Documento ‒ A Dupla Hélice: China-Rússia (íntegra)
The SakerContinuação da Introdução |
2014: Resistência Rússia-China
“Crescimento” é palavra e evento dos quais não se tem notícia no Império do Hegemon. A União Europeia está em marcha a ré, e os EUA são economia-fantasma, devorando patrimônio da classe média (...). Para as elites, tudo. Já não há bons empregos nem boas carreiras: sumiram. O conflito social só cresce.
Os EUA perderam o rumo. Nada de plano quinquenal de crescimento. Nada, nem, de plano anual. Não há plano, sequer, para o próximo trimestre. A economia dos EUA está construída para servir às elites e à cobiça das elites. Todos os processos estão orientados para essa finalidade.
Os mercados são valhacoutos de bandidos, buracos negros, derivativos e criminalidade que ninguém investiga ou corrige, exceto por alguns “processos administrativos” e “grandes multas” que uns poucos pagam e nada são além de dinheiro roubado da conta de depositantes, poupadores ou acionistas de classe média, para o estado, sem aparecerem na conta de impostos diretos. [Ora bolas! Assim, nenhum capitalismo jamais funcionará!:-D)))) (NTs)]
(...) O dinheiro que se acumula nos cofres da China capitalista dá meios ao presidente Xi para realizar qualquer projeto em qualquer país. A China está hoje apoiando o Banco de Desenvolvimento dos BRICS, o Banco de Investimento em Infraestrutura da Ásia, o Cinturão Econômico Eurasiano e a Rota Marítima da Seda.São como vários e simultâneos Planos Marshall, sem a conquista militar.
(...) China e Rússia são co-desbravadores numa nova arquitetura internacional construída a partir da responsabilidade dos estados soberanos face ao próprio povo de cada nação.
Vladimir Putin disse claramente: “Rússia e China terão efeito significativo em todo o sistema das relações internacionais. O relacionamento será fator significativo na política mundial e afetará a arquitetura contemporânea das relações internacionais”. E para não deixar dúvidas sobre o que esse relacionamento significa mudança oceânica de geopolítica, o presidente Putin continuou: “Rússia e China jamais tiveram relações de confiança, no campo militar, como têm hoje. Estão em curso exercícios militares em mar e em terra, na Rússia e na China”.
Os mega negócios comerciais que vimos firmados esse ano e exercícios militares são mais que contatos comerciais transfronteiras ou eventos de cooperação entre vizinhos ou parceiros normais. O “relacionamento” está afetando a ordem global. As duas nações estão formando uma frente de resistência contra a desestabilização e contra as armas de caos de um sistema unipolar.
Rússia e China estão trabalhando juntas para estabilizar o comércio internacional, a diplomacia e os equilíbrios militares. E esse movimento, muito ironicamente, tem efeito disruptivo.
Rússia e China são nações soberanas, combatentes na resistência contra o Hegemon. O Hegemon é o Império norte-americano unipolar.
É indispensável manter em mente e não perder de vista esse contexto de estratégias geopolíticas.
O Hegemon ameaça conter ambas, Rússia e China, economicamente, com acordos comerciais exclusionários (Parceria Trans-Pacífico, TPP; o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, TTIP) que deixam de fora China e Rússia como membros de segunda classe, ao mesmo tempo em que os dois países são cercados por armas nucleares ou mísseis dos parceiros comerciais, aliados e vassalos do Hegemon. (A isso se chama “escudo de defesa de mísseis” do ocidente).
Esses acordos comerciais hegemonistas impedirão que China e Rússia avancem na integração com os dois grupos. Limites ao crescimento, supressão do desenvolvimento pelo monopólio da propriedade intelectual, opressão contra energia limpa e regimes que controlem a emissão de poluentes, limitações à construção, compra, venda ou uso de algumas mercadorias tornarão cada vez mais lentos os projetos de infraestrutura, não só nos dois países, mas também limitarão a contratação de projetos em outros países (parceiros que estão emergindo nas nações em desenvolvimento).
Assim, o Hegemon tem a intenção estratégica de limitar a eliminação da pobreza no mundo e de controlar o comércio em todo o globo. O mundo unipolar será finalizado e “protegido” pelo Hegemon. Haverá ELITES e haverá miséria para sempre, para a maioria das nações remanescentes.
Claro, a parceiragem de resistência e avanços que Rússia e China construíram tornaram impossível esse resultado que o Hegemon buscava… a menos que um dos dois países, ou ambos, Rússia e China, sejam desestabilizados e sobrevenha “mudança de regime”. Assim sendo, o que esses dois países enfrentam é desafio econômico e militar em nível de ameaça claramente existencial. A Rússia vem primeiro, depois a China, na alça de mira do Hegemon.
Campo de batalha de pleno espectro
A ameaça contra China e Rússia é campo de batalha de pleno espectro: os dois países estão enfrentando potencial guerra Ar Mar Espacial Ciber Eletromagnética, sem exclusão de guerra química, biológica e nuclear; em breve, incluirá também armas a laser e ultrassônicas; e guerra por “procuração”, com exércitos de ONGs, agentes e operadores clandestinos, com a imprensa-empresa (a chamada “mídia”) global de propaganda e demonização em modo psico-obsessivo.
Cada nação, na parceria de resistência teve de permitir que a outra examinasse, tocasse e sentisse profundamente, dentro dos mais bem protegidos segredos de defesa de um e do outro lado, que já estiveram armados contra o antes adversário e agora parceiro.
Sabiam que estavam no fundo da mesma trincheira, diante do mesmo inimigo. E ambos compreenderam que, chegada a hora, nem uma nem outra sobreviveria sem ajuda da outra nação. Nunca houve Hegemon tão desesperado ou tão fundamentalmente fraco, embora, simultaneamente, tão poderosamente equipado para destruir toda e qualquer normalidade, talvez mesmo toda a humanidade, se necessário for, para que o Hegemon sobreviva. China-Rússia tiveram de se proteger uma a outra, para tentar salvar a humanidade e a ordem mundial. O ataque inicial foi econômico, não militar. Atingiu a Rússia.
Pano de fundo da Resistência
Nem Rússia nem China apresentaram-se como rivais do Hegemon, e ambos entendiam que tinham parcerias comerciais, relacionamentos geopolíticos cooperativos e vasta gama de interesses comuns com o Hegemon. Houve algumas irritações pelas bordas, mas nada realmente confrontacional, exceto o que foi instigado, planejado, pago e administrado peloHegemon com seus vassalos.
Assim, a economia, os militares e o terrorismo são os principais campos de batalha nessa contenção e desestabilização de pleno espectro contra as duas grandes forças que resistem contra o Hegemon. (Essa resistência opõe-se à dominação unipolar pelos EUA & vassalos, em todas as manifestações da dominação.) E assim chegamos a 2014.
Por causa dos Jogos Olímpicos de Sochi, o ano de 2014 tornou-se foco do ressurgimento da revolução colorida na Ucrânia. Os “planejadores” no Departamento de Estado e na CIAtiveram oito anos para organizar uma desestabilização que se estenderia por dois anos e que transformou a fracassada Revolução Laranja em Kiev, em Maidan. Todos sabemos muito bem que no cerne essa transformação sempre foi viciosa, ilegal, assassina, inconstitucional e só tinha um objetivo – impor contra a Rússia uma força ucraniana armada, psicologicamente mobilizada, xenófoba, a qual, primeiro varreria de lá a língua russa, depois os falantes da língua russa, isto é, cidadãos ucranianos, no Leste da Ucrânia, perto de Rostov e ao longo de uma fronteira virtual aberta, com poucas defesas nominais, de fato apenas “cruzamentos” formais, sem vestígio de militarização nem de um lado nem de outro.
Esse levante violento foi cronometrado com perfeição, enquanto o presidente Putin tinha de administrar investimento de mais de US$ 50 bilhões no desenvolvimento das instalações olímpicas em Sochi, para receber os Jogos de Inverno de 2014, oito anos de serviços identificados como seu mais notável projeto público e que visava a levantar o espírito dos russos, mostrando que, assim como os chineses haviam feito nos Jogos Olímpicos de Verão de 2008, a Rússia também estava afinal de volta à grandeza, realizada, vivendo em paz, criando atração turística de ano inteiro em Sochi, e enterrando, afinal, o passado de dificuldades.
O presidente Xi anunciara que assistiria às cerimônias de abertura. China e Rússia estavam chegando a uma florescente maturidade e orgulhosas de mostrar apoio uma à outra em todos os campos de interesse comum. As duas nações haviam votado para deter o ataque aéreo dos norte-americanos contra a Síria, vetando a resolução no Conselho de Segurança, e exigindo que o conflito fosse resolvido por meios diplomáticos. Assim, na paz e na guerra, nos esportes e no comércio, os dois líderes agendaram seis encontros para 2014. Alguns seriam bilaterais, alguns no contexto de grupos multilaterais dos quais ambos são membros.
Ucrânia e China
Mas a Ucrânia e o golpe de Maidan também atacaram a China nos seus planos para o leste da Ucrânia e a Crimeia. A China tem longa história de interação com a Ucrânia. Não só com o moderno “estado” da Ucrânia, recortado da Federação Russa em 1991 por Ieltsin nos Acordos Belovezha. Já estavam ligados por tecnologia e ciência, nos dias que antecederam as ameaças soviéticas contra a China, 1960-1989, quando houve escaramuças e tiros nas fronteiras.
Em dezembro de 2013, chineses e Ucrânia assinaram um acordo de parceria estratégica que incluía garantias de um escudo antiarmas nucleares, porque a Ucrânia assinara o Tratado de Não Proliferação. A China garantia proteção à Ucrânia contra qualquer agressor – movimento altamente inusual dentre as ações de política externa chinesa. Foi assinado dia 5/12/2013.
Cientistas e técnicos chineses sempre foram treinados na Ucrânia, estudaram na Ucrânia e compravam da Ucrânia, ao tempo em que ali estava instalada uma grande base de foguetes, motores para aviação e outros sistemas de software e com apoio metalúrgico. A Rússia (ainda União Soviética) investiu centenas de bilhões de dólares na Ucrânia, em institutos e indústrias para desenvolvimento de computação, pesquisa matemática e armas. E da Ucrânia, precisamente, os chineses compraram o arcabouço ainda não completado do porta-aviões Liaoning, que a China concluiu e batizou.
Os chineses recentemente estavam voltando à Ucrânia e ao Mar Negro mais ricos que nunca, desejosos de ajudar a Ucrânia com infraestrutura, ao mesmo tempo em que compram comida dos férteis campos ucranianos, grãos, vegetais e frutas. Na Crimeia, os chineses estavam interessados no projeto Kerch Bridge e num possível túnel da Rússia à Crimeia. Essas são as forças chinesas hoje – infraestrutura, estradas, ferrovias, fibra ótica, portos, pontos, e construir o que veem como um depósito ocidental para o Cinturão Econômico Eurasiano e a Nova Rota da Seda. A China compreendeu que a Ucrânia era russa, pelo menos o sul e o leste eram russos. Os contratos com a Ucrânia foram redigidos em russo e chinês.
Esses contratos e parcerias diplomáticas foram parte e componente de uma parceria em que se conectavam o sonho do presidente Xi, de uma Rota da Seda Eurasiana, e o sonho do presidente Putin de uma União Eurasiana. A Ucrânia era crucial, porque esses dois sonhos haviam-se fundido num conceito de desenvolvimento de uma Eurásia gigante, a ser movimentada pelos recursos energéticos dos russos e pela riqueza dos chineses.
A Ucrânia funcionaria como uma mesa giratória para a Europa, norte, oeste, leste e sul. A Ucrânia seria beneficiada pelo gasoduto para a Europa. Podia tornar-se rico ponto de trânsito. Mas não.
Em vez disso, Kiev escolheu o suicídio, pôs-se a assassinar os próprios cidadãos, atirou-se virtualmente à falência, perdeu a própria soberania e mergulhou na mais enlouquecida e zumbificada fantasmagoria. A Ucrânia abraçou o fascismo e o nazismo, e atirou-se em guerra de atrito contra a própria nação. Até agora, a Ucrânia está sendo derrotada na guerra contra a Ucrânia, previsivelmente, logicamente e desgraçadamente.
Mas o processo dos investimentos chineses foi “contido’’, os projetos de desenvolvimento da Ucrânia foi bloqueado e nada acontece ali, agora, que o Hegemon não aprove. (Todos recordamos as “maçãs tchecas”, triste consequência de comportamento vassalo semelhante, entre os tchecos).
Com os eventos desdobrando-se no final do inverno, duas coisas aconteceram dia 23/2/2014: Kiev caiu sob o ataque dos atiradores da Junta que atacaram cidadãos na praça; e os Jogos Olímpicos chegaram ao fim. Os Jogos de Sochi foram sucesso gigantesco, resplandecente, apesar da campanha jamais vista para desqualificar e deslocar o evento das manchetes, nos veículos da imprensa-empresa ocidental. A mídia não conseguiu fazer fracassar os jogos; daria na mesma, se dissesse que o Sol não raiara ou que todos os oceanos haviam amanhecido secos.
Sochi e Putin conseguiram o que queriam, sem acidentes, sem ataques terroristas, apenas um projeto bem pensado e brilhantemente executado, uma mostra soberba da cultura e daexpertise dos russos. Os russos também acumularam medalhas nos esportes de inverno e derrotaram inúmeros atletas norte-americanos em várias modalidades. Logo depois, Sochi recebeu também uma corrida da temporada de Fórmula 1, em agosto. A pista lá construída foi reconhecida, por corredores e pelos fabricantes de carros como a melhor do mundo. Mais uma vez, esse tipo de reconhecimento não se inventa nem se compra. Putin estava a pleno vapor. Quanto mais o ocidente o demonizava, mais a Rússia era vista como a grande nação que é; e quanto mais subiam os índices de aprovação do governo de Putin, mais a China o queria como parceiro – um tipo de parceiro, para a China, que só poderia vir da Rússia.
Rússia: parceira com características únicas, da China
A China tem hoje 58 acordos de parceria com várias nações. Há muitas categorias. Mas para a parceria com a Rússia os chineses criaram uma categoria suprema: Parceria Colaborativa Estratégia Ampla (Comprehensive Strategic Collaborative Partnership).
Dado que há até uma categoria à parte para essa específica parceria, é preciso olhar mais de perto e ver o que se passou em 2014 – porque esse ano foi absolutamente extraordinário, sem igual. Nesse ano se viu surgir não algum passo evolucional, não apenas mais algum simples movimento de resistência contra o Hegemon. [1]
A natureza provê o necessário para que cada espécie sobreviva. A humanidade tem oportunidade de ver acontecer, aí, no relacionamento de China e Rússia.
Falo de “Dupla hélice”, só porque a metáfora é visualmente adequada, não porque haja algo de “biológico” ou químico na “combinação”. [2] Mas há convergências e uma hélice dupla mostra bem claramente essa evolução.
Para decodificar o “DNA” da relação nessa dupla hélice de Urso e Dragão, pode-se observar mais de perto o par de “moléculas-base” de cada eixo da dupla hélice. Primeiro, há “hélices”, duas. São as características complementares que fazem funcionar essa nova parceria “genética”. São o que normalmente se avaliaria para decodificar o “DNA” de cada nação. Há nações assemelhadas, outras menos, nenhuma tem tanto, ou tão profundamente essencial, a ponto de manter crescimento continuado, desenvolvimento ininterrupto e conseguir separar-se do Hegemon, além de conseguir se autoproteger contra ameaças.
Eis como opera essa Dupla Hélice, China-Rússia.
Hélices
Geografia de milhares de milhas de fronteiras comuns (2.607 milhas - ), recursos naturais e massas multiétnicas de povos, vastos exércitos de defesa, economias emergentes em desenvolvimento, sistemas capitalistas de mercado autossustentável, com controles administrados pelo estado, milionários e bilionários e classes médias relativamente modestas, desconfiança profunda quanto às possibilidades do Comunismo como solução econômica; e empresas-gigantes de propriedade estatal nas indústrias chaves.
O que falta a uma nação, a outra tem. Uma precisa do que na outra há excelência. Uma carece do que a outra está pronta a entregar.
E bem claramente, as duas nações enfrentam a mesma ameaça existencial que lhes vem da mesma fonte, que se serve dos mesmos meios para ameaçar ambas. Daí, claro, a parceria especialíssima.
Uma frase de Lu Shiwei, pesquisador sênior no Institute of Modern International Relations da Tsinghua University: “A íntima relação entre China e Rússia não tem a ver apenas com questões econômicas, mesmo que, como se sabe, as duas economias complementem-se mutuamente. Esses esforços ativos [negritos meus] são também reflexo de desejo político e de necessidade política”.
Moléculas-base pareadas
Recursos naturais, energia, militares, finanças, banking, espaço, satélites, educação, tecnologias da informação (TIs), químicas, microeletrônica, água, agricultura, transporte, infraestrutura e um sonho comum, ao mesmo tempo em que enfrentam inimigo comum, são, pode-se dizer, as moléculas que fazem a diferença. A Dupla Hélice formou-se desses marcadores. Foi processo, não evento repentino. Mas ficou visível, em 2014, como evento repetido. Foi, para a geopolítica, o que Sochi foi para o esporte: foi evento sem precedentes, concebido e executado, que aconteceu.
Examinemos essas ‘moléculas’ e o que já transpirou nesse agitadíssimo ano de 2014.
Comecemos pelas moléculas de energia. Petróleo, gás e carvão, energia nuclear, para o gás natural liquefeito (LNG) compra, armazenamento, transporte, gasodutos, estocagem, exploração, desenvolvimento do recurso, inovação e desenvolvimento tecnológico e, provavelmente, também engenharia reversa de ferramentas ocidentais, além de investimentos, empréstimos, pagamentos adiantados, compras de controle acionário de empresas e criação de empregos. Os “acordos” e negócios abaixo listados são “bases pareadas”, não são simples negócios de compra e entrega. São negócios cuja natureza ultrapassa em muito a natureza da relação de compra/venda de matéria-prima.
Gás: dois projetos gigantescos – gasodutos Poder da Sibéria e Altai. (Mapa)
Sistemas de exploração e transmissão de gás na Rússia Oriental (clique na imagem para aumentar) |
O primeiro no leste da Sibéria. Entregará gás do terminal em Vladivostok à China, e em Blagoveshchensk cruzando o rio Amur. Assinado dia 21/5/2014, entre Gazprom e China National Petroleum Corporation, CNPC , CNPC. É negócio para 30 anos, em outubro ampliado para 35, por acordo.
O segundo projeto, na Sibéria Ocidental, e levará gás para o noroeste da China. Gazprom eChina National Petroleum Corporation, CNPC , CNPC assinaram o negócio original em 2006, que ficou paralisado e foi reativado em 2014 na reunião da APEC, por Putin, dia 9/11/2014.
Fator chave em todos esses projetos é o estabelecimento de infraestrutura, manufatura e fornecimento de tubulações, equipes de construção, criação de empregos em apoio a dois dos maiores projetos da história do mundo, a serem conduzidos simultaneamente. E, isso, ao longo de uma fronteira que sempre foi muito difícil, onde se travaram guerras entre os dois países. Os presidentes Putin e Xi ordenaram que fosse feito. Está sendo feito.
Em setembro/2014, começaram a operar as escavadeiras russas e os chineses cumpriram os pagamentos adiantados de US$ 25 bilhões. Uma vez conectadas, as duas nações receberão “transplante” da medula de que ambos precisam para continuar a crescer. A Sibéria e o Extremo Oriente da Rússia ganham vida, como setores viáveis da economia russa; a China recebe energia limpa e se encaminha na direção do norte e noroeste, e também em direção ao Extremo Oriente da Rússia. Os investimentos estrangeiros na Rússia pagam dividendos e o capital chinês cresce. Os planos são mais profundos e envolvem mais, além de finanças, compra e venda de mercadorias e exploração de recursos naturais. Adiante, mais informações nesse item sobre energia.
Petróleo: A Rosneft tem acesso aos “pagamentos adiantados” chineses e pode usar o dinheiro para pagar seus empréstimos que vencerão em dezembro e no primeiro trimestre de 2015. Esse mecanismo é produto de acordos assinados no início de 2014. Os empréstimos foram usados para comprar a TNK-BP por US$ 31 bilhões e não são resultado de preços em queda. A aquisição foi estimulada pela China, que indicou, naquele momento, que compraria ações da Rosneft para que houvesse liquidez, sob controle da Rosneft, quando a liquidez fosse necessária. Esses acordos agora parecem ter sido premonitórios, com o preço do petróleo em colapso, sem crédito fora do país para a Rosneft e falta de rublos no comércio exterior.
A China agora está recebendo suprimento muito maior de petróleo russo e envolvimento crescente com ações da Rosneft e tem uma aliança para desenvolver tecnologias para exploração, perfuração, extração e transporte. Rosneft e China National Petroleum Corporation - CNPC, também, são vistas menos como rivais na disputa pelo petróleo e mais como parceiras. É o que se pode ver nos trabalhos para exploração e desenvolvimento no Ártico e no litoral da Crimeia, para petróleo e gás.
Carvão: Quanto ao carvão siberiano e do extremo leste, os grupos Rostech e Shenhua já exploram depósitos naquelas regiões. Construirão usinas movidas a carvão que venderão eletricidade na Rússia, na China e em outros países asiáticos.
As duas empresas também construirão um terminal marítimo para carvão em Port Vera no Território Primorsky, Extremo Oriente. O projeto começa em 2015 e será operacional em 2018-2019.
Vão construir também linhas de transmissão de alta voltagem para a China. E ao mesmo tempo será desenvolvida infraestrutura social e de transporte.
Assim se vê que esse “negócio” de carvão não é simples assunto de compra e venda de mercadoria. É acordo de longo prazo para estimular a construção do Extremo Leste e do Norte da China. E leva energia elétrica permanente produzida na Rússia, para o povo e as indústrias da China. Desenvolve-se um porto; usam-se caminhões, ferrovias, e sistemas GPS, simultaneamente codesenvolvidos.
Nuclear: Rosatom construirá os 7º e 8º blocos da usina nuclear Tianwan. Já estão construindo os blocos 3º e 4º. Em Harbin, construirão duas usinas. Rosatom pode participar nos reatores VVER (água pressurizada) com dois reatores de alimentação rápida, usinas nucleares flutuantes. Atualmente, a China tem negócios com a Westinghouse para 26 unidades nucleares. Claramente, os chineses preferirão ter seus próprios reatores com desenho e manutenção russos, em vez de se deixar imobilizar na tecnologia Westinghouse. (São tipos diferentes, com fontes de combustível mutuamente exclusivas, como a Ucrânia está descobrindo, ao procurar os EUA para reabastecer).
Gás Natural Liquefeito (ing. LNG): Construção de uma usina no Norte da Rússia. Yamal LNG e China National Petroleum Corporation - CNPC, e desenvolvimento do campo de Tambeiskoye Sul. Controle acionário para a China, no GNL em Vladivostok é parte do acordo.
Coisas que voam
Algumas, militares; algumas de duplo uso; algumas, civis.
Mas comecemos com GPS, para ver como a “Dupla Hélice” está trabalhando no espaço.
Satélites: Ambas, China e Rússia, têm sistemas de satélite GPS. GLONASS é o sistema russo; Beidou é o sistema chinês. O sistema russo é maior, mais maduro e cobre todo o planeta. O sistema chinês é novo, cobertura limitada e não maduro nem fortemente acurado. Os chineses frequentemente fazem as coisas por estágios métricos, medidos. Um acordo para que a Rússia implante estações em terra dentro da China dará à China capacidade de GPSglobal para defesa e para armas de segundo ataque, bem como para uso comercial pela Marinha que em breve será a maior do mundo, e a frota oceânica e pesqueira mais diversificada do mundo. (Dois adolescentes apaixonados trocando beijinhos não estariam mais próximos um do outro, que Rússia e China).
A Rússia instalará estações GLONASS em um dos campos de pouso da China e num rio navegável, como projetos pilotos para desenvolver a cooperação no campo da navegação. O projeto do aeroporto ajudará os poucos e sinalizará sistemas de monitoramento usando métodos de navegação por zonas que trabalharão nas constelações GLONASS e Beidou. (Deve-se considerar que a maioria dos campos de pouso na China são de duplo uso, militar e civil, e o ELP controla quase todo o tráfego aéreo). Os sistemas avançados e a experiência dos russos permitirão treinar controladores aéreos chineses e equipes de aeronavegação, para aprenderem modernas tecnologias de satélites. O projeto de navegação por rio monitorará, corrigirá e rastreará barcos nas rotas hídricas internas.
Auspiciosamente, Beidou recebeu o nome de “Grande Ursa”, como a constelação.
Espaço: [...] Como diz a doutrina de defesa dos EUA, o espaço é campo de batalha. A Dupla Hélice vê aí potencial de duplo uso.
Indústria aeronaval: [...] Inicia-se nova fase e transição para a cooperação amplíssima entre duas empresas estatais [de estados diferentes].
Aeronaves para rotas longas: Joint venture, similar à russo-italiana JV para construir o Sukhoi SuperJet 100. Projeto de US$ 10 bilhões, para competir com Boeing e Airbus.
Helicópteros pesados para duplo uso: Rússia e China construirão um helicóptero pesado, baseado provavelmente no Mi-26 da russa Helicopoter-Rostvertol. Inicialmente, para a China e para terceiros.
S400: Sistemas de mísseis de defesa aérea Triumf; seis conjuntos. A serem entregue em 2016, US$ 3 bilhões. Rosboronexport e Ministério de Defesa da China assinaram contrato dia 26/11/2014.
A China assim terá mísseis de defesa de última geração, o estado da arte. Anula-se assim o poder aéreo do Japão e dos EUA e protege-se o flanco Ásia-Pacífico da Dupla Hélice. Nada, em qualquer arsenal de mísseis de defesa de qualquer outro país é mais poderoso que esse sistema: agora a China passa a contar com ele.
A Rússia está construindo o S500 para si mesma. É a natureza da capacidade tecnológica intrínseca à Rússia. Sempre operou durante 40 anos, com derivações, atualizações, novos sistemas e sempre protegeu a Mãe Rússia e os territórios de seus aliados. A defesa russa é padrão mundial de qualidade e eficácia.
Agora, do Ártico ao Vietnã, Rússia e China terão um sistema de defesa que as protege contra o comando dos mísseis da Marinha e a Força Aérea dos EUA. Assim também esses sistemas proliferarão ao longo da Nova Rota da Seda, enquanto se desenvolve a infraestrutura da Eurásia. Capacidade para multiplicar-se no “ventre macio” sul, com investimentos chineses, significa uma Rússia mais segura.
Submarinos: Tecnologia de Propulsão Independente de Ar [orig. AIP techology, para submarinos], e transferência de tecnologia de blindagem acústica e submersão de longa duração, com a venda de um Amur 1650.
Propulsão independente de ar, usando geradores eletroquímicos e novos sistemas de combate para guerra eletrônica, antena solar passiva de longo alcance para detectar alvos silenciosos à distância fazem desse um submarino plataforma para segundo ataque defensivo (MAD). A Rússia busca essa capacidade para contenção com base no mar, e a China também está expandindo sua importante frota de submarinos por um segundo sistema de plataforma de contenção.
Teste recente do Míssil Balístico Intercontinental russo Bulava, de submarino submerso, o Vladimir Monomakh, mostrou nova capacidade para a Rússia. Essa transferência de tecnologia garante que a China também terá acesso à mesma tecnologia. O Amur 1650 será equipado com 18 mísseis. Recentemente, a China testou ogivas com MIRV [multiple independently targetable reentry vehicle] para seus mísseis.
Esse acordo envolve quatro submarinos, desenvolvimento conjunto e construção, a serem iniciados em 2015: 2 construídos na Rússia, 2 construídos na China.
TIs e Microeletrônica: Empresas russas espaciais, de Defesa e de produção de foguetes comprarão da China o equivalente a US$ 1 bilhão em componentes eletrônicos. Trabalhando com a China Aerospace Science & Industry Corp para produzir dúzias de itens a serem usados como alternativa para partes fornecidas pelos EUA. A Rússia terá de comprar esses itens alternativos durante 2 anos, 2 anos e meio, até que sua própria indústria possa produzir componentes eletrônicos resistentes à radiação e que atenda às especificações para sistemas militares. Antigamente, os EUA forneciam o equivalente a US$ 2 bilhões.
Componentes para indústria de alta tecnologia: 14/10/2014, assinado memorando para a produção, nos dois países, de componentes para indústria de alta tecnologia, como meio para fazer avançar a inovação e a tecnologia nos dois países. Em Shaanxi, China, na cidade de Xixian Fendong, um parque tecnológico de quatro quilômetros quadrados de área; em Moscou, no Centro de Inovação de Skolkovo, serão construídas instalações de 200 mil metros quadrados. Na sequência, serão construídos escritórios satélites para o parque chinês em Pequim, Xangai, Guangdong e Heilongjiang. Na Rússia, haverá escritórios em Kaliningrad, Vladivostok e na república russa do Tatarstão. Dois fundos soberanos de investimentos lideram os investimentos, um Fundo Russo de Investimentos Diretos e uma Corporação Chinesa de Investimento.
Cibersegurança: Para a primeira metade de 2015, está sendo preparado um acordo para cibersegurança internacional. Trabalha-se para impedir que eventos “ciber” evoluam para conflitos generalizados, para ampliar a colaboração na operação de segmentos nacionais da Internet, para maior integração nas plataformas internacionais dedicadas a questões de cibersegurança. Será mais amplo que um pacto de não agressão “ciber”. Russos e chineses estão discutindo uma nova Internet, para quebrar o monopólio e a intrusão por EUA e NSA e CIA, etc..
Educação: Programa de intercâmbio de 100 mil estudantes. Já há 25 mil chineses em estabelecimentos de educação superior na Rússia; 15 mil russos, entre bolsistas e alunos integrados no sistema chinês de educação.
A Universidade Federal do Extremo Leste [orig. Far Eastern Federal University] ensinará russo a alunos chineses.
Uma universidade conjunta na China, terá como base o currículo da Universidade Estatal de Moscou. Juntas, a Estatal de Moscou e a Universidade de Tecnologia de Pequim inaugurarão nova universidade na cidade de Shenzhen. Será inaugurada em setembro de 2016.
China, o Banco da Rússia
É evidente, na natureza e nas dimensões das interações entre China e Rússia, que a China está decidida a garantir bases firmes para a economia russa.
Assim como o Federal Reserve salvou secretamente os bancos da União Europeia graças aoQuatitative Easing [alívio monetário] e à transferência de fundos para bancos selecionados da União Europeia, a China está usando processo semelhante para ajudar a Rússia na vigência do regime de sanções. Em vez de criar dívida, estão trocando moeda e mantendo a liquidez das empresas, assumindo o controle acionário de empresas estatais, fazendo empréstimos e adiantamentos em negócios, tanto dentro da Rússia como entre Rússia e China.
Havia três “ferimentos” mais profundos na economia russa. Primeiro, antes das sanções, houve pesada fuga de investimentos externos. Segundo, as sanções trouxeram perda ainda de capital para investimento e encolhimento no crédito. Terceiro, a queda no preço do petróleo afetou o rublo. Perda de crédito, perda de liquidez, perda na arrecadação e moeda enfraquecida tornaram mais lento o crescimento e causaram inflação dentro da Rússia.
Capacidades chinesas
A China tem riqueza suficiente para administrar essas questões no curto prazo. As reservas de e o lastro em ouro com que a Rússia conta, recursos naturais e direitos de propriedade intelectual são colaterais para qualquer contingência. A dimensões econômicas (o PIB) da Rússia são comparáveis à soma [dos PIBs] de três províncias chinesas – Guangdong, Jiangsu e Xangai consideradas como se fossem uma só economia. Os chineses têm 31 províncias e regiões autônomas. Implica dizer que administrar economicamente um piso para a Rússia como força de reserva não é difícil para os chineses.
O premiê chinês Li indicou que “a China pode conseguir reduzir os danos [das sanções], com a Rússia buscando negócios e financiamento no leste, mas isso não implica resgate total” (13/10/2014).
A intenção é clara. A China precisa da Rússia, não apenas do gás e do petróleo russos.
Moeda: Acordo de troca de moeda assinado pelo premiê Li, dia 13/10/2014, com vigência de três anos, prorrogável. Yuans e rublos serão usados para pagamento de compromissos comerciais. É acordo que fortalece o yuan como moeda internacional, assim como também fortalece o rublo da Rússia. E empodera também os países BRICS, que passam a ter mais peso na finança internacional, uma vez que diminuiu o uso do dólar nas compensações.
O Banco Sberbank financia letras de crédito em yuans com empresas russas. Oferece segurança graças à diversificação das moedas. Compensa moedas trocadas nas bolsas de Moscou e Xangai desde dezembro de 2010. Empresas russas estão usando o dólar de Hong Kong e o yuan.
Banking: Acordo entre o VTB Bank russo e o Banco da China. Outro acordo acontece entre o VTB, o banco VEB e o Banco da Agricultura Russa, todos atingidos por sanções, que já assinaram acordo amplo com o Export-Import Bank da China para abrir linhas de crédito.
Cartões de Crédito: Union Pay da China tomou o lugar de Visa e Mastercard, enquanto a Rússia desenvolve seu próprio sistema de marcas nacionais de cartões de crédito. O sistema russo de cartões de crédito, UEC (universal electronic card), não estará pronto para entrar em uso antes de 2017.
Finanças: O Banco de Desenvolvimento da China [China Development Bank (CDB)] aceitou financiar US$ 500 milhões para a operadora russa MegaFon de telefonia celular. OCDB também concedeu financiamento anual de US$ 1 bilhão à Grade Russa.
Investimento estrangeiro direto em ações [orig. FDI Equity stakes]: Bloco de ações do terminal de gás natural líquido da Gazprom em Vladivostok, e ações que a China National Petroleum Corporation, CNPC, comprou da Rosneft, produtora de petróleo. Nova privatização de parte da Rosneft, pode chegar a 9%. A China já possui 0,6% desde 2006. Não só empresas que são de propriedade do estado, mas grandes corporações privadas e empresários já têm capitais investidos na Rússia.
Rússia é avaliada como uma das mais fortes economias do mundo (apesar das sanções, da queda do rublo, das ameaças e da queda pela vodka), por grandes analistas e “gurus” dos investimentos. Em 4-5-6 anos, a Rússia já deverá começar a mostrar crescimentos no PIB que, hoje, parecem impensáveis (5-6%). A China lucrará com esse crescimento em grandes setores, e obterá excelentes resultados para seus investimentos. Além do mais, em 10-15 anos a Rússia estará forte e estável, com possibilidade de crescimento e rol diversificado de produtos e serviços a oferecer, com todo o mercado eurasiano ali tão próximo, a ser atendido.
Veículos motorizados: A fábrica Great Wall Motors [Grande Muralha Motors] na região da Tula na Rússia Central construirá 150 mil Haval de quatro rodas/ano. Investimento anual de US$ 522 milhões; 2.500 empregos.
Tecnologias petroquímicas: Joint venture para construção de fábrica de borracha entre empresas petroquímicas Sibur e Sinopec, companhia de petróleo, a ser baseada em tecnologias russas, em Xangai. Russia-China split 25.1%-74.9% respectivamente.
Transferência de tecnologia. As duas já trabalharam juntas em Rasnoyarsk para produzir borracha na Sibéria. O split é revertido aqui, a favor da Rússia. A borracha produzida será fornecida à China.
Construção: Pontes e conexões de transporte ao longo da fronteira russo-chinesa. Empresas ferroviárias, Russian Railways e China Railway Corp., já definiram onde ficarão os centros logísticos, desenvolvimento do tráfego de passageiros e redução de tarifas.
Infraestrutura: Projeto de Trem de Alta Velocidade: Moscou-Kazan, 770 quilômetros . Adiante, será a conexão para Pequim. O lado chinês é de Pequim a Urumqi, Xinjiang.
Ampliações do metrô de Moscou, a serem construídas por investidores chineses, distrito Nova Moscou. Negócio total de US$ 10 bilhões, assinado dia 19/5/2014; 93 milhas, 70 estações.
Esse é projeto chave de parceria de investidores estrangeiros. Negócio entreMosinzhproekt e China Railway & Construção e China International Fund.
Moradia: 460 mil unidades para moradia (25 milhões de metros quadrados em moradias) a serem construídas para o Programa Russo de Moradia Familiar, do Ministério da Construção, Moradia e Prédios Públicos, 25/6/2014. Conversações iniciadas na China, em maio de 2014.
Região de Kostroma: A China tem interesse na indústria de joias, agricultura e processamento de madeira. Investidores e empresários das províncias de Shandong e Guangdong visitaram Kostroma. Trabalham para organizar modernas empresas de agricultura, desenvolvendo agroturismo e logística.
Assim houve necessidade orgânica, que levou a essa mudança evolucional no relacionamento entre China e Rússia. Os negócios de commodities e energia entre os dois países são anuais, de US$ 40 bilhões, mas agora estão passando para US$ 200 bilhões/ano. O comércio entre os dois países está em US$ 90 bilhões. Comparativamente, o comércio na União Europeia é de US$ 413 bilhões. A China fica em perigo, se se mantém dependente da União Europeia. A redução na economia chinesa que se viu recentemente é, do começo ao fim, resultado da recessão pela qual passa a União Europeia.
Com o desenvolvimento da Rússia e a expansão do comércio, a China terá uma economia que a China pode influenciar e, parcialmente, gerenciar remotamente, especialmente em seus setores de crescimento e de inovações tecnológicas. Esses setores e inovações estimularão o crescimento interno da China, o que vem depois do plano quinquenal para substituir a dependência das importações, por desenvolvimento interno. O processo ajuda a estabilizar a economia chinesa.
Segurança eurasiana da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) [orig.Shangai Cooperation Organization (SCO)]
Praticamente desconhecida de muitos, a Organização de Cooperação de Xangai tornar-se-á a organização eurasiana chave mediante a qual os diversos interesses nacionais de Índia, Paquistão, China, Rússia, Irã e Vietnã são atendidos em ambiente cooperativo. Unidos no desenvolvimento econômico graças à realidade do Cinturão Econômico Eurasiano, todas as suas questões de combate ao terrorismo, de separatismo e de tráfico de drogas e de seres humanos serão geridas dentro da Organização de Cooperação de Xangai. Embora não seja aliança militar, usa atividades conjuntas militares e de policiamento num arranjo sempre interessante.
Em resumo, a OCX é escudo defensivo contra os agentes de operação de desestabilização (por ex., ISIL, Talibã, Al-Qaeda, Movimento Islâmico do Leste do Turquistão, curdos do PKKe do PUK) que venha a ser tentada contra um estado-membro ou mais de um. Quando a Turquia finalmente se alinhar com a OCX, ao lado do Irã, a OTAN estará neutralizada em seus ataques contra estados membros. Esses desenvolvimentos da OCX já estão mapeados e previstos. Demora, mas Índia e Paquistão estão na fila de espera para assumir a posição de membros plenos em 2015, e na sequência virão Irã e Turquia, para completar a forte cadeia de membros da OCX – todos eles com os mesmos interesses, não importa o quão sejam diversas as culturas e as ideologias.
Há uma ferramenta de desestabilização da qual pouco se fala – o terror islâmico sob a forma de conflitos diretamente comandados pelos wahhabistas (Al-Qaeda, ISIL, Talibã, etc.) e programas separatistas mais clandestinos que afetam os dois países (e no caso da Rússia, seus aliados e consumidores no Oriente Médio, que são parceiros de investimentos com a China em projetos de petróleo e infraestrutura). A China é suscetível a desestabilização em Xinjiang, no Tibete, em Taiwan, Hong Kong e, talvez, também da Mongólia Interior, embora nenhum desses “eventos” de separatismo cheguem perto do ponto de ignição enquanto a economia chinesa permanecer vibrante. Barrigas bem nutridas e bolsos gordos de dinheiro não são bom combustível para rebeliões.
A coisa era tão pacífica em Xinjiang, que até há dois anos as forças de segurança na província não portavam armas na Região Autônoma. Até que vários policiais, homens e mulheres, desarmados, foram assassinados a facadas por separatistas-terroristas treinados pela Al-Qaeda e pelos Talibã no Paquistão, os chineses jamais usaram repressão ou táticas violentas. Agora porém, quando os terroristas são treinados por wahhabistas fanáticos para lutarem na Síria, está sendo usado o pessoal militar do exército chinês, equipes especialmente treinadas para ação de polícia, e já se vê implantado regime de controle em áreas de Xinjiang.
A China está usando as táticas do presidente Kadyrov da República Chechena com os terroristas. Matam-nos onde os encontrem, a queima roupa, em números cada vez maiores, sempre que possam. Os que chegam a ser julgados, acusados de conspirar para praticar ações violentas ou de prática de violência recebem pena de morte.
Nova Rota da Seda - terra e mar |
O desenvolvimento da Eurásia enfrenta forças internas étnicas, tribais, islâmicas, dentre outras potencialmente criminosas, que terão de ser acomodadas enquanto a China se encaminha para a Ásia Central e trabalha com Afeganistão e Paquistão. Aliados remanescentes ou “parceiros” pagos de EUA e OTAN no Uzbequistão e no Tadjiquistão ainda podem gerar problemas de segurança. Al-Qaeda e ISIL, os dois Talibãs e outros grupos turcos são, todos eles, agentes a serviço das agências ocidentais de inteligência.
A Nova Rota da Seda só desliza como seda, no nome.
A Dupla Hélice não é Aliança Militar Global
Em plano mais profundo, a Dupla Hélice não é aliança militar global. As duas nações rejeitam alianças militares além do regional. Mas o teste da ligação de dupla hélice teve de dar conta das afinidades militares, ou não haveria como superar a ameaça existencial. Militares dos dois campos tiveram de imaginar uma estrutura de força e uma proteção que conjugasse suas respectivas defesas, sistemas, inteligências, comunicações e, sendo necessário, integrasse também os comandos.
Essa unidade pode demorar anos para ser construída, mas russos e chineses não tinham tempo a perder. Não poderia ser superficial – por isso ambos tiveram de admitir o compartilhamento intrusivo. Pode vir a ser difícil, entre falantes de idiomas tão diferentes. Mas superarão todas as dificuldades, porque a necessidade é total e há liderança: os presidentes Putin e Xi enfrentam necessidades idênticas. Suas respectivas nações são objeto de ação de ‘contenção’ por uma potência hegemônica e seus aliados que já cercaram Rússia e China com verdadeira rede de plataformas e sistemas de pleno espectro, que as desafiam 24 horas/dia, sete dias por semana, faça chuva ou faça sol, na Lua Cheia e na Lua Nova.
Apesar de o contato global diário com o Hegemon e seus investimentos estrangeiros diretos fazerem a ameaça do Hegemon parecer menos séria, a realidade é que o Hegemon estava ficando sem tempo. China e Rússia estavam enriquecendo, enquanto o Hegemon empobrecia cada vez mais; China e Rússia cresciam, enquanto o Hegemon via definhar sua ex-grande economia, sangrada em guerras infindáveis, dívidas gigantes, desperdício, práticas de corrupção.
Shoigu e Li
China e Rússia agendaram reuniões de alto nível. Até agora, só em 2014, Putin e Xi reuniram-se cinco vezes. Empresários reuniram-se, comandantes militares reuniram-se. Primeiros-Ministros reuniram-se. Mas a reunião mais intrigante dentre todas aconteceu recentemente, quando o ministro de Defesa da Rússia Sergey Shoigu reuniu-se com o premiê Li Keqiang da China. Aconteceu depois de Shoigu ter-se reunido com seu contraparte no ministério da Defesa e do Exército da China. Essa reunião assinala a integração entre o Complexo Militar Industrial (CMI) da Rússia e o CMI da China. Só se pode supor que tenham discutido sistemas secretos de armas. Se foi visita de cortesia, nenhum protocolo jamais viu coisa semelhante.
Os dois homens, Shoigu e Li, funcionam para seus países em espaços governamentais separados. O premiê chinês aparece usualmente envolvido em questões econômicas e com a massiva burocracia do governo central chinês. Mas um de seus muitos títulos é Presidente da Comissão de Mobilização da Defesa Nacional. Implica que é responsável por equipamento, dispositivos antiaéreos, comunicações, tanto quanto pela economia. É tudo, exceto o próprio Exército de Libertação Popular, ELP, o exército da China, em termos de defesa. (O presidente Xi dirige a Comissão Militar e o exército chinês deve obediência ao Partido e a ele, como presidente do Partido Comunista Chinês, PCC). Como premiê, Li tem, em seu portfólio o Complexo Militar Industrial chinês.
Mas quando se analisa a Dupla Hélice e o modo como tudo se movimenta numa dupla hélice, vê-se que os militares russos e a capacidade chinesa de produzir e financiar passaram ali por escrutínio. Como parentes combinando um casamento, aqueles dois altos representantes de seus países estavam preparando “alguma coisa”.
O general Shoigu lá estava por causa de seus militares. Li lá estava por causa de sua economia. Baseados em acordo prévio firmado entre Putin e Xi, discutiram muito mais que helicópteros pesados, motores para jatos de combate, novas encomendas de submarinos ou de componentes microeletrônicos para sistemas: os militares russos reuniram-se com o dinheiro e a capacidade de produção dos chineses em Zhongnanhai. Só o tempo revelará que armas, se foi isso, exigiu essa reunião pessoal, íntima.
Adiante, sugerirei outra possibilidade, complementar e/ou muito diferente, para essa reunião entre Shoigu e Li.
Surpresa
A grande expansão da Rússia a partir dos mares Báltico, Negro e Cáspio, para o Pacífico, o Mar Amarelo e o Mar do Japão como território de leste a oeste, tinha agora um adjunto para o Leste da Ásia, o Sudeste da Ásia e a Ásia Central – a China. A Rússia pode ser vista como ainda muito maior do que antes, geograficamente.
Seus oleogasodutos, rodovias, aeroportos, portos de mar e sistemas de armas estarão conectando e protegendo países do Ártico ao Oceano Índico, como também da fronteira ocidental da Europa até as ilhas Kurill e Vladivostok, tocando a China de pontos de fronteira em Zabikalsk-Manzhouli e Pogranichy-Suifenhe na Província de Heilongjiang, ao longo do rio Dragão Negro/Amur.
Essa unidade teria a ver com muito mais que só as esculturas gigantes de gelo de Harbin ou com as reservas gigantes de petróleo e gás russos enterradas fundo sob neve, gelo, rocha congelada. Essa Dupla Hélice teria a ver com surpresa estratégica.
Já por duas vezes antes a China surpreendeu o Hegemon com armas. Uma é sua arma anti-satélites [orig. Anti-satellite weapon (ASAT)] construída para incapacitar ou destruir satélites militares e que, em 2007, destruiu alguns satélites velhos chineses. Outro modelo-teste, mais avançado, foi lançado em 2013. O problema para as agências de inteligência é que não souberam com antecedência que o míssil que transportava a arma anti-satélite foi lançado de um lançador móvel, de uma estrada.
A outra surpresa chinesa foi o disparador chinês de mísseis com base em terra, que pode acertar um porta-aviões a milhares de quilômetros de distância. Não há o que fazer para defender-se do Mach 10 DF-21D, exceto contramedidas eletrônicas e muita sorte.
Essas duas armas eram exatamente do que a China precisava para encher de Choque & Pavor o Comando Espacial e a Marinha dos EUA. Estão ainda zonzos, preocupados com a capacidade chinesa e com o fracasso da Intel dos EUA. Essas duas armas são disparadas de terra e de base móvel, o que torna as defesas chinesas muito ágeis e impalpáveis.
Também a Rússia surpreendeu o Hegemon com seus movimentos na Crimeia e com o cancelamento do gasoduto Ramo Sul, mas, antes desses eventos, com a repentina iniciativa diplomática de Putin de completar o acordo sobre armas químicas sírias, e pôr fim a esse pretexto para mais guerras. O início da guerra total com que Obama tanto sonhou contra a Síria teria posto a Rússia em difícil situação militar e geopolítica: ou defender a Síria abertamente, com o exército russo, ou mostrar fraqueza (como Medvedev já mostrara na Líbia). Em vez disso, a agressão contra Assad, por EUA/OTAN, foi brecada repentinamente, no último instante (e prosseguiu, clandestina, enquanto o ISIL ia sendo preparado, até poder ser usado).
Essas três iniciativas russas foram eventos chocantes, que expuseram fracassos sobre fracassos da Inteligência do Hegemon, ao mesmo tempo em que criaram condições para uma exibição de primeira classe, com Putin agindo como mestre ao mesmo tempo militar e diplomático, e que deixou a Rússia em posição superior à de simples player regional, depois de ter derrotado a OTAN e seus “procuradores” sem disparar um tiro e sem perder o controle sobre os eventos, simultaneamente, em duas diferentes frentes de guerra.
Onde ameaças abundam, a Dupla Hélice cresce
Do lado chinês há povos, massas humanas, 1/3 das quais foram arrancadas da servidão para a vida de classe média, em apenas 30 e poucos anos. Os chineses também souberam “abrir” sua economia ao capital de risco, industrialização e organizações do setor de serviços, sem perder o controle para interesses externos. Mantiveram um banco central separado do FMI, do Federal Reserve e de sistemas de bancos centrais ocidentais. Mantiveram administração e controle estatais de todas as indústrias estratégicas. Usaram investimento direto externo com vantagens espetaculares, forçando joint ventures apenas para partilhar propriedade intelectual, patentes e direitos de autor de design.
Os chineses forçaram transferências de tecnologia sempre que necessárias para lhes dar acesso ao estado-da-arte, quando a engenharia reversa era impossível. Aprenderam todos os truques capitalistas, a partir do mais detido e detalhado estudo da conversão dos EUA, de nação da linha de frente agrícola, até se converter na maior potência econômica global. Os chineses admiram a ascensão dos EUA até ser gigante econômico, embora o governo e a hegemonia global dos EUA lhes despertem desconfiança e suspeitas.
Mais importante que tudo, os chineses protegeram o renminbi, o yuan, de qualquer manipulação. Cautelosamente introduziram o yuan para seus parceiros comerciais, mas jamais permitiram que a moeda deles fosse plenamente comercializada como moeda Forex. A China mantém seu yuan atrelado ao dólar norte-americano, o que restringe as possibilidades de manipulação e especulação. Não há taxa flutuante, e as taxas de juros são controladas pelo estado. O yuan gradualmente se tornou convertível em dólares, ienes, francos suíços, euros, dólares de Hong Kong e rublos. Os chineses usam o renminbi para acertos bilaterais, caso a caso.
Serão ainda mais cinco anos, antes que a China considere a possibilidade de deixar o yuan “flutuar” em mercados de moedas. O FMI, em sua revisão de cinco anos, está considerando incluir o renminbi numa cesta de moedas de reserva com Special Drawing Rights. O yuan satisfaz todos os parâmetros, mas o importante é que isso ajudará China e Rússia a pôr fim à dominação pelo dólar; e Washington, que controla o FMI, ainda não permite que a inclusão seja consumada.
O plano russo-chinês para moedas internacionais de reserva é propor um feixe de moedas, não apenas uma moeda como é o dólar, hoje. É sistema que pode ser alvo de tormentas, ainda que o FMI não aja favoravelmente. A China tem muitos aliados a favor desse movimento. A situação claramente sinaliza que, embora sejam a maior economia do mundo, os chineses não desejam nem planejam dominar ou exporem-se, eles mesmos, a serem tomados como outra nação unipolar, em substituição aos EUA. Querem influenciar, sim, querem ter posições numa liderança cooperativa em novas instituições internacionais, sim; e os chineses indicam essa sua política, por todos os gestos e vias. O Dragão, na maior parte do tempo, prefere ser o Panda.
Ascensão de Xangai
Espertamente, os chineses usaram o dólar de Hong Kong e a bolsa de valores de Hong Kong e os bancos da ex-colônia para sua própria flexibilidade, até que estivessem prontos para aniquilar o que, uma vez, foi considerado como o coração financeiro da Ásia.
Shenzhen, ao lado de Hong Kong, foi selecionada por Deng Xiaoping para a experiência inicial de “abertura”, e não por acaso. Hong Kong era enorme porto para importações e exportações; e Hong Kong era o último centro “ocidental” de banking no qual os capitalistas confiavam para fazer negócios com Pequim.
Agora, esse centro de finança e banking passaria a ser Xangai; um mercado de ações em Xangai e o renminbi que logo governaria a Ásia, porque Pequim tinha a necessária escala para tanto.
Uma das realidades jamais mencionadas do recente Occupy Central e no circo do “guarda-chuva amarelo” montado em Hong Kong é que a cidade logo será a segunda, ultrapassada por Xangai, e estará à mercê econômica de Pequim. Em uma, duas décadas, Xangai será o novo centro mundial de finança e banking. Agora já não há dúvidas de que será, com o desenvolvimento da Eurásia, a Nova Rota da Seda, a Rota Marítima da Seda e a Dupla Hélice.
Londres, em desespero, ainda conseguiu agarrar-se a uma última ponta da ação monetária dos chineses, no último momento. Será uma câmera de compensação [orig. clearing house] para o renminbi, um centro para o renminbi fora da China. A indústria da finança deNew York parece ainda não se ter dado conta de que, em poucas décadas, ela também sucumbirá aos mecanismos do dragão para criar riqueza.
Todas essas são razões pelas quais o Hegemon e suas Elites – ou, pelo menos, os elementos desses grupos que já perceberam a inevitabilidade do que está a caminho – decidiram que é preciso desestabilizar para conter o inimigo. Mas a Eurásia sinaliza o movimento na direção do leste. E a “Dupla Hélice” é força centrífuga que organiza o movimento do poder na direção de Ásia e Eurásia.
A importante questão da escala
Escala é critério significativo, se uma nação sabe usá-la (por exemplo: a China sabe; a Índia, não). Escala no trabalho de manufatura, trabalho barato, altas taxas de poupança, desenvolvimento massivo de infraestrutura e logística eram itens desconhecidos no planeta, até a China pô-los em prática. Nem os EUA, durante a IIª Guerra Mundial, chegaram sequer perto do que a China está fazendo hoje. E, sem parar, os ganhos foram-se acumulando aos trilhões no Banco da China, no Banco de Crédito Agrícola da China, no Banco de Crédito para a Construção da China, no Banco Comércio e Indústria da China e no Banco do Povo da China (o banco central chinês).
Em termos de ter dinheiro à mão, as montanhas de dólares e papeis do Tesouro dos EUA e o ouro que a China acumulou são absolutamente sem precedentes. Essa dinâmica converteu o Dragão não só em “fábrica do mundo”: os chineses também passaram a produzir os mais atilados e competentes banqueiros do mundo.
A economia estatal permite à China fazer coisas que outros países não podem fazer. A China pode fazer suas empresas estatais [ing. SOEs, State-Owned Enterprises] investirem em projetos domésticos ou em projetos no exterior: aí está, claro, mais uma forma de mobilizar poder geopolítico financeiro. As ações dessas empresas estatais são como contas bancárias disponíveis para serem usadas pelo Governo Central.
O Primeiro-Ministro, atualmente Li Keqiang, é o czar da economia, por assim dizer. Os sete membros do Comitê Central do Politburo executam os planos anuais, com o presidente Xi Jinping dando formato filosófico, de discurso, aos objetivos; e com o premiê Li no comando da burocracia do estado, dos bancos e das empresas estatais, mobilizados, todos, para alcançar aqueles objetivos.
Crescer é preciso
Crescer é tudo, para os capitalistas chineses recém-nascidos. Lucro é poder, às vezes mais poder que simples riqueza acumulada, porque lucro é entrada diária, trimestral, anual e por ele se afere o rápido crescimento.
“Crescimento” é palavra e evento dos quais não se tem notícia no Império do Hegemon. A União Europeia está em marcha a ré e os EUA são economia-fantasma, devorando patrimônio da classe média e expandindo uma base dependente numa reforma altamente verticalizada da economia. Para as elites, tudo. Já não há bons empregos nem boas carreiras: sumiram. O conflito social só cresce. Os EUA perderam o rumo. Nada de plano quinquenal de crescimento, nada, nem, de plano anual. Não há plano, sequer, para próximo trimestre. A economia dos EUA está construída para servir às elites e à cobiça das elites. Todos os processos estão orientados para essa finalidade. Os mercados são valhacoutos de bandidos, buracos negros, derivativos e criminalidade que ninguém investiga ou corrige, exceto por alguns “processos administrativos” e “grandes multas” que uns poucos pagam e nada são além de dinheiro roubado da conta de depositantes, poupadores ou acionistas de classe média, para o estado, sem aparecerem na conta de impostos diretos. [Mas... Assim, nenhum capitalismo jamais funcionará! :-D)))) (NTs)]
Riqueza é preciso
Na China, a riqueza controla e faz a gestão do estado. A poupança é usada para desenvolver a riqueza da nação e do povo chinês. Claro: um milhão de milionários e centenas de bilionários deram-se muito bem no rápido crescimento chinês. Mas absolutamente não controlam a economia. Têm um papel a desempenhar nos setores público e privado, nos investimentos estrangeiros, na área do turismo, mas nada que façam altera os planos do estado, nem eles jamais conseguem manipular os mercados públicos (embora, sim, vivam tentando – parece que a natureza humana não é bela e limpa e justa, mas suja, criminosa, gananciosa ou leviana alucinada).
O dinheiro que se acumula nos cofres da China capitalista dá meios ao presidente Xi para realizar qualquer projeto em qualquer país.
A China está hoje apoiando o Banco de Desenvolvimento dos BRICS, o Banco de Investimento em Infraestrutura da Ásia, o Cinturão Econômico Eurasiano e a Rota Marítima da Seda. São como vários e simultâneos Planos Marshall, sem a conquista militar. Visam a converter outros parceiros comerciais, da mais imunda miséria, em economias de classe média capazes de comprar o que a China tem para vender, usando expertise chinesa, e comprando, claro, também serviços chineses.
É economia a mais elementar. Invista num país, construa infraestrutura, expanda o comércio com ela, dê comida e educação aos jovens; e a nação se arranca, ela mesma, da miséria, desenvolve a própria capacidade de produzir e amadurece. Enquanto isso, o parceiro comercial vai subindo pela cadeia de valor dos produtos e serviço que a China tem a oferecer.
A China pode fazer isso numa escala que nenhum país jamais alcançou. Está fazendo isso na África, na América Latina, no Sudeste da Ásia, no Sul da Ásia e no Oriente Médio (só não está fazendo mais, porque os EUA decidiram destruir o Iraque e a Síria usando o ISIL; e a Líbia, usando a Al-Qaeda, países onde a China tem massivos interesses de infraestrutura e petróleo. Também na Ucrânia e na Crimeia, a China já tinha prontos grandes projetos de desenvolvimento, antes do golpe).
Assim, com a Rússia ali tão próxima, e precisando do que a China pode fazer em tão grande escala, os gigantescos recursos naturais da Rússia, e respectivas necessidades para explorá-los e para construir infraestrutura, uniram-se à gigantesca capacidade financeira e também gigantescas necessidades de produtos, na China.
Resolver e superar por via pacífica a ameaça que o Hegemon lhes fazia, contra Rússia e contra China, foi conclusão lógica, erguida pedra a pedra pelos governos dos presidentes Vladimir Putin e Xi Jinping. E assim nasceu a Dupla Hélice.
O que o Hegemon terá pela frente
EUA e OTAN precisariam de São Miguel Arcanjo para derrotar China-Rússia (mas tudo indica que o Arcanjo já se alistou ao lado do Urso e de sua cultura Ortodoxa). Não há arma, não há estratégica, não há tática concebível em futuro próximo – e a Dupla Hélice só precisa, para começar a distribuir seus efeitos progressistas, de bem pouco tempo – que consiga derrubar qualquer dessas duas economias em ascensão, agora que já se associaram em “bases pareadas”.
A China crescerá sempre e se tornará mais forte. A Rússia, também. E em 5-10 anos, os sistemas internacionais de finança e banking e compensações, e pagamentos, moeda, avaliação de crédito, desenvolvimento e empréstimos estarão completamente mudados. É mudança tão dramática como seria destruir as armas mais violentas nos arsenais bélicos do Hegemon. Ironicamente, só sobreviverão, do Hegemon, os militares. O Hegemon perderá suas armas mais devastadoras que escravizam, subjugam, humilham, arruínam e “mudam” regimes: as suas armas econômicas.
Futuro
A melhor parte das nações do mundo passará a se dedicar a resolver problemas. As nações pensarão em termos diferentes e mediante relacionamentos diferentes. A soberania e o regional voltarão a ter importância decisiva. A concorrência será regulada por critérios de cooperação. A busca por situações de ganha-ganha substituirá a dominação. O que antes foi dito “necessário e honrado” será visto como crime, se guerra e caos são as únicas soluções que um ex-Hegemon e sua “aliança” têm a oferecer.
Talvez persista alguma modalidade das forças que OTAN e seu Estado Islâmico wahhabista insistem em cultivar com sauditas, qataris e outros demônios, sempre ao preço de bilhões de dólares. Mas estarão frias e quebradiças, sem qualquer viabilidade, espécie de piratas matadores à procura de vítimas pelo mundo. Essas forças já não encontrarão sustentação econômica [tornar-se-ão economicamente inviáveis].
A China busca seus próprios interesses?
Claro. É claro que a China atua na direção de obter o que mais a interessa. Todos os organismos – um país não é um prédio, é um organismo – têm necessidades vitais. O organismo-China precisa de petróleo e gás, como seres vivos precisam de sangue. O organismo-China precisa de um sistema nervoso protegido, que não seja desligável por onda de choque ou sabotagem: são os sistemas de segurança para as tecnologias de informação, radares, satélites, defesas em terra – são os componentes indispensáveis desse sistema nervoso. E o organismo-China, imenso como é, densamente populoso, precisa de estabilidade – precisa dormir, repousar e meditar.
A Rússia, potência nuclear mundial, tem agora o vastíssimo apoio que a China lhe dá, o que amplia suas defesas em águas azuis [orig. blue water defenses], assume o timão dos equipamentos digitais e eletrônicos e muda e torna mais resistentes os alvos geográficos, econômicos e financeiros que o Hegemon poderia usar para conter, desestabilizar e provocar “mudança de regime” em Pequim (o que implica derrubar o governo do Partido Comunista da China.
Consideradas as décadas à frente, não há o que consiga romper o entrelaçamento molecular vital que, aqui, estamos chamando de Dupla Hélice.
Efeito de equalização
A metáfora da dupla hélice opera para os dois lados, de modo equânime. A China recebe o petróleo/gás de que precisa e pelo qual paga em yuans, empréstimos, usa os cartões de crédito de Union Pay, joint ventures, pagamentos adiantados, contratos confiáveis e soluções de boa logística. A Rússia fornece escudo territorial e mais capacidade de multiplicação de “neurônios” para o “sistema nervoso” chinês. Por fim, estabilidade também é indispensável para que a Rússia respire e acumule energia para saltar adiante em áreas críticas do desenvolvimento. Sempre haverá moradias para russos na Rússia, agora que a China está próxima.
A China pode erguer dezenas de milhares de unidades para moradia em poucos meses. Haverá fontes alternativas de alimento. As necessidades mais básicas do povo russo estão atendidas com o pareamento na dupla hélice. A China comprou o maior produtor de carne de porco dos EUA e já está embarcando carne para a Rússia. A China é tão eficiente no processamento de alguns tipos de alimentos, que as bistecas são enviadas por navio para a China para serem processadas lá, e voltam para ser vendidas nos EUA.
Políticas exteriores e sociedades estrangeiras
A Dupla Hélice é real. Tem a realidade de uma metáfora que tenha forte poder explicativo. A coisa opera como se supõe hoje que a estrutura do DNA seja e opere, mas nada disso muda as políticas exteriores ou as respectivas sociedades das duas nações “unidas” em hélice dupla. A dupla hélice explica apenas a arquitetura de um novo organismo [“uma nova forma de vida geopolítica”]. É, simplesmente, a nova arquitetura do “organismo” no embate contra o qual o Hegemon cairá. Agora, as duas nações soberanas apresentam-se elas mesmas como uma única e mesma dupla hélice.
Não se trata de “fusão” nem de aliança, sequer se trata exclusivamente de interesses comuns. Tudo isso já está aí, em organismos como a OCX, Associação dos Países Exportadores de Petróleo (APEC), etc.. A “unidade” de que falamos aqui é multiplicação de forças e projeção de poder numa “quarta dimensão” da geopolítica. É processo pelo qual todas as moléculas são multiplicadas ou aumentadas. Atacar ou tomar por alvo as Tecnologias da Informação de um, ou os satélites de um dos países, implica atacar os dois. Desestabilizar um atinge os dois. “Contenção” contra um é “contenção” contra os dois. Demonize um, e haverá dois demônios. Grite com um, e ouvirá duas respostas.
O general Custer aprendeu rapidamente que não enfrentava só os Kakota Sioux: que enfrentava os Arapaho, Arikara, Cheyenne, Crow, Santee e mais sete ramos do povo Lakota (Pés-Pretos, Brule, Hunkpapa, Oglala, Minniconju, Sem-Arco e Duas Panelas [orig. Two Kettles]. É lição muito objetiva. Historicamente, nas planícies dos EUA, os nativos norte-americanos fizeram o mesmo que China e Rússia fazem hoje. O erro deles foi não se terem articulado muito antes e por todo o território, antes de já terem sido superados em número pelos imigrantes armados. China e Rússia agiram em tempo.
Dragão-urso, Dragurso
China-Rússia tornaram-se impossível de derrotar militarmente, de destruir por sanções e desestabilização da economia, e criaram uma parceria que, antes, nunca existiu. China e Rússia são co-desbravadores numa nova arquitetura internacional construída a partir da responsabilidade dos estados soberanos face ao próprio povo de cada nação.
Olhando da Romênia, por sobre o Mar Negro, para a Ucrânia, da Polônia, Lituânia ou Alemanha, para o lado do Atlântico, para Canadá ou EUA, sempre se vê o Urso-Dragão. Assim também, se se olha para o lado do Pacífico ou do leste do Mar da China, ou do Mar do Sul da China, só se vê o Dragão-Urso. O Hegemon e seus vassalos compreenderão logo que atacar um é atacar os dois.
É impossível desatar a Dupla Hélice. Rússia e China são os fundadores do Mercado Econômico Eurasiano de 3,5 bilhões de almas (metade do mundo). Têm uma missão inicial de 30 anos, durante os quais construirão a Nova Rota da Seda, a Rota da Seda Marítima, o Cinturão Econômico Eurasiano, e erguerão o Irã, a Índia, o Paquistão, Bangladesh, os “-stões” da Ásia Central, a Mongólia, as nações do sudeste asiático e, provavelmente, consertarão partes da Ucrânia e partes da Europa Oriental, algumas nações europeias e, talvez, até lá, também algumas nações do norte da África.
China e Rússia tiveram um sensacional ano de 2014.
Surpresa geopolítica
Voltemos agora, então, ao mistério de Shoigu em Zhongnanhai. Trabalhemos com a ideia de uma surpresa geopolítica.
Imaginem que o general Shoigu e o premiê Li Keqiang tenham discutido a República Popular Democrática da Coreia (“Coreia do Norte”).
Cenário: Putin tem estado à procura, buscando fazer contato com o regime do Glorioso Líder Kim; e sabemos do negócio que Putin muito deseja fechar com o regime de Pyongyang:Entregue suas bombas atômicas. Nossa Dupla Hélice lhe garantirá total proteção. Entregue as bombas atômicas, e obrigaremos os EUA a sair da península coreana. Entregue as bombas atômicas, e China e Rússia tratarão de desenvolver a infraestrutura da Coreia do Norte. Entregue as bombas atômicas e comece a integração econômica com o sul e, no mesmo processo, vocês ganham a proteção de China e Rússia. Entreguem as bombas atômicas, e a Coreia do Norte nunca mais estará só.
A Coreia do Norte pode olhar na direção do Irã e logo constatará que Rússia e China, sim, foram o escudo impenetrável que protegeu o Irã. Se o Irã se mantiver firme no compromisso de não ter bombas atômicas, a Dupla Hélice o protegerá sempre. A Síria entregou as armas químicas. E a Síria continua de pé, apesar de enfrentar simultaneamente o ISIL e a OTAN combinados para gerar o caos. Continua de pé, porque Rússia e China blindaram a Síria.
Examinemos o itinerário do general Shoigu. Para onde viajou, ao sair de Pequim? Paquistão. Quem zela pelo programa nuclear da Coreia do Norte? O Paquistão. Shoigu não viajou por aquela rota, na sequência, por acaso. A China está trabalhando para separar EUA e Paquistão; e quer coordenar operações antiterror com Islamabad. Há também a retirada de EUA-OTAN, saindo do Afeganistão. Rússia, China e Paquistão assumirão essa carga, para conseguir implantar a Rota da Seda Eurasiana e o Cinturão Econômico Eurasiano. Tudo está mudando no sul da Ásia: China e Rússia preencherão o vácuo.
É da natureza da China estimular a Rússia para que distribua mensagens simbólicas aos que precisem de mais um pequeno “empurrão”. O Irã e a República Popular Democrática da Coreia (“Coreia do Norte”) “nucleares” são ameaças regionais e globais, que a Dupla Hélice deseja converter em parceiros e em mercados.
O policial “durão”?
Shoigu levou adiante esse seu “portfólio”. Representou o primeiro conjunto de bases “pareadas”. Os chineses sabem de suas limitações e de suas fraquezas. Sabem que podem incomodar barcos pesqueiros no vizinho sudeste e até afastar um navio norte-americano. Mas não são o policial “durão” que a Rússia é. Os chineses são o policial “bonzinho”, que fala manso, que faz amolecer, relaxar. Só em dois casos a China fala (muito) grosso: nos negócios e se alguém falar mal do Partido Comunista.
Contudo, esse desarmamento nuclear ou “químico” de pequenos regimes é o dia a dia das ruas e becos, coisa que a Rússia conhece e a China não tem qualquer desejo de conhecer. Para atrair a atração dedicada de Pyongyang e Islamabad, muito mais indicado é o russo, presidente mestre em 8º Dan em artes marciais, que destrói oponentes com seus exércitos em combates na vida real. Putin fez o que tinha de fazer na Síria e está fazendo o que tem de fazer no Irã; em geral, usa escudo militar de proteção associado a negócios de desenvolvimento no campo da economia.
A República Popular Democrática da Coreia (“Coreia do Norte”) tenta desesperadamente armar seus equipamentos atômicos. Quem detém a tecnologia necessária é o Paquistão. É concebível que um acordo de assistência militar entre Paquistão e Rússia, assinado por Shoigu, seja a “recompensa” por o país manter-se longe do programa nuclear da Coreia do Norte.
A reunião em Pequim pode ter sido ocasião para garantir a Shoigu que todo o financiamento necessário para estabilizar a península coreana estará disponível, se e quando Putin conseguir arregimentar Kim para que se una aos Soberanistas Eurasianos e mande oHegemon para longe da Península Coreana.
Putin convidou Kim para participar em Moscou da celebração dos 70 anos da vitória do Exército Vermelho soviético sobre a Alemanha nazista. O convite aconteceu em encontro de Putin e o enviado especial de Kim, Choe Ryong-hae, em novembro de 2014. Desde então há intensa troca de correspondência e já houve vários encontros entre representantes dos dois países e com certeza não estão discutindo dúvidas que haja sobre o Dia da Vitória de 2015.
Efeito regional
Além de tranquilidade e segurança, o novo arranjo significará um novo mercado fácil de explorar para recursos minerais, uma economia em rápido desenvolvimento que terá importante uso a dar a tudo que China e Rússia têm a oferecer. A República Popular Democrática da Coreia (“Coreia do Norte”) pode acrescentar força militar, como forças militares regionais de reserva, no caso de o Hegemon insistir em se demorar no Pacífico Asiático.
O desarmamento nuclear implica integração automática, da Coreia do Sul, também, no Cinturão Econômico Eurasiano. E deixa a região livre de ameaças contra Japão e Filipinas, aliados do Hegemon. No instante em que os artefatos nucleares deixarem as terras e águas da Coreia do Norte, acaba-se o “Século dos EUA no Pacífico” [orig. America’s Pacific Century, invenção de Hillary Clinton, em 2011 (NTs)].
(...)
Os chineses já foram insultados por Pyongyang e frustrados por Kim. Os chineses só o querem por ali, para impedir que os EUA se aproximem ainda mais da Península. Mas a nova realidade da Eurásia emergente altera a configuração das relações com Kim. Assim caminha a sorte, sempre cega. Kim poderá remover ameaça mortal ao seu governo; e a segurança soberana da Coreia do Norte lhe ficará absolutamente garantida. A isso se chama jogo de ganha-ganha-ganha – e mais um movimento surpreendentemente brilhante, só possível por causa da Dupla Hélice.
Evento geopolítico cataclísmico, como Pyongyang entregar suas bombas atômicas forçarão os EUA a reconhecer que terão ficado sem raison d’être para sua presença na região do Pacífico asiático. Já é crescente, hoje, a pressão na opinião pública da Coreia do Sul para que as forças dos EUA deixem o país. Okinawa com certeza quererá ver os EUA fora de lá. Eventualmente, os EUA serão meros “um dentre vários” que se servem das águas azuis do Pacífico Ocidental e das áreas costeiras da Ásia. Os EUA então terão de voltar ao Havaí, como seu posto avançado mais ocidental. Afinal de contas, os EUA já não terão de “proteger” país algum, contra ameaça alguma.
Rússia e China serão defensores regionais da paz e da estabilidade, e mais ao sul, Índia e Vietnã unir-se-ão à Dupla Hélice, não à Marinha dos EUA. Os EUA podem ver-se como nação do Pacífico Asiático, mas não mais que Chile ou México. O que os EUA não são é nação asiática ou nação eurasiática. O que os EUA estão “destinados” a ser é o que já se deveriam dar por satisfeitos por ser, há muito tempo: uma nação norte-americana.
Japão
Depois do evento que descrevemos, tudo se torna economia harmônica. O Japão precisa de assistência eurasiana. O ocidente serviu-se de e manipulou duas gerações de japoneses jovens no Japão, manipulando a economia e o governo japoneses. Toda a inovação dinâmica e o crescimento de que o Japão é capaz estão moribundos. Já não são capazes, sequer, de fabricar um veículo seguro. Já não sabem administrar, com segurança para o próprio povo, uma usina nuclear.
Filipinas
As Filipinas, talvez, permaneçam mais próximas dos EUA, mas serão raro vassalo asiático no Mar do Sul da China. Manila talvez se alinhe com a Austrália, mas, eventualmente, a Rota Marítima da Seda e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura acabarão por obrigar as Filipinas a escolher entre o progresso e a colonização perpétua.
O que acontece em Taiwan?
Taiwan será a derradeira mordida chinesa, se a China for tola o bastante para abrir toda sua gigantesca boca de Dragão e morder a isca. A mais recente eleição local na capital, que comprometeu as bases do Kuomintang (KMT) deu novo ânimo aos agitadores do movimento “Free China”, comandados pelos EUA. Com certeza é um revés. Mas, se significa que Xi terá de jogar duro, ele que se sirva da ferramenta econômica, não de seus militares.
Taiwan vive em recessão perpétua. A antiga “caixa cinzenta” e a economia dos piratas copistas dos anos 80s e 90s foi eclipsada pelo semicondutor sul-coreano, fabricação de aparelhos e chips e, em breve, verão subir aos céus a estrela do Vietnã, Malásia e outros atores do sul e sudeste da Ásia no esporte eletrônico nacional em Taiwan. Muitos capitais investidos em Taiwan parecem estar tomando o rumo do continente, do Brasil ou de concorrentes de Taiwan ali mesmo na região. A Foxconn tem fábricas em todo o planeta, até no Brasil, menos em Taiwan.
Assim se geram muitos estudantes nativos de Taiwan, prontos para que os EUA os manipule; e é muito provável que haja resistência estridente contra a unificação Taiwan-China [orig.Cross-Straits unification], mas a fome e a falta de oportunidades mudarão a dinâmica geral, tão logo os EUA retirem-se e aqueles jovens locais vejam o desenvolvimento eurasiano, logo ali, na China, do outro lado do estreito. Podem tuitar e reunir-se por Skype a favor da revolução o quanto queiram; podem até se armar com guarda-chuvas coloridos, mas nada disso trará de volta o investimento estrangeiro para reconstruir a economia local destruída.
Tipicamente, a paciência do Dragão é infinita. Taiwan testará a paciência do presidente Xi – disso, não há dúvidas. Xi queria ver Taiwan num arranjo assemelhando ao de Hong Kong, “Uma China-Dois sistemas”. Não acontecerá antes que os EUA recolham-se de volta para o Havaí.
Os EUA têm capacidade infinita para infligir dor e sofrimento até aos seus mais fiéis vassalos. Ninguém nos EUA, exceto os Taiwaneses-americanos, jamais saberão a dor que se padece em Taipei, Kaohsiung, Taichung e Tainan, até que os EUA saiam de lá.
Coreia do Norte muda tudo
O extremo leste e a Sibéria, o norte da China, Mongólia, o Ártico, o Mar Amarelo e o Mar do Japão tornam-se zona de comércio, turismo e crescimento, tão logo a Coreia do Norte se afaste da beira do precipício. Se as armas atômicas do Irã são inaceitáveis para Rússia e China, com certeza muito mais inaceitáveis são as da Coreia do Norte. Ambas as nações, Rússia e China, trabalharam assiduamente para evitar a proliferação nuclear. E imediatamente recompensaram nações que entregaram armas de destruição em massa.
O falso ataque à Sony
Hackearam a [empresa] Sony! Foram os norte-coreanos! É a previsível demonização da Coreia do Norte. O FBI diz. Mas praticamente todos os especialistas independentes, com vasta experiência em segurança de governos e TI e na luta anti-hacking, disseram exatamente o contrário: quem hackeou a Sony não é norte-coreano.
Primeiro, é preciso compreender as conexões de Internet na Ásia. A Coreia do Norte tem um Provedor de Serviços Internet (ISP). Assim como a China tem status de segunda classe na Internet e todas as conexões viajam através de Xangai, a Coreia do Norte só pode entrar e sair da Internet por uma única rota. É fácil para a Agência de Segurança Nacional dos EUA monitorar a Coreia do Norte. Mas não há provas, sempre difíceis de obter. O que há um pedaço de papel que só “prova”, mesmo, a patacoada que o FBI inventou. Assim sendo, a menos que o hacking tenha vindo de uma rede de telefones 3G, teria de entrar por uma única porta na Internet, a saber, a Star Joint Venture Co.
Os EUA precisam desesperadamente de que a Coreia do Norte continue o mais nuclear possível. Por isso, rapidamente, já está “operando” para pôr Pyongyang outra vez sob clima de terror histérico. A esperança, no cérebro do Hegemon – dizendo do modo mais suave possível – é que o clima de terror histérico na Coreia no Norte seja suficientemente histérico para impedir que Rússia e China mantenham o oferecimento de ajuda econômica em troca dos artefatos nucleares da Coreia do Norte. Mas o resultado será o que a Dupla Hélice deseja, se for possível entrar em entendimento com Kim.
E depois? Depois, acontece o quê?
Com a Coreia do Norte já libertada de seu arsenal atômico, a Dupla Hélice poderá dar o passo seguinte e divulgar o programa secreto que os japoneses preparam, para construir, os japoneses, as suas bombas atômicas. O derretimento do núcleo em Fukushima foi duplo desastre, porque, como em Dimona em Israel, os segredos nucleares vazaram e o mundo percebeu que o Japão, como Israel, precisava desesperadamente esconder que, sim, havia ali um programa de construção de armas atômicas acobertado por EUA e França.
Brote o que brotar da Dupla Hélice que uniu China-Rússia, com certeza será surpresa que deixará tonto o Hegemon. Esse é o estilo de operar da China e também é o estilo de operar da Rússia. O mundo conseguiu aproximar-se mais do “melhor”, em 2014, no momento em que a coisa ficava “pior”. Acontece assim porque, embora sempre aconteçam coisas ruins, também sempre acontecerão coisas melhores. Fogo e morte na Ucrânia e no Oriente Médio são terríveis, mas a emergência da Eurásia é bela e boa como flor em botão. Só é má notícia para o Hegemon.
Civilizações vencem
A maioria de nós viveremos para ver uma nova dinâmica global, internacional. Alguns sentirão o efeito nutricional desses novos tempos. Alguns estarão presos no fundo da caverna das elites, que governam ao mundo há séculos. Assim como o Pólo Norte muda, assim também mudam os pólos geopolíticos. E os pólos econômicos também mudam. Uma política de contenção, ou de tratados exclusionários de comércio, ou programas secretos para desestabilizar países e regiões inteiras do planeta não pode impedir o sucesso de 3,5 bilhões de seres humanos inspirados por governantes ilustrados que partilham agora um mesmo “DNA” metafórico.
A mudança tectônica é ampla demais para que meros mortais ocidentais já ocos de ideias falsificadas, já sem mentiras novas que ainda enganem alguém, sem bala na agulha, sem bombas, sem mais o que inventar em matéria de falsos “ataques”, gente que só sabe mentir e enganar até os próprios “aliados” venham a vencer e consigam controlar a humanidade. O “DNA” do Hegemon é podre, não sobrevive em ar puro nem suporta o calor do sol da verdade. A humanidade alcançará a própria liberdade. As civilizações prosperarão.
Russos e chineses vencerão
Russos e chineses olharão para dentro de suas próprias civilizações em busca de soluções para os desafios e ameaças que o Hegemon lance sobre elas. Há motivação para que se inventem soluções sábias, não marciais, não de dominação, não de exploração, não injustas. Confiar em “especialistas” e em ONGs ocidentais será rapidamente interpretado como abrir as portas ao inimigo e dar abrigo a terroristas e sabotadores enviados pelo Hegemon.
Resistência contra a hegemonia da violência é lição histórica, que as civilizações russa e chinesa não desperdiçarão. O ocidente já não está protegido por trás de mentiras gigantes como “democracia”, “liberdade”, “amizade”, “aliados”, “parceiros”, “sucesso” e “segurança”. Quebrou-se a pátina da excepcionalidade e da grandeza dos EUA.
Os povos da Rússia e da China são herdeiros de grandes civilizações. Têm culturas e instituições fundamentadas em princípios de sabedoria ancestral e em séculos de realizações na arte, na ciência, na tecnologia nos direitos humanos. Não precisam copiar nada de nação alguma, nem cultura nem sistema educacional.
Soberania, assim como individualidade, são as únicas identidades a serem prestigiadas. A cooperação internacional e as parcerias internacionais só existem se construídas sobre as potências dos que decidem aproximar-se e unir-se, sem qualquer coerção, por decisão própria.
2014 foi ano muito melhor para toda a humanidade, do que muitos supõem.
Notas dos tradutores:
[1] Como escreveu o Saker, dia 22/12/2014, na apresentação que redigiu para esse artigo: O que estamos testemunhando aqui é o nascimento de uma “nova forma de vida” geopolítica, pode-se dizer: uma aliança informal entre dois países que vai muito mais fundo que a maioria das alianças regulares.
[2] A metáfora da “dupla hélice” é riquíssima, mas tudo, nesse campo é muito, muito complicado. Quanto mais se saiba sobre a hipótese da “dupla hélice” criada e explorada pelos estudos genéticos e de biologia molecular, mais se poderá explorar a mesma metáfora também para o campo da ‘associação’ entre Rússia e China. Há muitas páginas na internet sobre o assunto, mas quase todas exclusivamente descritivas e toda muito ‘químicas’, explicando a constituição, muito mais que a dinâmica dos movimentos possíveis para todos os elementos que se liguem entre eles por uma hélice dupla. Essa pesquisa fica aqui sugerida, mas o serviço braçal de explorar a metáfora terá de ficar por conta dos interessados.
O mesmo vale para entender o que seja o “pareamento das bases” e a “duplicação das ligações” [como a genética os descreve] aplicados ao “pareamento” e à “duplicação” dos projetos e iniciativas etc. entre Rússia e China. Pode-se ler página interessante, em português, por exemplo. Mas aí vai só como uma isca, não como explicação satisfatória ou suficiente.
22/12/2014, Larchmonter 445 – The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
POSTADO POR CASTOR FILHO
Comentários