Planilhas mostram "bingo" do cartel de empreiteiras na Petrobras

Documento apreendido pela PF sugere que "clube" das construtoras controlava licitações da estatal. Obras do Comperj eram tratadas como "Bingo Fluminense"
Comperj
Empreiteiras eram avisadas sobre as licitações antecipadamente pelos diretores da Petrobras. Obra do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro é uma das que teriam sido alvo do cartel

Uma série de documentos apreendidos na sede da construtora Engevix demonstra como funcionava o cartel de empreiteiras que, segundo o Ministério Público Federal, abocanhou contratos bilionários da Petrobras. Anexado ao inquérito que investiga a participação da empresa no esquema, o auto de apreensão é composto por várias tabelas e sugere como as obras para construção do Complexo Petroquimico do Rio de Janeiro, o Comperj, e de todas as refinarias construídas nos últimos 10 anos foram loteadas pelo "Clube" de empreiteiras alvo da operação Lava Jato.

O primeiro documento é uma tabela intitulada de "Proposta do Fechamento do Bingo Fluminense". No "jogo" das empreiteiras, cada "Prêmio", no caso as obras integrantes do Comperj, está atrelado a um "jogador" ou grupo de "jogadores", aqui apontados pelas siglas das empresas citadas como integrantes do "Clube". A planilha do "bingo" é um exemplo claro de como as empreiteiras em conluio com os diretores da estatal tratavam as licitações bilionárias como peças de um jogo no qual os vencedores eram sempre os mesmos. A reunião do participantes do "bingo", segundo consta no documento apreendido pela Polícia Federal, foi realizada em São Paulo, no dia 14 de agosto de 2009. A planilha está relacionada no auto de apreensão com uma lista na qual são elencadas as obras e a siglas das empresas escolhidas.

Além da planilha do "bingo", várias outras tabelas encontradas na Engevix confirmam a versão do delator Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, da Toyo Setal. Segundo ele, em um primeiro momento, os integrantes do “Clube” eram a Odebrecht, a UTC, a Camargo Correa, Techinit, Andrade Guttierrez, Mendes Júnior, Promom e MPE. De acordo com Mendonça Neto, a partir de 2006 novas empresas entraram para o clube, como a OAS, a Skanska, a Queiroz Galvão, a Iesa, a Engevix, a GDK e a Galvão Engenharia.

Ainda segundo o delator, o coordenador do grupo seria Ricardo Pessoa, presidente da UTC preso na fase Juízo Final da Operação Lava Jato. “Era ele quem convocava os representantes das empresas para as reuniões, entregava as listas para o Renato Duque. Era o meio campo, o intermediário com Duque”.
Sobre como se dava a distribuição das obras entre as empresas integrantes do cartel, Mendonça Neto explicou que cada uma escolhia as obras mais adequadas ao seu ramo de atuação e, no momento da licitação, as demais não atrapalhavam na conquista do certame. As regras do “clube”, diz o empresário, ao longo do tempo foram aprimoradas e chegaram a ser escritas como se fossem um regulamento de “Campeonato de Futebol”.
Sobre as reuniões, Mendonça Neto salientou que o propósito era analisar o programa de obras as Petrobras para em seguida preparar uma “tabela cronológica” para que as empresas pudessem escolher e determinar suas prioridades. Desse modo, disse o delator, respeitando a posição de cada empresa no ranking de contratos com a estatal, as obras eram distribuídas de forma a “manter um equilíbrio dos contratos entre as empresas participantes”.
As tabelas apreendidas na Engevix apontam, justamente, para o modus operandi exposto pelo delator. Nelas, as obras estão divididas entre as empresas que eram "prioridade" e aquelas que dariam "apoio". Ou seja, aquelas que venceriam e as que participariam da licitação apenas para encobrir o esquema criminoso. Para se ter uma ideia, as tabelas demonstram que as empresas sabiam com antecedência quando a Petrobras colocaria os convites para a licitação "na rua". As empresas eram avisadas antes pelos diretores da Petrobras e, em seguida, se reuniam para dividir entre elas as obras.
Também em seu depoimento, Mendonça Neto afirmou que o interlocutor do “Clube” na estatal era o diretor Renato Duque, com quem ele teria negociado o pagamento de propina diretamente. Entre 2008 e 2011, segundo o delator, foi acertado o repasse de 50 a 60 milhões de reais que foram efetuados de três formas: parcelas em dinheiro, remessas a contas no exterior e doações oficiais ao Partido dos Trabalhadores. Da parte de Duque, quem intermediava a negociação, segundo Mendonça Neto, era o gerente executivo Pedro Barusco, que também assinou um acordo de delação premiada com as autoridades da Lava Jato.

"Bingo Fluminense"
Na outra tabela apreendida, intitulada "Lista de Compromissos - 28.09.2007", todas as 15 empresas citadas aparecem na "distribuição" de obras de sete refinarias construídas pela Petrobras. O documento está atrelado a uma série anotações a mão feitas em uma folha de papel e a outra tabela. Esta mais detalhada, denominada "Lista de Novos Negócios (Mapão) - 23.09.2007", está elencado uma ampla lista de refinarias construídas pela estatal com o apontamento de qual empresa do "Clube" ficaria responsável pela obra.
De acordo com Mendonça Neto, a implantação do cartel de empresas pode ser dividida em 11 fases distintas. Sendo a primeira delas a criação de um grupo de estudos juntos à estatal ainda em meados da década de 90: “Fase 1 – Criação do grupo de estudos junto à Petrobras, em meados dos anos 90; Fase 2 – Proteção entre as empresas e formação do “Clube”, final dos anos 90; Fase 3 – Atuação efetiva, no ano de 2004; Fase 4 – Ampliação do Clube para dezesseis empresas; fase 5 – Participação esporádica de outras companhias no Clube; Fase 6 – Últimas negociações do Clube; Fase 7 – Outras empresas entrantes no Clube; Fase 8 –Constatação do Clube “VIP”, Fase 9 – Contratação da RNEST; Fase 10 – Contratação do Comperj; Fase 11 – Final do Clube”. A reportagem procurou a construtora Engevix, local onde o documento foi encontrado, mas a empresa ainda não se pronunciou sobre o assunto.

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