DW: Atentado ameaça acirrar tensa relação entre França e islã
Laços históricos do país com mundo árabe marca a relação, muitas vezes complicada, entre franceses e imigrantes. Proibição da burca e crescimento da extrema direita serviram para alimentar debate.
O massacre no semanário Charlie Hebdo ocorreu num momento em que os franceses discutem, e até brigam, acaloradamente sobre o islã e sua presença na França. No país, vivem entre quatro e seis milhões de muçulmanos de diferentes países islâmicos. Não poucos franceses étnicos temem que isso possa transformar permanentemente a identidade política, jurídica e religiosa do Estado laico.
As discussões ocorrem sob um pano de fundo histórico que vem de séculos. Em 1830, os franceses conquistaram a Argélia, construindo um domínio colonial que durou mais de 130 anos. Somente em 1962, após uma longa e dura batalha, com baixas de ambos os lados, o país africano se tornou independente novamente.
"Na França e na Argélia, existem memórias muito diferentes dessa época", afirma o historiador francês Benjamin Stora. "Por um lado, há o nacionalismo francês, que ainda não quer aceitar a retirada da Argélia. Já o nacionalismo argelino, se legitima através da vitória sobre os antigos senhores coloniais. Assim, há duas versões da história que se contradizem mutuamente."
"Não toque no meu amigo"
Mas a história recente da Argélia também deixa sua marca na França. Jihadistas realizaram violentos ataques no país durante a guerra civil argelina, na primeira metade da década de 1990, atingindo também instalações do metrô parisiense.
As relações, por vezes tensas, na França, levaram à fundação, em 1985, da organização SOS Rassisme. Ela lançou a campanha "touche pas à mon pote" (não toque no meu amigo) para promover a coexistência pacífica entre os diferentes grupos étnicos e religiosos.
No entanto, o debate sobre a integração dos franceses muçulmanos não termina na França. Em outubro de 2005, ocorreram em várias cidades protestos violentos de jovens imigrantes, após dois jovens terem morrido eletrocutados ao se esconder da polícia em uma caixa de transformador.
A revolta começou também em Paris e logo se espalhou para outras grandes cidades. Nas semanas seguintes, inúmeros carros, cabines de telefone e contentores de lixo foram incendiados. Os tumultos foram interpretados como expressão das condições difíceis nos chamados banlieues, bairros de periferia franceses, onde vive a maioria dos imigrantes.
Terror e difamação
O conflito também é culturalmente latente. A Corte Europeia dos Direitos Humanos confirmou em julho de 2014 a proibição da burca, o véu islâmico de corpo inteiro, que entrou em vigor na França em 2011. A lei proíbe que as mulheres a usem em público. Em caso de violação, a infratora pode pegar uma multa de até 150 euros. Cerca de duas mil mulheres na França são afetadas pela proibição.
Medo e indignação foram provocados por um atentado a uma escola judaica em março de 2012, em que um jovem francês descendente de argelinos matou quatro pessoas, incluindo três crianças.
Por outro lado, muitos muçulmanos que vivem na França reclamam de preconceito e difamação. A presidente da Frente Nacional, Marine Le Pen, chamou em dezembro de 2010 as orações públicas de fiéis muçulmanos como "ocupação" do solo francês. "Claro que isso acontece sem tanques e sem soldados, mas mesmo assim é uma ocupação, e afeta a população", disse Le Pen. Por causa disso, o Parlamento Europeu suspendeu a imunidade dela como deputada.
O debate ainda é adicionalmente aquecido pelo avanço do "Estado Islâmico" na Síria e no Iraque. O ataque à redação do Charlie Hebdo ocorreu também neste contexto. Parece que seus autores querem tornar realidade aquilo que o "Estado islâmico" deseja para a Europa: que os muçulmanos e não muçulmanos sejam totalmente divididos.
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