Sergey Lavrov: “Relações Moscou-Washington estão sob grave tensão”
21/1/2015, Ministro Sergey Lavrov, Ministério de Relações Exteriores, Rússia [1ª. parte - Discurso]
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
POSTADO POR CASTOR FILHO
Ações cooperativas pela comunidade internacional têm sido prejudicadas por algumas tendências negativas. A mais importante dessas tendências negativas são as diferenças fundamentais entre:
(I) o processo objetivo de descentralização do poder no mundo e o desenvolvimento de uma ordem mundial policêntrica mais democrática, por um lado; e, por outro lado,
(II) as tentativas insistentes, pelo ocidente “histórico”, para preservar a qualquer custo a própria liderança global e reforçar suas abordagens e valores, incluindo o uso da força contra outros participantes das relações internacionais. A situação na Ucrânia é reflexo perfeito dessa política.
A parceria de Rússia e China tornou-se tema de destaque para todas as relações internacionais, porque é garantia global e regional de estabilidade e de segurança.
Sergey Lavrov, MRE da Rússia
Senhoras e senhores,
Bem-vindos ao nosso encontro anual sobre o desempenho da diplomacia da Rússia.
A situação ano passado foi mais complicada que antes, com novos pontos de tensão, além dos conflitos crônicos sempre fumegantes. Especialmente alarmante foi a situação no Oriente Médio e Norte da África, onde crescem as ameaças extremistas e terroristas, espalhando-se para outras regiões e para as quais a Rússia consistentemente tentou atrair a atenção de seus parceiros. Não diminuiu o risco de que divisões religiosas e societais cresçam ainda mais. A situação econômica global está longe de estar clara.
Acreditamos que os desenvolvimentos dos últimos poucos anos passados mostram convincentemente que as questões de segurança global só podem ser resolvidas mediante esforços combinados de todos. Mas ações cooperativas pela comunidade internacional são prejudicadas por algumas tendências negativas.
A mais importante delas são as diferenças fundamentais entre (I) o processo objetivo de descentralização do poder no mundo e o desenvolvimento de uma ordem mundial policêntrica mais democrática, por um lado; e, por outro lado, (II) as tentativas insistentes, pelo ocidente ‘histórico’, para preservar a qualquer custo a própria liderança global e reforçar suas abordagens e valores, incluindo o uso da força contra outros participantes das relações internacionais. A situação na Ucrânia é reflexo perfeito dessa política.
Não falarei em detalhes sobre nossa visão sobre o que aconteceu nesse estado vizinho e nosso amigo fraterno, porque os senhores já a conhecem muito bem. Só direi que a Rússia tem advogado firmemente um acordo amplo e exclusivamente pacífico para resolver a crise ucraniana. Os acordos de Minsk, firmados em parte graças à posição proativa do presidente Vladimir Putin, garante contexto prático para aquele acordo.
Hoje, a mais urgente necessidade é iniciar-se diálogo amplo na Ucrânia para discutir em detalhe e coordenar um sistema constitucional para a Ucrânia como país seguro e estável para todos os cidadãos ucranianos sem exceção. Vemos com satisfação que nossos parceiros ocidentais estão começando a ver – tanto quanto posso saber – que não há alternativa, se não esse cenário. Espero que nossos contatos futuros em diferentes níveis e variados formatos promoverão o movimento rumo a essa meta.
Só o povo da Ucrânia, sem nenhuma interferência externa pode determinar seu futuro. Contato direto entre Kiev e as autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk são fundamentalmente importante nesse contexto; além de levar-se em conta a situação aguda no sudeste da Ucrânia. Todos os demais formatos, que envolvam atores externos, inclusive a Normandia e outros formatos, bem como atividades da OSCE têm de visar a garantir que se faça diálogo direto e sustentável sobre as questões que têm de ser resolvidas, para que a crise tenha solução. De sua parte, a Rússia continuará, nesse espírito, a garantir ajuda para que se criem condições favoráveis resolver os formidáveis problemas da Ucrânia.
Nossos parceiros ocidentais têm dito repetidas vezes que precisam continuar a “conter” a Rússia.
O Presidente Barack Obama dos EUA disse precisamente isso, em seu discurso sobre o estado da nação (ing. SOTU), ontem. Tantas vezes tentem, tantas vezes falharão.
Apesar dessa política de nossos parceiros ocidentais, o Presidente Vladimir Putin disse claramente em sua fala à Assembleia da Federação Russa, que a Rússia jamais seguirá a via do autoisolamento, da eterna suspeita e da procura por inimigos.
A Rússia está andando por uma via de política externa ativa, sempre mantendo consistentemente em vista os nossos interesses nacionais. Mas de modo algum buscamos confronto. Queremos construir acordos razoáveis baseados num equilíbrio de interesses. Temos tentado influenciar a situação internacional para melhorá-la e reforçar a segurança, e temos defendido uma agenda pacífica e orientada para o futuro. Firmemente acreditamos que só esforços coletivos produzirão respostas aos desafios e ameaças que a humanidade tem pela frente. Mas enquanto fazemos isso, é dever de todos confiar na lei internacional e no papel central de coordenação, da Organização das Nações Unidas, ONU.
Ano passado, a Rússia trabalhou ativamente em diferentes formatos, dentre os quais G-20, BRICS e Organização de Cooperação de Xangai (ing. SCO), que terão suas reuniões anuais, esse ano, na cidade russa de Ufa. Usaremos as oportunidades oferecidas pelo fato de a Rússia estar na presidência dessas instituições para dar novo ímpeto a esses grupos-formatos.
O foco nos BRICS será para coordenar documentos econômicos cruciais, como uma estratégia para parceria econômica e um mapa do caminho para cooperação institucional. Há planos para assinar um acordo sobre laços culturais e abrir novas trilhas de cooperação. Também inauguraremos um secretariado virtual para os BRICS.
O Tratado sobre a União Econômica Eurasiana, UEEA [orig. Treaty on the Eurasian Economic Union (EAEU)], já assinado, tornou-se vigente dia 1/1/2015, e foi grande passo rumo à integração mais próxima no espaço pós-soviético. Dia 2/1/2015, a Armênia tornou-se membro pleno da UEEA. O Quirguistão completará em breve o processo de acesso. O interesse de muitos de nossos parceiros nesse processo é eloquente.
Damos as boas vindas a muitos países interessados em cooperar com a UEEA. Vários países manifestaram desejo de iniciar consultas sobre a possibilidade de firmar acordo de livre comércio com a União.
Ano passado, a Rússia, como presidente da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, OTSC [orig. Collective Security Treaty Organisation (CSTO)], focou-se em reforçar a eficiência e a qualidade dos mecanismos de resposta e o potencial da organização como mantenedora-preservadora da paz.
Quanto às relações entre Rússia e Europa, Bruxelas adotou uma posição, sobre a crise ucraniana, que resultou em declínio substancial nas relações com a União Europeia, além de vários desafios políticos e questões econômicas que emergiram em nossa agenda. Acreditamos em esforços sistemáticos para superar essas questões, baseados na igualdade e em respeito mútuo.
A Rússia permanece comprometida com a ideia de avanço progressivo e cooperação mutuamente benéfica com a União Europeia. Há vários anos insistimos com nossos parceiros para que comecemos a trabalhar para promover a “iniciativa de integrar integrações” – expressão que significa estabelecer um espaço econômico e humanitário único, do Atlântico ao Pacífico, baseado nos princípios de segurança indivisível e ampla cooperação. Levamos essa proposta à Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), como parte de seu segundo grupo, e não encontramos qualquer oposição. Espero que consigamos começar a trabalhar por essas linhas. É nossa convicção que concordar sobre esses objetivos estratégicos garantira o desenvolvimento harmonioso de todos os países dentro da Europa Expandida, independente de que participem ou não em várias organizações de integração.
O primeiro passo nessa direção pode ser iniciar conversações sobre a criação de uma zona de livre comércio entre a UEEA e a União Europeia. O Presidente Vladimir Putin expôs uma iniciativa para essa finalidade em janeiro de 2014, durante a reunião de cúpula União Europeia-Rússia em Bruxelas, e essa proposta permanece relevante.
Quanto à “frente” norte-americana, as relações entre Moscou e Washington estão sob grave tensão. O governo dos EUA retirou-se do diálogo bilateral sobre várias questões. Convocamos nossos parceiros norte-americanos para reiniciar relações construtivas, tanto em questões bilaterais como em questões globais nas quais nossos países partilham responsabilidade especial. Pôr os interesses de cada um de nossos países em pés de igualdade e levar em conta um os interesses do outro são pré-requisitos para que tal diálogo venha a ser possível.
Seguindo as pegadas dos EUA, acabou por prevalecer dentro da OTAN um posicionamento confrontacional. A Aliança do Tratado do Atlântico Norte tomou a decisão absolutamente política de suspender a cooperação em projetos civis e militares – e foram congelados praticamente todos os projetos. Não foi escolha dos russos.
A Rússia não quer e não permitirá que se desdobre uma nova guerra fria. Nossos parceiros ocidentais devem entender que no mundo de hoje é impossível garantir a segurança mediante ações unilaterais e pressionando parceiros, o que mina quaisquer esforços conjuntos.
Estamos mantendo nossos esforços para promover integração cada vez maior da Rússia com a região do Pacífico Asiático. O presidente russo, Vladimir Putin, já disse numerosas vezes que a Rússia considera suas relações com a região do Pacífico Asiático como sua prioridade estratégica para o século XXI; que aquela região é importante, dentre outras coisas, para o desenvolvimento das regiões do Extremo Oriente da Rússia.
Ao mesmo tempo, sempre dizemos e continuamos a insistir que esses esforços não visam a criar qualquer tipo de alternativa às relações com a Europa e com o Ocidente em geral, e que acompanham o projeto de ampliar nossos laços com parceiros europeus – se, é claro, desejarem engajar-se em tais relações.
As relações da Rússia com a China também se expandiram consistentemente. Durante a visita do Presidente Vladimir Putin à China em maio passado, foram assinados cerca de 50 acordos – e os senhores já receberam informação abundante sobre todos eles. A parceria de Rússia e China tornou-se tema de destaque para todas as relações internacionais, porque é garantia regional e global de estabilidade e de segurança.
A Rússia também aprofundou as parcerias estratégicas com Índia, Vietnã e outros países da região do Pacífico Asiático, e expandiu o envolvimento russo nos mecanismos multilaterais dessa região. Continuamos a promover relações com os países da América Latina e da África, com corpos emergentes de integração regional e com organizações regionais.
A Rússia sempre foi proativa no trabalho de facilitar acordos em vários conflitos. A desmilitarização da Síria foi completada com sucesso, com ativo impulso que lhe deu a Rússia – de fato, foi iniciativa conjunta Rússia-EUA, o que comprova que, quando guiados por interesses básicos, não por considerações oportunistas, sempre é possível superar-se e encontrar meios para ações conjuntas produtivas. Empreendemos esforços consistentes para levar adiante um acordo para a crise Síria, com condições para facilitar diálogo direto entre representantes do governo sírio e dos principais grupos da oposição.
O Estado Islâmico tem sido a maior ameaça ativa contra o Oriente Médio e o Norte da África, OMNA [ing. MENA]. A Rússia considera que esforços contraterrorismo estão entre suas prioridades, e propusemos que o Conselho de Segurança da ONU realize análise ampla das ameaças que a região OMNA enfrenta. Ninguém se opôs à nossa proposta. Continuaremos a trabalhar para implementar essa iniciativa crucialmente importante.
Os esforços da Rússia dentro do [grupo] P5+1 contribuiu para que houvesse alguns avanços com vistas a resolver a questão do programa nuclear iraniano. Embora algumas dificuldades ainda persistam e a discussão continue, o trabalho prossegue e temos todas as razões para esperar que esses esforços levarão a resultados compensadores.
Proteger os direitos e interesses de compatriotas russos que vivem em outros países e expandir laços humanitários internacionais e culturais são ações que permanecem prioridades da Rússia. Estamos proativos na assistência a empresas russas que operam em mercados estrangeiros, atraindo novos exportadores de bens e serviços e levando produtos russos a novos mercados. Temos dedicado atenção especial a esforços de “mídia”, desenvolvendo contatos com veículos de imprensa e públicos não russos, para ajudar a dar visibilidade à política exterior russa.
Tudo considerado, fizemos o máximo que pudemos para facilitar o desenvolvimento amplo da Rússia e tornar mais prósperos os cidadãos russos – que são nossos objetivos prioritários segundo a Ordem Presidencial Executiva n. 605 de 7/5/2012, “Sobre Medidas para Implementar a Política Exterior da Rússia e o conceito da Política Exterior da Rússia”. Trabalhando com esses instrumentos, cabe ao Ministério de Relações Exteriores criar o ambiente mais favorável para o desenvolvimento pleno e integrado de todo o país, com cada vez mais prosperidade para a população e cada vez melhor segurança no plano internacional.
Assim, dou por encerradas minhas observações iniciais. Terei prazer em responder as perguntas dos senhores.
[continua: 2ª Parte – Entrevista]
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