A Grécia é que nos está a dar dinheiro, estúpido

Cavaco Silva insiste na fábula, "os portugueses foram dos que mais contribuíram para o resgate grego".


O paralelo não é exagerado. Se recuarmos na história, percebemos que aqueles que foram escravizados nos campos e cidades dos E.U.A conheciam bem a diferença entre quem colaborava com o opressor e quem estava disposto a resistir-lhe. Aos primeiros chamavam-lhes house negros, pois habitavam na casa-grande, tratando dos senhores e por isso comiam melhor e viviam mais. Os segundos eram os field negros, que trabalhavam no campo, sob sol e chicote, morrendo por tudo e por nada, odiando os seus carrascos.

Na semana em que os senhores da Europa se viraram contra a Grécia, está claro de ver em que categoria se encaixa a direita portuguesa, com Maria Luís Albuquerque a ser passeada como uma jarra pela Alemanha de Schäuble.
Mas esta banda ainda tem um chefe. Cavaco Silva insiste na fábula, "os portugueses foram dos que mais contribuíram para o resgate grego". Na base desta afirmação estariam as obrigações gregas emitidas no âmbito do segundo programa da troika e da chamada "reestruturação da dívida" de 2012. A emissão de novos títulos foi realizada em parte através de bilhetes do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF), sendo assim garantidos pelos Estados-membros.
A missiva de Belém é clara, em caso de reestruturação da dívida grega, Portugal é quem mais perde. A desmontagem dessa narrativa já foi feita aqui e aqui, mas vale a pena insistir, o que Cavaco diz é simplesmente errado. Portugal contribuiu com 2% dos fundos totais envolvidos no primeiro programa da troika mas, à semelhança da Irlanda e de Chipre, países igualmente intervencionados, ficou isento das prestações dessas garantias (segundo programa).
Para além disso, o próprio Varoufakis explicou, em março de 2014, como o processo de reestruturação de 2012 resultou numa transferência de dívida de mãos privadas (banca europeia) para o setor público, implicando uma recapitalização da banca grega após o haircut... através dos empréstimos da troika.
Portanto, tanto Cavaco está errado, como na verdade Portugal em tudo teria a ganhar com a proposta grega. Quando o governo do Syriza defende uma janela de tempo para reorganizar a sua economia e preparar politicamente uma reestruturação da dívida associada ao crescimento, está a criar o espaço e o exemplo para países como Portugal saírem da espiral da dívida e do empobrecimento.
Sabemos que o porrete alemão não o permitirá, mas ao fazer esse enfrentamento, o Governo do Syriza ao menos poupou-nos o tempo da ilusão europeia.
Artigo publicado no blogue Inflexão

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, activista precário.

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