O setor privado se move contra a corrupção

Cresce a preocupação das empresas com os impactos dos desvios éticos
                                                                                                                                                                           Arte: CartaCapital
Setor privado
Estruturas para combater más práticas ainda são incipientes e
 exigem mais investimentos
                                                                          A percepção no Brasil de que a corrupção é um problema exclusivo do setor público foi abalada recentemente com os rumos da Operação Lava Jato e dos seus holofotes sobre crimes cometidos por construtoras privadas. A mudança de perspectiva ocorre no mesmo ano de entrada em vigor da Lei Anticorrupção, com previsão de punições severas às companhias envolvidas em atos ilícitos, como multa de 20% do faturamento, proibição de participação em licitações públicas por cinco anos e veto à contratação de empréstimos em bancos oficiais, além de prisão. Consultorias apontam um cenário de maior preocupação das empresas brasileiras quanto às consequências da corrupção para os negócios e a fragilidade da estrutura de combate aos desvios.
Segundo pesquisa da consultoria global de riscos empresariais Control Risks, realizada em junho e julho deste ano, 54% das companhias no País pretendem aumentar os investimentos no combate ao suborno e à corrupção e têm integrantes do conselho de administração ou de comitês decompliance, ou controle interno de leis e regulamentos, dedicados a esse trabalho. No mundo, em média, 38% das empresas planejam ampliar esses investimentos e 47,5% possuem executivos de alto nível empenhados na luta anticorrupção. O levantamento foi realizado com 638 executivos, 46 deles atuantes no Brasil.
Segundo a pesquisa, 48% dos entrevistados brasileiros realizaram análises de riscos ligados à reputação de novos sócios comerciais, número abaixo da média internacional, de 58%. O uso de cláusulas de “não suborno” em contratos com terceiros foi citado por 59% dos entrevistados no Brasil, enquanto no resto do mundo o porcentual foi de 64%.
O desenvolvimento insuficiente da gestão de risco é um problema apontado em um estudo recente da consultoria Deloitte. Das 124 companhias pesquisadas atuantes no Brasil, 35% não dispõem de uma política anticorrupção formalizada e 40% não têm um profissional dedicado à função. O investimento anual em compliance ficou abaixo de 1 milhão de reais por ano em 76% das empresas pesquisadas, valor considerado baixo em consequência do fato de 40% das companhias terem faturamento superior a 1 bilhão de reais. Com verbas insuficientes, 48% das empresas não têm programas de treinamento anticorrupção e 42% declararam não apurar informações sobre terceiros ou parceiros prestadores de serviços em nome da empresa, fornecedores e empregados.
As companhias parecem cientes do tamanho do desafio. Do total abrangido pelo levantamento, 55% enfrentaram casos de corrupção e 57% reconhecem o seu custo elevado nos negócios realizados no Brasil. Diante do problema, expressam a intenção de melhorar a gestão de risco. Para 94%, é desejável o maior envolvimento da área decompliance nos processos de entrada em novos mercados e de fusões e aquisições. Em 64%, isso não acontece.
A presença da corrupção no mundo corporativo é evidenciada por um levantamento da consultoria EY realizado neste ano. Para cerca de 70% dos executivos brasileiros entrevistados, práticas como o pagamento de propinas acontecem amplamente no ambiente de negócios. Na média global, a percepção é de 39%. Foram entrevistados 2,7 mil executivos de 59 países. Apesar da impressão disseminada da corrupção, apenas 12% admitiram ter sofrido tentativa de suborno.
Para a KPMG, a vigência da lei anticorrupção influencia o comportamento das empresas. Um dos seus reflexos é o aumento, desde o ano passado, do número de comitês de auditoria, de 95 para 103, de finanças, de 50 para 56, e de riscos, de 37 para 45, em apoio ao conselho de administração nas companhias de capital aberto. Segundo a pesquisa realizada com 235 empresas, também houve crescimento do valor anual médio pago aos auditores independentes.
Ainda é preciso avançar no investimento em auditoria, avalia o presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil, Eduardo Pocetti. “O mercado brasileiro ainda não tem a cultura de auditar. Apenas as empresas obrigadas a fazê-la, ou seja, aquelas de capital aberto ou de grande porte, contratam o serviço.” A Justiça fecha o cerco no combate à corrupção e o risco de responsabilização dos auditores preocupa a categoria. “Não se pode confundir o auditor com o administrador”, diz Pocetti.
*Reportagem publicada originalmente na edição 830 de CartaCapital, com o título "O suspeito trabalha ao lado"


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