Miguel do Rosário: Sobre a “confiança” nos blogs na pesquisa da Secom
Autor: Miguel do Rosário
A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) fez uma pesquisa para descobrir o que todo mundo já sabia.
Que a internet está crescendo vertiginosamente.
Thomas Traumann, titular da Secom, em entrevista ao blog do Planalto, admitiu que “o brasileiro hoje passa mais tampo na internet do que passa assistindo TV, ouvindo rádio ou qualquer outra coisa. Isso mostra que para nós como governo, nós temos que investir mais na internet.”
Bom saber.
Entretanto, o ministro patinou quando aborda a questão da “confiança” da internet.
No post do Blog do Planalto que descreve a sua apresentação, o texto é o seguinte:
Cresceu a confiança dos brasileiros nas notícias veiculadas nos diferentes meios de comunicação. Os jornais continuam como os mais confiáveis: 58% confiam muito ou sempre, contra 40% que confiam pouco ou nunca. Na PBM 2014, esses valores eram de 53% e 45%. Televisão e rádio têm nível de confiança similares. No caso da TV, 54% confiam muito ou sempre, contra 45% que confiam pouco ou nada. No caso do rádio, 52% confiam muito ou sempre, contra 46% que confiam pouco ou nunca.
Dentre os veículos tradicionais, a revista é o único que inverte essa equação: 44% confiam muito ou sempre, contra 52% que confiam pouco ou nunca.
Já em relação às novas mídias, a desconfiança predomina. Respectivamente, 71%, 69% e 67% dos entrevistados disserem confiar pouco ou nada nas notícias veiculadas nas redes sociais, blogs e sites.
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Na apresentação de Traumann, que traz uma síntesa da pesquisa, ele mostra os seguintes gráficos:
Não vou comentar a “confiança em propaganda” porque me parece um conceito idiota. Você confia mais numa propaganda de TV do que num banner? Por que? Não tem sentido. A pergunta é confusa e tendenciosa em prol dos meios tradicionais.
Quanto à confiança em notícias, a comparação entre “jornais” e “blogs” é totalmente injusta, quase de má fé.
O fato da Secom fazê-la assim, à seco, sem fazer nenhuma observação sobre a profunda diferença qualitativa entre as plataformas, explica a instituição ter injetado tantos bilhões na Globo nos últimos anos, e quase nada na internet.
Olhemos o gráfico detalhado da confiança em blogs, no relatório completo da Secom:
Observe que 5% confiam sempre nos blogs; 20% confiam muitas vezes; 48% confiam poucas vezes e 21% nunca confia.
Interpretar estatísticas sobre um universo que trabalha com a inteligência humana requer, obviamente, inteligência.
A frase de Traumann, em sua apresentação, é tola: “Já em relação às novas mídias, a desconfiança predomina. Respectivamente, 71%, 69% e 67% dos entrevistados disserem confiar pouco ou nada nas notícias veiculadas nas redes sociais, blogs e sites.”
A pesquisa não fala nada sobre “confiar pouco ou nada”, tampouco sobre “desconfiança predomina”.
Os resultados da pesquisa falam em “confiar poucas vezes”.
“Confiar poucas vezes” é bem diferente de “confiar pouco ou nada”, ainda mais se tratando de um universo genérico de um setor caracterizado por uma monstruosa diversidade.
Apenas 21% disseram “não confiar nunca” nos blogs.
De qualquer forma, a diferença principal entre blogs e jornais é que os primeiros são legião.
Há centenas de milhares de blogs no Brasil.
Jornais, há poucos, são geralmente antigos, com distribuição local, e, no Brasil, em virtude do monopólio, tem quase todos a mesma opinião, usam a mesma linguagem, e até mesmo partilham dos mesmos colunistas.
A relação do leitor com o blog é diferente da relação do leitor com a mídia tradicional.
Parece-me antes saudável que poucos internautas respondam “confiar sempre” nos blogs.
Em relação aos jornais e TV, 17 a 18% dizem “confiar sempre” nesses meios. Isso é que não acho saudável.
O cidadão moderno tem de ser desconfiado dos meios de comunicação, seja quais forem eles, tv, jornal ou blog.
O leitor de blog é um cidadão mais moderno que o espectador de TV. Aliás, esta é a razão pela qual ele prefere um blog a um jornal.
O blog costuma ser mais transparente, de um lado, e seu leitor é muito mais crítico, de outro.
O cidadão só acredita numa denúncia de um blog, se vier acompanhada de provas.
Mesmo em se tratando de análise política, sempre me impressiona o grau de independência dos leitores de blog. Há leitores que nos acompanham por anos, são fãs do nosso trabalho, mas se discordam de algum ponto-de-vista, não hesitam em demonstrá-lo, às vezes com veemência.
O leitor de blog confia antes em si mesmo e em seu próprio bom senso do que no blog, e isto para mim é o certo.
A relação entre blogueiro e leitor é muito mais complexa, contraditória e democrática do que a relação entre colunista de jornal e seu leitor, porque a interação é a base desta relação.
O leitor de blog é diferente do zumbi da mídia, que acredita em tudo que uma revista diz, por exemplo, mesmo que a informação venha baseada em fontes anônimas e delações de bandido.
Se eu fizer uma denúncia grave contra um político e falar que a fonte é anônima, ou que o delator é um bandido, meus leitores vão rir da minha cara. E isso é saudável.
Além disso, o leitor pode até confiar muito num determinado blog, mas se perguntado se confia nos blogs, de maneira geral, responderá que não, obviamente.
Somente um imbecil completo confiaria “sempre” em todos os blogs, até porque eles são contraditórios entre eles mesmos. Um sujeito que confia no Tijolaço não confia nos blogs da Veja, por exemplo. E vice versa.
Ele responderá o que nessa pesquisa? Que confia “poucas vezes” nos blogs, certo?
A mesma coisa vale para sites e redes sociais. Eu confio em alguma coisa ali, não em tudo, obviamente.
A partir disso, Thomas Traumann conclui que “a desconfiança predomina” em blogs, sites e redes sociais?
É por causa dessa maneira de pensar, ignorante, preconceituosa contra a internet, que o governo enche as burras da Globo e deixa a internet à míngua, com resultados pífios para o próprio governo.
Ninguém fica sabendo quase nada sobre o governo, como se constatou quando teve início a campanha eleitoral deste ano.
Enquanto isso, a família Marinho, que já é a mais rica do país, fica ainda mais rica.
E a sociedade, menos informada.
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