia ter montado uma proposta alternativa com aliados e não centrada numa candidatura do PT, a menos indicada num momento de grande isolamento do partido.

 Em suma, às condições desfavoráveis, soubemos acrescentar uma grande incompetência de articulação politica, que desembocaram nessa derrota expressiva. E que aprofundam o isolamento do PT e os obstáculos do governo no segundo mandato.

Política é a arte da construção de hegemonia. O verdadeiro nome da governabilidade é hegemonia. Esse objetivo tem que ser o norte do governo, do PT, da esquerda, se querem consolidar e avançar decisivamente, de forma irreversível no extraordinário processo de democratização social, econômica, política e cultural apenas iniciado. Não é mais possível seguir governando empiricamente, de conjuntura em conjuntura, sem uma visão estratégica do que se quer – que tipo de sociedade, que tipo de Estado, que tipo de Brasil.



Comentários