A afronta a Dilma tornou-se uma afronta à Câmara

Segunda-feira, quando li a notícia da eleição da nova Câmara, indaguei-me se a próxima Câmara, a de 2019, poderá ser ainda pior. Porque esta...

Saturnino Braga - Na Carta Maior
Valter Campanato/Agência Brasil
Mário Henrique Simonsen, inveterado apreciador da ópera, contava uma história ocorrida num importante teatro da Itália que encenou certa vez o Rigoleto de Verdi. Logo na primeira cena, o tenor (o Duque de Mântua) canta uma das áreas celebradas da ópera, a “Questa o quella”, e naquela noite o cantor desagradou tanto que foi vaiado. 


Agradeceu a vaia e vingou-se da platéia: “Aspetate Il barítono” (esperem o barítono), disse com sorriso irônico. Minutos depois apareceu o Rigoleto, a principal figura da ópera representada pelo barítono. E foi tão lamentável, tão pior do que o tenor, que a platéia não parou de apupá-lo e a récita teve que se encerrar.
    
Quando eu ainda estava no Senado e ouvia uma das infindáveis críticas ao Congresso, lembrava-me da história de Simonsen e pensava comigo: esperem o próximo.

Segunda-feira, quando li a notícia da eleição da nova Câmara, indaguei-me se a próxima, a de 2019, poderá ser ainda pior. Porque esta, logo na sua instalação, decidiu conscientemente, afrontar abertamente a dignidade da Instituição. 

Não acredito que nenhum dos deputados que votaram no novo Presidente não soubesse da completa desqualificação do candidato que escolheram para a função tão elevada e digna. 

Pretenderam afrontar a Presidenta e o seu partido, o PT, mas afrontaram a própria Instituição já tão degradada.

O propósito foi mesmo este, de exibir o seu poder humilhando a Presidenta, e veio envolvido numa ridícula maionese de galhofa, arrogância e desrespeito à elevada função representativa que devem ter. Foram eleitos pelo povo e afirmaram sua soberania; não têm satisfações a dar a ninguém. Sua reeleição será somente daqui a 4 anos, e vai depender muito mais do dinheiro que conseguirem aportar no seu caixa 2.

Tempos atrás ocorreu outra escolha também inadequada. Por uma grande soma de pequenos interesses do chamado baixo clero, somados a uma boa dose de mesma galhofa, os deputados elegeram um presidente sem nenhuma condição de exercício da função, e ele findou tendo que renunciar.

Desta feita, entretanto, o erro me pareceu muito mais grave: galhofa, sim, mas com muita arrogância, demonstração de independência feita de maneira desastrada, virando uma independência em relação aos valores da dignidade que deviam preservar com todo cuidado.
 
Miraram uma afirmação de autonomia e no desatino acertaram num outro projeto que é de outros interesses, de grande envergadura, o projeto do terceiro turno cujo objetivo é derrubar a Presidenta Dilma Rousseff para tirar o pré-sal da Petrobras e demolir a aliança dos Brics que pretende criar uma alternativa à dominação global do grande capital. Este é o projeto da mídia estipendiada pelo grande capital, que apoiou e festejou a vitoriosa candidatura do deboche ao som da Radio Melodia.

Péssimo começo este, de tão funesta afronta. Como será a Câmara de 2019?
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Roberto Saturnino Braga, 83, é engenheiro. Com votos da cidade e do estado do Rio de Janeiro elegeu-se vereador, prefeito, deputado federal e senador da República.




Créditos da foto: Valter Campanato/Agência Brasil

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