México: Ayotzinapa e a resposta de Enrique Peña Nieto

O desgaste do governo acelera o processo de dissolução do Estado. A falta de contato do governo com o mundo real é evidente em todas as medidas anunciadas

Alejandro Nadal - Sin Permiso
Na Carta Maior
Presidencia de la Republica / Flickr
O declínio do Império Romano começa depois da morte de Marco Aurélio e esteve marcada pelo predomínio do que os historiadores chamam de despotismo militar. Mas as forças armadas e a repressão não puderam deter a deterioração institucional, política e moral. A queda de Roma era inevitável. Como a justiça desapareceu da lista de prioridades do corpo político, o processo culminou com a dissolução – por mais que uma casta privilegiada pretendesse se apoiar na violência para dominar e subjugar.

No México, o desgaste do governo acelera o processo de dissolução do Estado. Sinais disso existem por toda parte e, sobretudo, no discurso do poder público. A cada vez que os funcionários públicos falam, observa-se sua incapacidade para decifrar os sinais enviados pela sociedade civil. O melhor exemplo é o anúncio que Peña Nieto fez de suas 10 medidas para melhorar a segurança, a justiça e o Estado de Direito. O conteúdo de cada uma dessas medidas é revelador de sua falta de contato com o mundo real.

Em sua conferência no Palácio Nacional, no último dia 27 de novembro, Peña Nieto anunciou que enviaria uma iniciativa de reforma constitucional ao Congresso para aprovar uma lei contra a infiltração do crime organizado nas autoridades municipais. Essa nova legislação entregaria ao governo federal a faculdade de assumir o controle da segurança nos municípios onde houver indícios de um pacto entre a autoridade municipal e o crime organizado. Evidentemente, essa reforma não faz qualquer sentido diante do artigo 115 da Constituição e destrói o regime do município livre, um dos pilares da vida civil e política no México.

Além disso, essa medida se baseia em um diagnóstico equivocado, pois concede os abusos de autoridade e violação dos direitos humanos exclusivamente às forças de polícia municipais. O corolário é claro: as forças federais, sim, acatam a lei, estão acima da corrupção e se comportam dentro do Estado de Direito. Parece que não contam os abusos cometidos pelas polícias federais e pelo próprio Exército.

As medidas de Peña Nieto incluem uma iniciativa para redefinir a competência de cada autoridade no combate ao crime. Isto é, o governo confessa que, até o dia de hoje, a administração pública não foi capaz de se organizar para que cada órgão de governo possa assumir a responsabilidade do que o compete. A pergunta é óbvia: o que a classe política mexicana esteve fazendo durante todos esses anos?

Além de suas 10 medidas, o senhor Peña Nieto falou sobre uma estratégia de desenvolvimento integral para reduzir a pobreza, a marginalização e a desigualdade em Chiapas, Guerrero e Oaxaca. O vocabulário desgastado revela o mar de ignorância no qual se submerge o Poder Executivo. Entre os principais elementos dessa estratégia, encontra-se a criação de Zonas Econômicas Especiais, termo que remete aos esquemas adotados na China e na Índia para criar enclaves que permitam a grandes corporações intensificar a exploração de mão de obra. Que bela maneira de abordar o problema da marginalização e da pobreza.

Entre essas zonas econômicas, existe um corredor industrial interoceânico no Istmo de Tehuantepec, mas ninguém disse a Peña Nieto que essa é uma velha estrofe do canto das sereias há vários sexênios. E, é claro, ninguém o alertou de que, com o déficit fiscal que caracteriza as finanças públicas, não há nem quatro pesos (dinheiro mexicano) para apoiar sua grande estratégia de desenvolvimento integral regional.

A falta de contato do governo com o mundo real é evidente em todas as medidas anunciadas. Mas é mais clara no que Peña Nieto denomina “justiça cotidiana”. Entre os exemplos de falta de justiça de todos os dias, ele mencionou o proprietário que não recebe sua renda ou o consumidor que não recebe o produto pelo qual pagou.

Os exemplos empregados por Peña Nieto são os do projeto neoliberal. A justiça do senhorio é o melhor exemplo da mentalidade de estado censitário que impera no governo: o Estado não é de todos, mas dos proprietários que aparecem no censo como tais, e não serão tolerados os abusos dos inquilinos que não paguem o aluguel.

A justiça de todos os dias é exemplificada com o consumidor que não recebe a mercadoria pela qual pagou. Pouco importa que seu vizinho seja torturado, ou que seu filho seja sequestrado e desaparecido. Melhor consumidores e agentes econômicos do que cidadãos – é o que nos disse o regime todos os dias. Para o governo, os direitos do consumidor são preferíveis ao do cidadão (não que os cidadãos tenham muito poder de compra atualmente). Vejam só, temos uma emergência nacional e uma pseudoinvestigação com zero resultados. Que tipo de gente dá como exemplo os direitos do consumidor quando existem 43 estudantes desaparecidos?

Como disse Marco Aurélio em suas Meditações: o povo pode ter confiança porque sua melhor vingança é não ser como os membros da classe política.
 

*Alejandro Nadal é membro do Conselho Editorial do Sinpermiso
 
Tradução de Daniella Cambaúva

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