Um advogado a favor da destruição das empresas de construção
Para alguns, lutar contra a corrupção consiste em entregar a tecnologia brasileira e o mercado de construção a empresas estrangeiras.
J. Carlos de Assis*
Carvalhosa tem uma noção peculiar de democracia. Segundo ele, governo democrático era o de Fernando Henrique, pois Fernando Henrique exercia pessoalmente o governo que, assim, não era do PSDB. Já os governos Lula e Dilma não são democráticos porque quem governa é o PT. Isso se manifestaria sobretudo pelo aparelhamento do Estado e do Governo pelo PT e seus partidos aliados. Com isso, ficamos em dúvida sobre o papel do partido político numa democracia. Ao que o advogado quer, o partido escolhe o candidato e conduz a campanha, elege o presidente e, pronto, sai imediatamente de cena para não conspurcar o governo com sua participação direta!
Entretanto, examinemos um pouco mais de perto a questão do aparelhamento. Carvalhosa, um jurista, confunde Estado com Governo. Estado transcende ao Governo e suas instituições são mutuamente autônomas. Já Governo se confunde com Executivo, cabendo a este, uma vez eleito, escolher os seus quadros auxiliares, ministros etc. É do jogo democrático que o Governo escolha também os dirigentes de algumas instituições permanentes do Estado, pois, do contrário, cada uma dessas instituições – e não falo do Legislativo e do Judiciário – formaria uma casta na sociedade infensa ao jogo democrático.
A nomeação de ministros e dirigentes de entidades estatais pelo Governo escolhido pelo povo é uma contingência da democracia. Não cabe falar em aparelhamento. Não me consta que Fernando Henrique tenha colocado adversários políticos em postos de mando no Governo e na direção de entidades estatais. Por outro lado, também não me consta que os governos do PT – do qual não sou filiado e ao qual sempre fiz algumas restrições – tenha “aparelhado” a Polícia Federal, o Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria Geral da República ou a direção de outras instituições que, constitucionalmente, o presidente nomeia.
Voltando a Carvalhosa, outra observação espantosa em sua entrevista foi a vinculação do escândalo na Petrobrás com o chamado “mensalão”. Que a opinião pública brasileira tenha sido empulhada pela mídia ao ponto de achar que o julgamento do “mensalão” foi justo é admissível, dada a fragilidade da sociedade diante de uma imprensa manipuladora. Mas um “jurista” dizer que o mensalão consistiu em compra de votos, inclusive de parlamentares do próprio PT, com dinheiro público é um insulto à inteligência por parte de quem teria a obrigação moral de tomar conhecimento dos autos em sua integralidade.
Voltemos ao tema central da entrevista: Carvalhosa quer quebrar judicialmente as empresas com contratos suspeitos com a Petrobras. As empresas, não só os diretores, tem “culpa”, por isso tem que pagar. Esse é o foco. Seja tudo pela luta contra a corrupção: se isso significar a demissão de 500 mil empregados das empreiteiras, e outro milhão de empregados indiretos; se isso significa sucatear a tecnologia nacional; se isso significa entregar o mercado de construção e do setor petróleo às ávidas empreiteiras externas, tudo bem: É uma forma de depurar a sociedade brasileira dos seus corruptos, matando de fome algumas centenas de milhares de trabalhadores que não tem absolutamente nada a ver com a corrupção.
Contrariamente à tese de Carvalhosa, a Presidenta Dilma teve seu melhor momento nesse episódio ao estabelecer claramente uma linha política de separação entre corruptos e corruptores, que devem ser punidos, e empresas, que devem ser preservadas. Felizmente, nesse caso, o Governo não se omitiu em posicionar-se. Em relação aos corruptos e corruptores, acho que a Lava Jato nos deve maiores explicações que vão além de simples delações premiadas. É preciso ter provas, e não encharcar a imprensa de informações fragmentadas e sensacionalistas. Por exemplo, a imprensa noticiou amplamente que Cerveró recebeu uma propina de US$ 40 milhões. É muito dinheiro. Mas onde está a prova?
Enquanto gente como Carvalhosa quer quebrar as empresas de construção brasileiras, os Estados Unidos, origem dessa campanha contra a Petrobras, sabe tratar muito bem suas corporações, cuja corrupção está longe de ser comparada ao que acontece no Brasil. Por exemplo: o Citigroup e o Bank America cometeram fraudes bilionárias no mercado imobiliário; ninguém, pessoalmente, foi punido. As empresas, por sua vez, aceitaram, cada uma, pagar multa de US$ 20 bilhões para encerrar o processo – algo que apenas fez cócegas no orçamento delas. Ao lado disso, tivemos o escândalo da Libor, do Deutche Bank e do UBS (operações de câmbio), sendo que não vi nenhum luminar jurídico do primeiro mundo defender a quebra desses bancos. Sintomaticamente, também não li nada a respeito na imprensa brasileira.
Para não falar que estamos defendendo a impunidade absoluta das empresas, sugiro que, no caso de desvios e corrupção comprovados, os responsáveis pessoais sejam devidamente julgados e punidos, enquanto, para as empresas, sejam estipulados, além do ressarcimento do dano, uma multa proporcional a sua capacidade de pagamento sem prejuízo de suas operações. E, uma vez cumprida a sentença, as empresas estejam livres para contratação pelo Estado das obras em que estão operando e de novas obras, com o devido cuidado contra novos atos de corrupção, usando o que me parece ser a única sugestão válida de Carvalhosa: o instrumento do performance bond, isto é, o seguro de desempenho do contrato. Do contrário, o prejuízo para a sociedade e o Estado, em casos de corrupção, será muito maior por causa da conversão de muitas obras que estão em andamento em elefantes brancos, assim como em face do retardamento de outras obras urgentes que temos que fazer.
*Economista, doutor pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB
Assisti estupefato à entrevista do advogado Modesto Carvalhosa, apresentado como grande autoridade em Direito Comercial, ao programa Roda Viva, da Tevê Cultura: o tema em pauta era a punição das grandes construtoras contratadas pela Petrobras envolvidas na operação Lava Jato; o tema preferencial do entrevistado foi atacar os partidos da base aliada do Governo, e especialmente o PT. Até aí nada a objetar. Entretanto, assinale-se que nesse último caso quem fala não é o especialista em Direito de Empresas, mas um porta-voz do tucanato que destila preconceitos contra políticos e o Governo com espantosa leviandade.
Carvalhosa tem uma noção peculiar de democracia. Segundo ele, governo democrático era o de Fernando Henrique, pois Fernando Henrique exercia pessoalmente o governo que, assim, não era do PSDB. Já os governos Lula e Dilma não são democráticos porque quem governa é o PT. Isso se manifestaria sobretudo pelo aparelhamento do Estado e do Governo pelo PT e seus partidos aliados. Com isso, ficamos em dúvida sobre o papel do partido político numa democracia. Ao que o advogado quer, o partido escolhe o candidato e conduz a campanha, elege o presidente e, pronto, sai imediatamente de cena para não conspurcar o governo com sua participação direta!
Entretanto, examinemos um pouco mais de perto a questão do aparelhamento. Carvalhosa, um jurista, confunde Estado com Governo. Estado transcende ao Governo e suas instituições são mutuamente autônomas. Já Governo se confunde com Executivo, cabendo a este, uma vez eleito, escolher os seus quadros auxiliares, ministros etc. É do jogo democrático que o Governo escolha também os dirigentes de algumas instituições permanentes do Estado, pois, do contrário, cada uma dessas instituições – e não falo do Legislativo e do Judiciário – formaria uma casta na sociedade infensa ao jogo democrático.
A nomeação de ministros e dirigentes de entidades estatais pelo Governo escolhido pelo povo é uma contingência da democracia. Não cabe falar em aparelhamento. Não me consta que Fernando Henrique tenha colocado adversários políticos em postos de mando no Governo e na direção de entidades estatais. Por outro lado, também não me consta que os governos do PT – do qual não sou filiado e ao qual sempre fiz algumas restrições – tenha “aparelhado” a Polícia Federal, o Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria Geral da República ou a direção de outras instituições que, constitucionalmente, o presidente nomeia.
Voltando a Carvalhosa, outra observação espantosa em sua entrevista foi a vinculação do escândalo na Petrobrás com o chamado “mensalão”. Que a opinião pública brasileira tenha sido empulhada pela mídia ao ponto de achar que o julgamento do “mensalão” foi justo é admissível, dada a fragilidade da sociedade diante de uma imprensa manipuladora. Mas um “jurista” dizer que o mensalão consistiu em compra de votos, inclusive de parlamentares do próprio PT, com dinheiro público é um insulto à inteligência por parte de quem teria a obrigação moral de tomar conhecimento dos autos em sua integralidade.
Voltemos ao tema central da entrevista: Carvalhosa quer quebrar judicialmente as empresas com contratos suspeitos com a Petrobras. As empresas, não só os diretores, tem “culpa”, por isso tem que pagar. Esse é o foco. Seja tudo pela luta contra a corrupção: se isso significar a demissão de 500 mil empregados das empreiteiras, e outro milhão de empregados indiretos; se isso significa sucatear a tecnologia nacional; se isso significa entregar o mercado de construção e do setor petróleo às ávidas empreiteiras externas, tudo bem: É uma forma de depurar a sociedade brasileira dos seus corruptos, matando de fome algumas centenas de milhares de trabalhadores que não tem absolutamente nada a ver com a corrupção.
Contrariamente à tese de Carvalhosa, a Presidenta Dilma teve seu melhor momento nesse episódio ao estabelecer claramente uma linha política de separação entre corruptos e corruptores, que devem ser punidos, e empresas, que devem ser preservadas. Felizmente, nesse caso, o Governo não se omitiu em posicionar-se. Em relação aos corruptos e corruptores, acho que a Lava Jato nos deve maiores explicações que vão além de simples delações premiadas. É preciso ter provas, e não encharcar a imprensa de informações fragmentadas e sensacionalistas. Por exemplo, a imprensa noticiou amplamente que Cerveró recebeu uma propina de US$ 40 milhões. É muito dinheiro. Mas onde está a prova?
Enquanto gente como Carvalhosa quer quebrar as empresas de construção brasileiras, os Estados Unidos, origem dessa campanha contra a Petrobras, sabe tratar muito bem suas corporações, cuja corrupção está longe de ser comparada ao que acontece no Brasil. Por exemplo: o Citigroup e o Bank America cometeram fraudes bilionárias no mercado imobiliário; ninguém, pessoalmente, foi punido. As empresas, por sua vez, aceitaram, cada uma, pagar multa de US$ 20 bilhões para encerrar o processo – algo que apenas fez cócegas no orçamento delas. Ao lado disso, tivemos o escândalo da Libor, do Deutche Bank e do UBS (operações de câmbio), sendo que não vi nenhum luminar jurídico do primeiro mundo defender a quebra desses bancos. Sintomaticamente, também não li nada a respeito na imprensa brasileira.
Para não falar que estamos defendendo a impunidade absoluta das empresas, sugiro que, no caso de desvios e corrupção comprovados, os responsáveis pessoais sejam devidamente julgados e punidos, enquanto, para as empresas, sejam estipulados, além do ressarcimento do dano, uma multa proporcional a sua capacidade de pagamento sem prejuízo de suas operações. E, uma vez cumprida a sentença, as empresas estejam livres para contratação pelo Estado das obras em que estão operando e de novas obras, com o devido cuidado contra novos atos de corrupção, usando o que me parece ser a única sugestão válida de Carvalhosa: o instrumento do performance bond, isto é, o seguro de desempenho do contrato. Do contrário, o prejuízo para a sociedade e o Estado, em casos de corrupção, será muito maior por causa da conversão de muitas obras que estão em andamento em elefantes brancos, assim como em face do retardamento de outras obras urgentes que temos que fazer.
*Economista, doutor pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB
Créditos da foto: Assembléia Legislativa de SP
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