Ex-aluno diz que Faculdade de Medicina de Rio Preto tem práticas 'nazistas'

Estudante que não suportou a violência e abandonou curso diz à CPI das universidades paulistas que brutalidade conta com a conivência de diretores e professores. 'Negligência é chocante', diz advogado
                                                    LUIZ FERNANDO ALVES/ALESP
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"A gente era atacado, chutado, xingado, cuspido, dentro da faculdade", diz Luiz Fernando
por Redação RBA

São Paulo – O estudante Luiz Fernando Alves, que denunciou a violência dos trotes sofridos por alunos da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e virou notícia nacional no primeiro semestre do ano passado, depôs hoje (13) na CPI que apura desrespeito aos direitos humanos nas universidade paulistas na Assembleia Legislativa de São Paulo. O jovem denunciou a conivência dos diretores da instituição com as práticas humilhantes que ele diz serem “nazistas”.

De origem humilde, natural de Contagem (na Grande Belo Horizonte), Luiz Fernando conseguiu ingressar na faculdade depois de quatro anos de cursinho, mas abandonou a instituição menos de dois meses depois, no início de 2014, por não suportar os trotes. “A faculdade tem uma ideologia neonazista, seguindo padrões do regime militar, no século 21, dentro de uma faculdade de Medicina que devia ter um povo mais humano”, declarou, na CPI. “Aquilo não tem ética nenhuma, é uma prática nazista.”
O advogado Daniel Calazans disse à RBA que, depois do trauma, o ex-aluno da Famerp, por meio de amigos da família que o procuraram, chegou ao seu escritório muito assustado. “Ele estava com muito medo de tudo. Com medo de contar para nós, de tomar qualquer tipo de atitude contra os veteranos. Aos poucos fomos fazendo um trabalho com pedagogo, psicólogos e ele foi retomando os sentidos. Mas não queríamos deixar como estava”, conta Calazans.

Luiz Fernando conseguiu transferência para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por meio de uma liminar, mas está prestando vestibular para se prevenir contra uma eventual derrubada da medida judicial. Segundo o estudante, ele era obrigado a fazer a coleta chamada "pedágio” nos semáforos da cidade de Rio Preto de meio-dia às 14 horas e das 18 h às 19h30 da noite. “Se não fosse iam na sua casa te buscar. E no final do dia apanhava ainda na rua.”
O estudante conta que os trotes eram organizados pelo Diretório Acadêmico, pela Atlética, ou um “grupo de alunos de alguma fraternidade”. “A gente era atacado, chutado, xingado, cuspido dentro da faculdade. O diretor de alunos passava e olhava. Para eles, normal. A direção não manda nada em Rio Preto. A direção é só um meio de os alunos controlarem a faculdade.”
Ele disse que os alunos recebiam socos e pontapés e outros tratamentos sádicos em festas ritualísticas chamadas “festa do bicho”, que consiste em três dias de “confraternização” em uma chácara perto do campus. “Você é obrigado a ir. Você é jogado no chão de joelho, leva chute nas costas, na barriga, litros de cerveja gelada na cabeça de madrugada. Quando eles veem que você está passando mal, tendendo para a hipotermia, fazem uma roda em cima de você e urinam em cima de você”, contou. “Tinha gente que foi queimada de cigarro.”
Luiz Fernando preferiu não citar nomes em seu depoimento na CPI. “Não lembro de nomes, mas também não ia citar porque não tem segurança nenhuma e não vejo necessidade de citar.” Porém, seu advogado mencionou o nome de um professor da faculdade que, após as denúncias do jovem à polícia, inverteu os fatos espalhando que ele usava cocaína e tinha atitudes violentas.
“Disseram que ele era usuário de drogas, que teria tentado estuprar uma veterana. Um professor, um médico recém-formado, chegou a divulgar essa notícia em rede social, nós temos isso em print. Ou seja, a culpa é da vítima”, lembra o advogado. Segundo Calazans, o nome do professor é Vitor Flosi.

Na Justiça

Ele explica que um aluno nas mesmas condições pode conseguir a responsabilização desses agressores na esfera criminal e cível. “Os veteranos veem a faculdade como se fosse um mundo à parte, como se não estivesse na civilização. Fazem as regras e não têm medo da punição. Mas é um crime como outro qualquer: se você agredir alguém na rua você vai responder por isso, como dentro da universidade”, diz Calazans. “Eles se acham donos daquele local, principalmente quando há conivência da faculdade."
De acordo com Calazans, o dinheiro para financiar a chamada festa de “confraternização”, arrecadado dos “calouros”, era cobrado dentro da instituição por uma pessoa que se passava por secretária da faculdade. “Tudo feito dentro da universidade. É uma total falta de fiscalização, conivência e negligência chocantes.”
Calazans diz que Luiz Fernando “virou a página” de sua passagem por Rio Preto, mas que sua ida à CPI da Assembleia Legislativa de São Paulo mostra que ele está disposto a “assumir essa bandeira do antitrote”. “Luis Fernando não quer que ninguém passe pelo que ele passou.”
Após as denúncias feitas pelo estudante terem vazado à imprensa e virado pauta do Fantástico, da Rede Globo, a Famerp puniu alguns dos agressores com advertências e suspensões. Mas, em agosto de 2014, retirou as punições.
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