Da corrupção ao fim do Estado Social

Porque é o próprio regime democrático que é ameaçado com a situação arrastada pela corrupção, deve ser a democracia a defender-se energicamente desta praga, separando com a máxima clareza e transparência a política da finança, não deixando a esta a efetiva gestão da coisa pública.
Os últimos acontecimentos políticos recolocaram na ordem do dia o discurso da corrupção enquanto fonte de todos os males da sociedade, brandido por individualidades e organizações nem sempre os mais impolutos.
Este discurso populista, mesmo em cima de acontecimentos dramáticos para a democracia, é altamente redutor e serve para esconder por detrás de pretensas preocupações justicialistas, a realidade de que a corrupção está no cerne da própria essência do sistema capitalista e depende dele e dos seus valores para medrar e prosperar.
Com a hegemonia do capitalismo financeiro, selvagem, descontrolado e desregulado, apareceram formas cada vez mais sofisticadas de corrupção capazes de estender os seus tentáculos aos mais variados sectores, com vista a criar e alargar cada vez mais redes de cumplicidades.

Sendo assim, afigurasse-me que uma luta consequente contra a corrupção não tem possibilidade de ser coerente se não implicar a denúncia do sistema capitalista como responsável primeiro dessa situação, lesiva dos interesses das comunidades e da própria democracia. Em simultâneo são tarefa do Estado os atos fundamentais obrigando a uma maior transparência e a um maior controlo público
Não pretendo dizer que os responsáveis por atos corruptores e os corruptos não devam ser punidos pelos seus delitos, longe disso, mas é necessário ter consciência do que é essencial, que é o próprio sistema capitalista que induz a corrupção como forma de se perpetuar.
É assim que devem ser consideradas as constantes alternâncias de cargos entre os governos e a banca, ou entre os governos e os conselhos de administração das grandes empresas, ou a promiscuidade do exercício do cargo de deputado com os lóbis de gabinetes jurídicos e outros, ou até as saídas de funcionários de grandes entidades financeiras para assumir postos governamentais ou o vice-versa.
Estou a falar de milhares de milhões e não de tostões subtraídos ao erário público para os bolsos de alguns.
Esta promiscuidade é a principal responsável pelos diversos escândalos que têm a ver com a compra de material de guerra (submarinos ou carros de assalto), com a atribuição de vistos de permanência (vistos Gold) ou com as falências bancarias, que depois nos exigem a todos que as paguemos e com a privatização de empresas a qualquer preço.
Porque é o próprio regime democrático que é ameaçado com a situação arrastada pela corrupção, deve ser a democracia a defender-se energicamente desta praga, separando com a máxima clareza e transparência a política da finança, não deixando a esta a efetiva gestão da coisa pública.
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O governo PSD/CDS prosseguindo na sua assumida missão de destruição do estado social em todas as suas valências, virou-se agora para o desmantelamento e consequente destruição da estrutura em que assenta a segurança social.
À substituição dos direitos adquiridos pelos cidadãos às prestações sociais, pagas alias pelos nossos impostos, que garantem um mínimo de subsistência digno, na doença, no desemprego e na velhice, o governo contrapõe uma espécie de esmola concedida caritativamente por instituições particulares (IPSS) e por misericórdias, que embora subsistindo na totalidade à custa dos dinheiros públicos, não deixam de ter cariz privado e para as quais o governo se prepara para transferir grande parte da sua responsabilidade social.
Tal situação não é possível de admitir, quarenta anos após a instauração da democracia.
É indispensável que os portugueses pensem nas consequências que adviriam se, em vez dos subsídios legais que nos são devidos, ficássemos sujeitos às arbitrariedades de uma qualquer entidade privada (IPSS ou outra) para nos concederem uma “ajudinha”. Seria a generalização da sopa dos pobres a substituir a segurança social. De um direito devido ao cidadão passar-se-ia à situação de ajuda caritativa. Não é a mesma coisa.
Insere-se nesta estratégia o despedimento de cerca de 700 trabalhadores do Estado que têm exercido funções, precisamente no âmbito da segurança social, no apoio à infância e a idosos com deficiências. Fazem-se entretanto apelos à prestação de voluntariado de caráter social, onde as pessoas, com a melhor das intenções irão exercer essas mesmas funções, mas sem qualquer custo para as entidades, que serão beneficiadas com as transferências das responsabilidades governamentais. Despacham-se desta forma as obrigações estatais.
Por outro lado, o incentivar de inúmeras iniciativas de caráter caritativo, apelando à boa vontade na contribuição dos cidadãos, embora se compreendam como forma de minorar as necessidades de apoio de tantos portugueses, nunca poderão ser encaradas tais medidas episódicas, aceitáveis como formas de apoio a situações de emergência, catástrofes naturais ou outras, como estruturais e planificadas e que cabem em exclusivo ao Estado.
O apoio social não pode nem deve ser visto como um favor concedido pelo governo, mas como uma obrigação solidária do estado e um inalienável direito dos cidadãos.

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