A encruzilhada do Brasil que poderíamos ser
Se ainda há tempo para reverter a marcha dos acontecimentos é forçoso reconhecer que esse tempo se gasta aos saltos.
A via ortodoxa escolhida pelo governo para viabilizar o quarto mandato presidencial do PT está implantada e o paradoxo começa a dar frutos.
São ácidos.
O desemprego saltou de 4,3% em dezembro para 5,3% em janeiro; o governo acaba de anunciar um corte de 23,7% do orçamento do PAC e o BC deve aumentar a taxa de juro na próxima 4ª feira, para 12,75%.
Significa dizer que o ciclo econômico ajustou-se ao ciclo político.
Ao cerco conservador que antecedeu o período pré-eleitoral, e somente ali foi afrontado, sobrepõe-se agora uma asfixia econômica, que cada vez mais será percebida pela população como um torniquete que se ajusta diariamente.
São ácidos.
O desemprego saltou de 4,3% em dezembro para 5,3% em janeiro; o governo acaba de anunciar um corte de 23,7% do orçamento do PAC e o BC deve aumentar a taxa de juro na próxima 4ª feira, para 12,75%.
Significa dizer que o ciclo econômico ajustou-se ao ciclo político.
Ao cerco conservador que antecedeu o período pré-eleitoral, e somente ali foi afrontado, sobrepõe-se agora uma asfixia econômica, que cada vez mais será percebida pela população como um torniquete que se ajusta diariamente.
Estamos só no começo da primeira volta.
A emissão conservadora ostenta uma coerência editorial de cabo a rabo. Não há mais dissonância entre o salvacionismo antipetista do noticiário político e os resultados registrados nas páginas de economia.
A recessão vai engrossar as fileiras do neoudenismo -- se não no aventado dia 15 de março, um pouco mais adiante.
Não há pressa. O tempo age a favor da turma que recentemente uivou contra o ex-ministro Guido Mantega, e sua esposa, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Ali ficamos definitivamente cientes de que ‘SUS’ para a fina estampa da elite paulista é o sinônimo de um palavrão.
O governo assiste a tudo com notável desdém pela própria cabeça.
A hora de Brasília não define mais a hora do Brasil.
A abertura e o fechamento dos mercados agendam a sociedade e não há contraditório.
A democracia não fala.
O ministro Joaquim Levy fala por ela.
Diariamente, oferece libras de carne fresca às tesourarias que no final do expediente dão a nota seca para o cardápio da jornada e deixam orientações para o desjejum da manhã seguinte.
É uma conversa de brancos de olhos azuis.
À Nação mestiça ninguém se dirige; tampouco lhe é facultado dizer o que pensa sobre o seu futuro.
Ilhadas na inundação das más notícias, sem comunicação com o governo, forças progressistas lançam manifestos desesperados em garrafas que nunca ultrapassam o espelho d’água do Planalto.
O aparato conservador não disfarça a sulfurosa agitação, nem camufla mais suas bandeiras no fundo do armário.
Serra fareja o clima e hasteia no peito a mais reluzente de todas.
O tucano quer fatiar e vender a Petrobras.
Sinal dos tempos: agora explicita aquilo que sempre teve o cuidado de ocultar.
Seu projeto resgata o plano sedimentado no governo FHC.
Trata-se de criar uma situação de fato.
Qual?
Privatizar pelas beiras, desossar o gigante por dentro, como uma proliferação de vermes. Até que a carcaça não pare mais em pé. E soe lógico rifa-la de vez.
Agências de risco lubrificam o metabolismo para a infestação maligna.
Ou não foi isso que a Moody’s fez ao rebaixar a nota da Petrobras?
A atilada organização, incapaz, como as demais, de enxergar uma mísera trinca no carrossel global antes de 2008, justificou o rebaixamento do rating pelo temor de que a estatal não tenha fôlego financeiro à altura dos seus compromissos.
Estranho.
A Petrobras tem como principal acionista o Tesouro brasileiro.
O Tesouro brasileiro não quebrou, nem vai quebrar. A Moody’s, ela própria, descarta dúvidas em relação à saúde fiscal do país.
Portanto, o Estado faria aportes necessários se e quando a estatal requisitasse.
E tampouco é o caso.
A Petrobras tem US$ 20 bilhões em caixa, o que a dispensa de ir ao mercado em busca de crédito em 2015.
Dispõe, ademais, de carta de crédito garantido, da ordem de mais R$ 10 bilhões, em três bancos: Banco do Brasil, Caixa e Bradesco.
O que a Moody’s fez então?
O velho truque de insuflar a profecia autorrealizável: a perda do rating, se acompanhada por outras agencias, impedirá que fundos internacionais possam investir na estatal.
Desidratada em sua capacidade de explorar o pré-sal restaria a ‘solução’ Serra.
Vender aos pedaços até sobrar só o tutano, o pré-sal. Então sepultar o regime de partilha para entregar o mocotó às petroleiras internacionais.
‘A Petrobras virou um monstro inadministrável’, vaticina o ex-presidente da UNE, de olho no efeito Moody’s, ele que em 1964 mirava as massas ao lado de Jango, no comício da Central do Brasil.
A figura melíflua simboliza a essência da degeneração política brasileira.
Daí não sai nada.
Exceto a reiteração das misérias seculares dissimulada em bandeiras salvacionistas.
Vender a Petrobras é a obsessão da consciência culpada que não suporta conviver com espelhos de sua traição.
O ex-governador de São Paulo é um marcador desse passado que regurgita sempre que o flanco histórico se abre.
Foi escancarado agora.
A disputa entre dois projetos de Brasil, que tem na luta pela destinação social do desenvolvimento um diferencial progressista, perdeu seus contornos históricos.
A vantagem estava expressa na carteira assinada, no ganho real do holerite, no fomento ao pleno emprego, no amparo aos mais vulneráveis, mas também em pilares simbólicos de uma ponte para o futuro assentada em mais justiça social e cidadania.
O pré-sal era, e ainda é, o principal alicerce dessa construção.
Que todavia carrega um pé de barro cuja fragilidade agora cobra suas consequências históricas: o projeto do PT delegou exclusivamente ao sucesso econômico a sua sustentação política.
Entranhado nesses doze anos de mandatos progressistas, o economicismo subestimou as contradições inerentes ao ambiente sublevado pela crispação oposicionista, que ganharia aderência social a partir da estagnação internacional.
Lacunas fatais foram coaguladas no rastro desse voluntarismo cego.
O PT e demais organizações progressistas tornaram-se organicamente obsoletos ao desempenho da engrenagem.
Daí para o peleguismo e a infecção burocrática é preciso pouco.
Não havia muito o que fazer.
Delegou-se a formação do discernimento popular a um pragmatismo de resultados, na certeza de que ele percolaria, automaticamente, das gôndolas dos supermercados para a correlação de forças da sociedade e daí para vitórias sucessivas nas urnas.
Nesse atalho da fila do caixa para a da urna a expressão ‘organização de base’ deixou de fazer sentido.
Perderia sentido também a conquista de uma hegemonia cultural e ideológica, com consequências nefastas.
A principal delas foi a pax branca que concedeu ao conservadorismo a prerrogativa intocável da comunicação com a sociedade.
Subestimou-se assim o impacto daquilo que mais cedo, ou mais tarde, estava fadado a acontecer: a crise internacional aportaria por aqui, exigindo do projeto progressista mais do que resultados econômicos imediatos para se legitimar.
Essa hora chegou.
E encontrou o terreno fértil de uma escalada golpista que enxerga na Lava Jato a avenida monumental para destruir o legado do PT, derrubar o governo Dilma e proceder à restauração neoliberal na sua volta ao poder.
Mais que isso, porém.
Agências de risco lubrificam o metabolismo para a infestação maligna.
Ou não foi isso que a Moody’s fez ao rebaixar a nota da Petrobras?
A atilada organização, incapaz, como as demais, de enxergar uma mísera trinca no carrossel global antes de 2008, justificou o rebaixamento do rating pelo temor de que a estatal não tenha fôlego financeiro à altura dos seus compromissos.
Estranho.
A Petrobras tem como principal acionista o Tesouro brasileiro.
O Tesouro brasileiro não quebrou, nem vai quebrar. A Moody’s, ela própria, descarta dúvidas em relação à saúde fiscal do país.
Portanto, o Estado faria aportes necessários se e quando a estatal requisitasse.
E tampouco é o caso.
A Petrobras tem US$ 20 bilhões em caixa, o que a dispensa de ir ao mercado em busca de crédito em 2015.
Dispõe, ademais, de carta de crédito garantido, da ordem de mais R$ 10 bilhões, em três bancos: Banco do Brasil, Caixa e Bradesco.
O que a Moody’s fez então?
O velho truque de insuflar a profecia autorrealizável: a perda do rating, se acompanhada por outras agencias, impedirá que fundos internacionais possam investir na estatal.
Desidratada em sua capacidade de explorar o pré-sal restaria a ‘solução’ Serra.
Vender aos pedaços até sobrar só o tutano, o pré-sal. Então sepultar o regime de partilha para entregar o mocotó às petroleiras internacionais.
‘A Petrobras virou um monstro inadministrável’, vaticina o ex-presidente da UNE, de olho no efeito Moody’s, ele que em 1964 mirava as massas ao lado de Jango, no comício da Central do Brasil.
A figura melíflua simboliza a essência da degeneração política brasileira.
Daí não sai nada.
Exceto a reiteração das misérias seculares dissimulada em bandeiras salvacionistas.
Vender a Petrobras é a obsessão da consciência culpada que não suporta conviver com espelhos de sua traição.
O ex-governador de São Paulo é um marcador desse passado que regurgita sempre que o flanco histórico se abre.
Foi escancarado agora.
A disputa entre dois projetos de Brasil, que tem na luta pela destinação social do desenvolvimento um diferencial progressista, perdeu seus contornos históricos.
A vantagem estava expressa na carteira assinada, no ganho real do holerite, no fomento ao pleno emprego, no amparo aos mais vulneráveis, mas também em pilares simbólicos de uma ponte para o futuro assentada em mais justiça social e cidadania.
O pré-sal era, e ainda é, o principal alicerce dessa construção.
Que todavia carrega um pé de barro cuja fragilidade agora cobra suas consequências históricas: o projeto do PT delegou exclusivamente ao sucesso econômico a sua sustentação política.
Entranhado nesses doze anos de mandatos progressistas, o economicismo subestimou as contradições inerentes ao ambiente sublevado pela crispação oposicionista, que ganharia aderência social a partir da estagnação internacional.
Lacunas fatais foram coaguladas no rastro desse voluntarismo cego.
O PT e demais organizações progressistas tornaram-se organicamente obsoletos ao desempenho da engrenagem.
Daí para o peleguismo e a infecção burocrática é preciso pouco.
Não havia muito o que fazer.
Delegou-se a formação do discernimento popular a um pragmatismo de resultados, na certeza de que ele percolaria, automaticamente, das gôndolas dos supermercados para a correlação de forças da sociedade e daí para vitórias sucessivas nas urnas.
Nesse atalho da fila do caixa para a da urna a expressão ‘organização de base’ deixou de fazer sentido.
Perderia sentido também a conquista de uma hegemonia cultural e ideológica, com consequências nefastas.
A principal delas foi a pax branca que concedeu ao conservadorismo a prerrogativa intocável da comunicação com a sociedade.
Subestimou-se assim o impacto daquilo que mais cedo, ou mais tarde, estava fadado a acontecer: a crise internacional aportaria por aqui, exigindo do projeto progressista mais do que resultados econômicos imediatos para se legitimar.
Essa hora chegou.
E encontrou o terreno fértil de uma escalada golpista que enxerga na Lava Jato a avenida monumental para destruir o legado do PT, derrubar o governo Dilma e proceder à restauração neoliberal na sua volta ao poder.
Mais que isso, porém.
O equívoco que na bonança delegou exclusivamente às gôndolas a tarefa de legitimar um projeto progressista, agora se repete de forma ainda mais desconcertante na fase de baixa do ciclo econômico.
Transferiu-se – de novo e exclusivamente – à lógica de mercado, a ordenação de um ajuste que se faz à margem da negociação social.
De modo abrupto, sem salvaguardas, sem prazos, sem mediações políticas, sem a necessária repactuação do passo seguinte do desenvolvimento, transferiu-se a um centurião do mercado a tarefa de pavimentar um futuro, a contrapelo da bússola progressista.
Um governo é o seu legado e o seu futuro: como defendê-lo se nem o seu ministro da Fazenda o respeita mais?
O Brasil vive uma de suas mais graves encruzilhadas.
Se ainda há tempo para reverter a marcha dos acontecimentos, é forçoso reconhecer que esse tempo se gasta aos saltos.
A ampulheta do destino brasileiro escorre aos soluços.
A pouca sedimentação organizativa e ideológica da década de avanços reflete-se agora no acoelhamento de uns, na catatonia de outros, no sectarismo suicida de muitos, na prostração contagiosa e na inebriante determinação de não correr riscos – não correr riscos! – daqueles que bordejam o precipício e fingem não enxergá-lo.
O primeiro e mais dramático de todo os riscos é permitir que o Brasil retroceda às mãos da restauração neoliberal.
O segundo, acoplado ao anterior, será permitir que isso aconteça sem luta.
O terceiro, aceita-lo, antecipadamente, como se fosse fatalidade.
Daí para a rendição urdida na recusa à autocrítica e à retificação daquilo que não deveria nunca ter sido descuidado, é um passo.
Não um passo qualquer.
Mas o derradeiro passo em falso capaz de sepultar uma década e tanto de caminhada em direção ao país que o Brasil poderia ser no século XXI.
Mas que ainda não somos.
E não seremos jamais – se a restauração neoliberal vingar sobre uma base de acoelhamento progressista aviltante.
A ver.
Transferiu-se – de novo e exclusivamente – à lógica de mercado, a ordenação de um ajuste que se faz à margem da negociação social.
De modo abrupto, sem salvaguardas, sem prazos, sem mediações políticas, sem a necessária repactuação do passo seguinte do desenvolvimento, transferiu-se a um centurião do mercado a tarefa de pavimentar um futuro, a contrapelo da bússola progressista.
Um governo é o seu legado e o seu futuro: como defendê-lo se nem o seu ministro da Fazenda o respeita mais?
O Brasil vive uma de suas mais graves encruzilhadas.
Se ainda há tempo para reverter a marcha dos acontecimentos, é forçoso reconhecer que esse tempo se gasta aos saltos.
A ampulheta do destino brasileiro escorre aos soluços.
A pouca sedimentação organizativa e ideológica da década de avanços reflete-se agora no acoelhamento de uns, na catatonia de outros, no sectarismo suicida de muitos, na prostração contagiosa e na inebriante determinação de não correr riscos – não correr riscos! – daqueles que bordejam o precipício e fingem não enxergá-lo.
O primeiro e mais dramático de todo os riscos é permitir que o Brasil retroceda às mãos da restauração neoliberal.
O segundo, acoplado ao anterior, será permitir que isso aconteça sem luta.
O terceiro, aceita-lo, antecipadamente, como se fosse fatalidade.
Daí para a rendição urdida na recusa à autocrítica e à retificação daquilo que não deveria nunca ter sido descuidado, é um passo.
Não um passo qualquer.
Mas o derradeiro passo em falso capaz de sepultar uma década e tanto de caminhada em direção ao país que o Brasil poderia ser no século XXI.
Mas que ainda não somos.
E não seremos jamais – se a restauração neoliberal vingar sobre uma base de acoelhamento progressista aviltante.
A ver.
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