Cavalo (fúnebre) de Troia: Syriza e a fantasia do euro sem arrocho
12/1/2015, [*] Greg Palast, Διάλογος [Diálogo], Atenas
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
POSTADO POR CASTOR FILHO
Eu estava no Brasil quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou o FMI passear – e rejeitou a privatização dos bancos estatais e da estatal do petróleo, rejeitou cortes em aposentadorias e pensões, e deu uma banana para o resto do programa de arrocho [dito de “austeridade”] e correspondentes sandices. Em vez disso, Lula criou o programa Bolsa Família, ferramenta para massiva transferência de dinheiro para os pobres da nação brasileira. Resultado: o Brasil não apenas sobreviveu, mas prosperou durante a crise de 2008-10. Apesar das pressões, o Brasil de Lula e Dilma jamais cedeu o controle sobre sua moeda.
Troika - Cavalo de Troia: Syriza fará a Grécia capitular? |
SYRIZA quer curar a lepra da Grécia, mas quer que a Grécia continue a viver hospedada no leprosário. Quero dizer: SYRIZA quer livrar a Grécia das dores do arrocho [“austeridade”], mas insiste em continuar na zona do euro.
O problema é que o arrocho é só um sintoma da doença: a doença é o próprio euro.
Nos últimos cinco anos, os gregos ouviram dizer que, se curarem a doença de vocês – quer dizer, se abandonarem o euro –, o céu desabará sobre a cabeça de vocês. Acho que ninguém percebeu, mas o céu já desabou. Com desemprego acima de 25%, não há mais o que desabar.
Em 2010, quando o desemprego estava em terríveis 10%, a TROIKA prometeu que medidas de arrocho [austeridade] duro restaurariam, já em 2012, a economia grega. Olhem em volta e perguntem a vocês mesmos: a TROIKA acertou?
Há um dito nos EUA:
Me engane uma vez, a vergonha é sua. Me engane duas vezes, a vergonha é minha.
Se a Grécia pode sobreviver sem o euro? Mas vocês já estão mortos. Não passam de fantasmas. Disseram aos gregos que se deixarem o euro e não honrarem as dívidas, não terão acesso aos mercados mundiais de capitais. A realidade é que vocês já não têm acesso aos mercados mundiais: ninguém empresta a zumbis.
Muitas nações dão-se muito bem sem o euro: Suécia, Dinamarca e Bangladesh vivem excelentemente sem o euro – e também a Turquia, que teve a sorte de ser excluída da Eurozona. Enquanto os turcos se mantiverem agarrados à lira, nem mesmo um islamo-fascista com dano cerebral grave como Recep Tayyip Erdoğan conseguirá destruir a economia turca.
Se os gregos podem abandonar o euro? Há os mais felizes precedentes a seguir. A moeda argentina foi, antes, ligada ao dólar dos EUA, como a Grécia é hoje ligada ao euro.* Em 2000, os argentinos famintos e irados, revoltaram-se. A Argentina derrubou a ditadura do dólar, todos os diktats do FMI e as ameaças dos credores, e aplicou um calote, rindo, nos seus papéis em dólar. Desde então a economia argentina só cresce. Se a Argentina está hoje sob ataque dos abutres financeiros, é, exclusivamente, porque o país tornou-se tentadoramente muito rico.
Merkel, Euro e o ARROCHO! |
Eu estava no Brasil quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou passear o FMI – e rejeitou a privatização dos bancos estatais e da estatal do petróleo, rejeitou cortes em aposentadorias e pensões, e deu uma banana para o resto do programa de arrocho [dito de ‘austeridade’] e correspondentes sandices. Em vez disso, Lula criou o programa Bolsa Família, meio massivo de transferência de dinheiro para os pobres da nação brasileira. Resultado: o Brasil não apenas sobreviveu, mas prosperou durante a crise de 2008-10. Apesar das pressões, o Brasil jamais cedeu o controle sobre sua moeda.
“Arrocho”: É religião, não é economia
Wolfgang Schäuble |
O euro é simplesmente o marco alemão com estrelinhas em volta. Não se pode adotar a moeda alemã, sem adotar o ministro alemão das finanças, Wolfgang Schäuble, como ministro.
E Schäuble determinou que a Grécia tem de ser punida. Não há, é claro, teoria econômica crível que diga que o arrocho – quer dizer, cortar gastos do governo, cortar salários, cortar demanda de consumo – poderia de algum modo ajudar país em recessão, em deflação.
Mas o arrocho, também chamado de “austeridade”, nada tem a ver com economia. É religião: a crença, entre os duros luteranos alemães, de que os gregos já se divertiram demais, já gastaram dinheiro demais, já passaram tempo demais espreguiçando-se ao sol – e agora têm de pagar um preço pelos seus pecados.
Estranhamente, ouço essas bobagens de autoflagelamento também dos próprios gregos: somos vagabundos, preguiçosos. Merecemos o castigo. Estupidez e mais estupidez. Em média, o trabalhador grego trabalha mais horas que qualquer outro trabalhador nas 34 nações da OECD; o alemão é o que trabalha menos.
Alexis Tsipras gostaria de poder fingir que o arrocho e o euro seriam coisas diferentes, que se pode casar com a bonitinha e não convidar para a festa a cunhada feia. Aparentemente, o chefe do SYRIZA vive abençoadamente ignorante da história do euro. O horror do arrocho não é consequência da prodigalidade da Grécia: ele está projetado e previsto no plano do euro, desde o início.
Foi exatamente o que me explicou o próprio pai do euro, o economista Robert Mundell da Universidade de Columbia. (Estudei economia com o parceiro de Mundell, Milton Friedman.) Mundell não inventou só o euro: inventou também as políticas-máquinas de-produzir miséria de Thatcher e Reagan, chamadas “economia de oferta” [orig. “supply-side economics”] – ou, como a chamava George Bush Pai, “economia vudu”. Vudu de oferta é a crença há muito tempo desmascarada, segundo a qual se o país desmonta o poder dos sindicatos, corta impostos para empresas, elimina regulações que o governo impunha e a propriedade pública em geral... “disso” advirá a prosperidade econômica.
A Tragédia Grega imposta pela União Europeia |
O euro é simplesmente o outro lado da moeda “da oferta”. Como diz Mundell, o euro é o modo como Congressos e Parlamentos podem perder o máximo poder nas políticas monetária e fiscal. A democracia, sempre com potencial para incomodar, é extraída do sistema econômico.
Sem política fiscal, Mundell me disse, o único modo pelo qual as nações podem manter empregos é promovendo a redução competitiva das leis que legislam sobre o business.
A Grécia, para sobreviver numa economia do euro, só conseguirá reviver o emprego se reduzir salários. De fato, a recente mínima redução no desemprego é o sinal de que os gregos já estão aceitando, aos poucos, um futuro permanente de baixos salários, servindo piña colada a alemães em cruzeiros turísticos.
Há quem diga que devemos à Alemanha, ao FMI e ao Banco Central Europeu pelo “resgate” da Grécia. Estupidez. Nenhum dos bilhões dos fundos de “resgate” foram para os bolsos dos gregos. Todos eles fora para o caixa do Deutsche Bank e de outros credores estrangeiros. O Tesouro da União Europeia engoliu 90% de seus papeis de bancos privados. A Alemanha resgatou a Alemanha, não a Grécia.
E agora a Grécia tem de pagar à Alemanha, Sr. Tsipras, quer dizer: se o senhor ainda quer usar a moeda alemã.
Robert Mundell |
Ironicamente, é Robert Mundell, o pai do euro, cuja famosa Teoria das Áreas Monetárias Ótimas (pela qual ganhou o Prêmio Nobel), quem explica claramente por que Alemanha e Grécia de modo algum podem partilhar uma mesma moeda. Uma nação baseada em turismo, pesca e agricultura não pode cimentar os próprios termos de comércio como uma nação industrial. As consequências logo se veem: mediante o euro, a Alemanha mantém a moeda grega ridiculamente supervalorizada, de modo que Grécia, como Itália, Espanha e Portugal, não possam fazer concorrência às exportações alemãs.
Desculpe, Sr. Tsipras, mas permanecer no erro é decisão de maluco. Não pode ser – não honestamente. Não há meio possível pelo qual a Grécia consiga satisfazer a exigência do euro de limitar o déficit grego a 3% do PIB, sem eliminar as pensões e aposentadorias pagas pelo estado, sem arrochar salários. E não é ‘'austeridade'’ temporária; é arrocho que perdurará por todo o século XXI.
E não há meio honesto para derrubar a dívida nacional pelo “critério de convergência” do euro de 60% do PIB, sem liquidação em massa de propriedade do estado. Mas o problema com essas privatizações é que, quando você vende uma empresa de água, nem por isso você deixa de precisar beber água. A única diferença é que, depois da privatização, o preço da água sobe, e só alguns insiders [gíria: PDL – Por Dentro do Lance (Nrc)] e seus parceiros estrangeiros conseguem ao mesmo tempo beber água e enriquecer.
Yanis Varoufakis e Alexis Tsipras (20/11/2015) |
A razão pela qual a Grécia está hoje presa por dívidas são as fraudes criminosas cometidas por governos anteriores para satisfazer os “critérios de convergência” do euro. A ruína da nação começou com swaps de moedas secretos, fraudulentos, concebidos há uma década por Goldman Sachs, para esconder os déficits gregos que excediam o limite de 3%-do-PIB da Zona do Euro. Quando se descobriu a verdade, os detentores da dívida grega viram que haviam sido tungados. Esses compradores da dívida, então, exigiram níveis de juros de usurário (ou, se alguém preferir: spread altíssimo), para protegerem-se contra fraudes futuras. Os juros sobre juros cobrados desses papeis puseram de joelhos a nação grega.
Em outras palavras: a causa da crise são os crimes cometidos para unir-se ao e permanecer no euro, não alguma prodigalidade grega. Isso permitiu que o euro – essa máquina de Mundell à prova de qualquer remorso – fizesse seu trabalho, até forçar a Grécia a ceder todo o poder e todos os fundos que pertenceram à classe trabalhadora. Sem poder sobre a própria oferta de dinheiro e taxa de câmbio, a Grécia desabou de joelhos, implorando a mercê da Alemanha.
Mas não há mercê. Como o Schäube alemão não se cansa de repetir, os votos de vocês valem nada.
Novas eleições nada mudam nos acordos firmados com o governo grego –como diz ele. – Os gregos não têm alternativa.
Ah, ministro Schäuble, mas, sim, os gregos têm saída. Os gregos podem dizer ao senhor e sua gangue, que peguem o seu euro de vocês e... engulam.
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Nota dos tradutores
[1] O peso argentino era ligado ao dólar norte-americano à razão de 1:1 [em 1996, nos governos da tucanaria privateira no Brasil, também o era a moeda brasileira.
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[*] Greg Palast (nascido em 26/6/1952) é um jornalista investigativo estadunidense que reside na Inglaterra. Trabalha para o New York Times, BBC, The Observer, The Guardian e outras publicações. Seu trabalho centra-se frequentemente em prevaricação corporativa, mas também tem sido conhecido por trabalhar com sindicatos e grupos de defesa do consumidor. Notabilizou-se por descobrir a fraude de Jeb Bush e sua quadrilha composta da secretária Katherine Harris e o Chefe da Unidade Eleitoral, Clay Roberts, em composição com a corporação ChoicePoint (uma espécie de PROCONSULT da Flórida) na manipulação da contagem das cédulas dos votantes, na Flórida, durante a eleição presidencial de 2000 e novamente em 2004, quando a apuração da roubalheira nas urnas mostrou que o candidato John Kerry, na verdade, venceu a disputa, sendo derrotado não fosse o “desproporcional” roubo dos votos do Partido Democrata.
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