“A Petrobras precisa ser preservada: além de estratégica, é vítima”



Petrobras
Para Fernando Siqueira, vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras, o que preocupa é que, sendo a corrupção um câncer em metástase, generalizada, a Petrobras é que está na berlinda, não como vítima que é, mas como foco principal da corrupção

16/12/2014
Gabriel Brito e Valéria Nader
de São Paulo (SP)
Para o Correio da Cidadania
Os escândalos de propinas e apadri­nhamentos da Petrobras continuam em voga. Como sempre, a mídia, em mais um de seus simulacros de combate à cor­rupção, não fica um dia sem falar do as­sunto em tom de feirante. Apesar da no­vidade de os corruptores também serem jogados aos leões, a abordagem do as­sunto se resume à narração de malfei­tos, deixando de fora toda a importância estratégica da empresa, o que foi a tôni­ca da entrevista do engenheiro Fernando Siqueira ao Correio da Cidadania.
“Os escândalos da Petrobras são exe­cráveis e devem ser punidos com rigor, com prisão para os responsáveis e po­dem ser uma fonte de saneamento geral das ilicitudes no país. Afinal, pela primei­ra vez os corruptores foram envolvidos. Mas é fundamental que a Petrobras seja preservada, pois além de ser uma empre­sa estratégica para o país, é uma vítima. O esquema funciona desde os governos militares, segundo publicações recentes do histórico dessas empresas. Perpas­sou os governos Sarney, Collor, Itamar e FHC e chegou aos governos petistas”, afirmou Siqueira.
Na entrevista, o vice-presidente da As­sociação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) reitera os velhos alertas sobre a hipocrisia da gritaria de setores histori­camente ligados à aparelhagem do poder público e seus principais braços. Pior, trata-se de setores que inculcam na po­pulação a ideia de que privatizar o maior ativo do Estado brasileiro seria uma so­lução redentora.
Acabaram as eleições e os primeiros acontecimentos foram o aumento da taxa de juros, reajuste de tarifas públicas, composição de uma equipe de governo que aqueles que apoiaram Dilma nessas eleições já dizem se tratar de um estelionato eleitoral. E agora, escândalos na Petrobras. Primeiramente, o que você tem a dizer sobre estes fatos e aquilo que já insinuam para o segundo mandato de Dilma?
Fernando Siqueira – A Dilma foi ree­leita, mas saiu bastante enfraquecida do pleito. A herança própria, especialmen­te na situação econômica do país, está ruim. Além disso, os parlamentares elei­tos formam uma das piores legislaturas da nossa história, sob o ponto de vista de neoliberalismo, entreguismo e corrup­ção. Portanto, a base de apoio do gover­no piorou e vai obrigá-lo a conceder mais vantagens a esses parlamentares em de­trimento do interesse nacional.
Por outro lado, a pressão externa vai recrudescer, pois os EUA querem que o Brasil e a África do Sul se mantenham como seus aliados no BRICS, para se contraporem à dupla Rússia e China, que está cada vez mais unida e atrain­do a Índia. Desestabilizando a Dilma, os EUA a empurram para a direita e a mantém como aliada. Sintoma disto é a nomeação do Joaquim Levy para a Fa­zenda e possivelmente da Kátia Abreu para a Agricultura.
Assim, o “mercado”, o agronegócio e os EUA estarão contemplados. Portanto, as promessas de campanha não passam de promessas eleitoreiras. Outro exemplo de não cumprimento de promessa: “não vou nomear derrotados”. Já são cinco os derrotados cogitados ou nomeados para ministério.
Avaliando agora o grande caso do momento, e tentando ir além da espetacularização e do clima policialesco trazido pela grande mídia: o engenheiro Ildo Sauer, ex-diretor de Energia e Gás da Petrobras, tem ressaltado, em várias de suas entrevistas ao Correio, a Petrobras como uma empresa vítima da concorrência intercapitalista e da leniência do governo face a tal processo. À luz desse pensamento, o que você diria sobre os atuais escândalos na Petrobras? O que dizem do capitalismo brasileiro?
Os escândalos da Petrobras são exe­cráveis e devem ser punidos com rigor, com prisão para os responsáveis e po­dem ser uma fonte de saneamento geral das ilicitudes no país. Afinal, pela pri­meira vez os corruptores foram envolvi­dos. Mas é fundamental que a Petrobras seja preservada, pois além de ser uma empresa estratégica para o país, é uma vítima. Esse esquema de corrupção, su­borno, propinas, é um câncer que per­meia todas as atividades importantes no país, principalmente nos Três Poderes. Todas as estatais, ministérios, secreta­rias, Legislativo, Judiciário estão conta­minados. Vejam-se os prédios suntuo­sos do Poder Judiciário, o caso “Lalau”, os financiamentos de campanhas dos parlamentares, decisões estranhas dos tribunais superiores.
A operação Satiagraha, por exemplo, puniu a ratoeira e deixou o rato mais fortalecido. Quem foi condenado e puni­do foi o delegado Protógenes, não o de­nunciado. Assim, a corrupção é um cân­cer com metástase em todos os órgãos públicos por contaminantes privados. A punição dos corruptores é a grande chance de reduzir drasticamente a cor­rupção, que impede o crescimento do país mais viável do planeta. O que preo­cupa é que, sendo a corrupção um cân­cer em metástase, generalizada, a Petro­bras é que está na berlinda, não como vítima que é, mas como foco principal da corrupção. Isto porque há o interesse de enfraquecê-la para que ela não seja a operadora única do pré-sal, o que inibe os dois focos de corrupção que grassa a produção mundial do petróleo: superdi­mensionamento dos custos de produção – ressarcidos em petróleo – e a medição fraudulenta da produção.
Portanto, esta campanha a vê como al­vo principal e está tendo relativo suces­so: vários brasileiros, ingênuos, já defen­dem a privatização da Petrobras como solução. Não sabem que as empresas pri­vadas mundiais, únicas capazes de com­prar a Petrobras, são as mais corruptas e mais corruptoras do mundo. Elas gol­peiam, derrubam e matam governantes dos países com petróleo e são responsá­veis por todas as guerras após a segunda guerra mundial.
O que todos estes escândalos dizem ainda da própria administração e gestão da Petrobras nesses anos todos?
Dizem muita coisa, entre elas, que se deve cessar o apadrinhamento de polí­ticos à nomeação dos gestores das em­presas estatais. Os dirigentes muitas ve­zes sabem das ilicitudes, mas ficam com medo de denunciar. Um caso emblemá­tico é o do gasoduto Coari-Manaus: o ge­rente da obra, engenheiro Gésio, se re­cusou a aceitar um aditivo absurdo e foi destituído do cargo, ficando encostado e sem função. Inconformado, denunciou a uma CPI. Dez parlamentares foram ao local da obra e inocentaram a construto­ra OAS. O TCU também suspendeu todas as punições dadas ao consórcio.
Assim, é preciso melhorar os contro­les internos, as nomeações de dirigen­tes, por competência, mas também os controles externos. CPIs têm sido aber­tas, pela oposição, somente quando vi­sam enfraquecer a Petrobras, como na discussão da nova Lei do petróleo. No caso do leilão de Libra, o governo Dil­ma entregou às multinacionais 60% do maior campo do mundo; cometeu três ilegalidades, entre elas a que contraria o Artigo 12º da Lei nº 12.351/10: áreas es­tratégicas têm que ser negociadas com a Petrobrás, sem leilão. O TCU não acei­tou nossas denúncias e validou o edital.
Nossas ações contra tais ilegalidades foram rejeitadas pela Justiça. Depois, Dilma cumpriu a Lei entregando o exce­dente da cessão onerosa à Petrobras e, aí, pasme-se: o TCU está questionando essa cessão legal.
Como ficam, em sua opinião, os grandes mandatários em meio à confusão, a exemplo da própria presidente da Petrobras, Graça Foster?
Ficam numa situação incômoda, pois é difícil provar que não sabiam de nada. A compra de Pasadena foi feita na gestão Dilma como presidente do Conselho de Administração. Ela rejeitou a compra da segunda parte da refinaria, o que resul­tou na ação judicial em que a Petrobras perdeu mais de 600 milhões de dólares; Graça Foster era diretora de Gás e Ener­gia. Gabrielli presidente...
A Aepet todos os anos participa da AGO (Assembleia Geral Ordinária de Acionis­tas), faz denúncias e alertas à direção, desaprovando as Demonstrações Contá­beis. Na AGO de 2014, denunciamos, en­tre outros: o estrangulamento financeiro ilegal da Petrobras; os contratos de obras por EPC, pacote coordenado por um úni­co consórcio, como retrocesso de mais de 40 anos e que facilita todo o tipo de irre­gularidades, além de reduzir a confiabi­lidade e a segurança da instalação; a ter­ceirização que já supera os 360 mil em­pregados, pondo em risco a sobrevivên­cia da Companhia; a forma de contrata­ção e a condução das obras das refinarias Abreu Lima e Comperj; a venda de ativos para fazer caixa, sem um processo trans­parente; a compra de projetos no exte­rior, em detrimento das empresas nacio­nais. Ficamos sempre sem resposta.
Sabemos que as empreiteiras cartelizam enorme gama de setores, programas e obras em nosso país. Essa prisão dos executivos de empreiteiras indica, a seu ver, que peças possam estar começando a se mover no sentido de desmascarar a promiscuidade público-privada do Brasil?
Acho que agora temos a grande chan­ce de reduzir drasticamente e até erra­dicarmos a corrupção. Afinal, os corrup­tores foram identificados e presos, o que gera uma grande esperança. Mas não podemos nos acomodar. É preciso que a sociedade organizada se mobilize pa­ra pressionar por providências enérgi­cas da Justiça, do governo e do próprio Legislativo. São necessárias, por exem­plo, a reforma política que elimine os fi­nanciamentos de campanhas e a adoção do Projeto de Lei de Iniciativa Popular, que propõe mudanças excelentes na for­ma das eleições, mas vem sendo ignora­do por todos os políticos. Tudo isso pre­cisa ser cobrado pela sociedade para não cair na vala comum.
Segundo notícias veiculadas pela mídia, o esquema na Petrobras já estaria funcionando há 15 anos. Nesse contexto, como você situa a direita tradicional nos atuais episódios e os seus discursos recentes de moralização pública?
O esquema funciona desde os gover­nos militares, segundo publicações re­centes do histórico dessas empresas. Perpassou os governos Sarney, Collor, Itamar e FHC e chegou aos governos pe­tistas. Aliás, o segundo escalão da Petro­bras veio do governo FHC, sendo pou­co alterado. A direita faz um discurso de falsa moralização.
No governo FHC, vimos a mudan­ça da Ordem Econômica do Capítulo V da Constituição, que feriu gravemente a nossa soberania; a Privataria Tucana vendeu estatais como a Vale, a Telebras por valores irrisórios, verdadeiras doa­ções; a entrega do segundo maior ban­co brasileiro, o Banespa, para o Santan­der, pertencente ao grupo Rotschild, do­no das petroleiras, incluindo a Repsol, foi outro escândalo; a troca de ativos da Petrobrás com a Repsol para privatizar a Refinaria Refap deu prejuízo de US$ 2 bilhões à Petrobras.
Só que os órgãos fiscalizadores, como o Ministério Público e a Polícia Federal, eram tolhidos de investigar. Havia ainda o Engavetador Geral, que garantia a im­punidade. As denúncias e cobranças são necessárias e até importantes. O discurso que é hipócrita.
Com que clima começará, em face do exposto, o segundo mandato de Dilma? Já começou o cerco da oposição de direita?
Como falei na primeira pergunta, a Dil­ma estará muito acuada. E ela é medro­sa, não tem o peso do Lula para supor­tar pressões. Cede mais fácil. Portanto, já que ela foi eleita e vai governar por mais quatro anos, temos de fazer uma pres­são para contrapor essa direita nacional, oportunista, os corruptos do Congres­so e as pressões do “mercado” externo – opressor e poderoso – contra ela e o país.
Como esse clima poderá afetar o futuro da empresa? O que você mais temeria, nesse sentido?
A corrupção é um câncer com caracte­rísticas de AIDS: o que mata o paciente são as doenças oportunistas. E no pre­sente temos os oportunistas do cartel internacional do petróleo, que quer ti­rar a Petrobras da condição de opera­dora única do pré-sal. Usam os mesmos argumentos que derrubaram Getúlio e Jango: mar de lama, corrupção. E ain­da os oportunistas que querem abrir a entrada de empresas externas para exe­cutar as nossas obras. Além de arrasar a nossa engenharia, isso iria estourar as contas externas com mais remessas de lucros para aumentar o déficit em tran­sações correntes.
Eu acho que vai melhorar para a em­presa, que tem sido uma vítima desse processo, e para o país. A punição dos corruptos poderá eliminar a relação pro­míscua que a tem atrapalhado. Isto ocor­rendo, poderemos ter um salto econô­mico e tecnológico com o aproveitamen­to correto do pré-sal. Tenho mostrado o exemplo da Noruega, que de segundo país mais pobre da Europa, após a des­coberta do petróleo, em 1970, se tornou o país mais avançado do mundo, com o melhor IDH nos últimos cinco anos, me­lhor bem estar social e a segunda melhor renda per capita. Só com o bom uso do petróleo.
Nós, além de termos petróleo em quan­tidade mais de dez vezes superior que a deles, temos inúmeras outras riquezas. O que vem nos atrapalhando são a corrup­ção e a má governança.
Acredita na possibilidade de que todos esses acontecimentos possam culminar em um processo de impeachment? Você creditaria uma tal possibilidade como uma tentativa golpista, a exemplo até mesmo de recentes ‘golpes brancos’ a la Paraguai e Honduras?
A ameaça existe, claro. Como país mais rico e viável do planeta, somos objeto de enorme cobiça internacional. Mas eu não acredito que consigam, visto que os argu­mentos são muito fracos e a oposição que seria parte do esquema tem uma moral muito vulnerável. E nossas instituições, embora com algumas mazelas, são muito sólidas. O nosso povo está ficando cada vez mais esperto e consciente. Isso é fun­damental para a resistência.
O que acredita que possa ocorrer nas ruas em 2015?
Há uma tese, levantada por um jo­vem numa das minhas palestras pelo Brasil, que acho interessante. Disse ele, após minha exposição das ameaças so­bre nossas riquezas: “professor, o povo nas ruas em junho 2013 não seria uma armação da CIA para intimidar a Dilma e levá-la a entregar o campo de Libra?”. Dá pra pensar, pois o movimento se ini­ciou nas redes sociais pegando carona num protesto de tarifas; comandaram o processo duas organizações internacio­nais: Anonymous e black blocks, ambas com atuação em todo o mundo e suspei­tas de serem braços da CIA. Quando o leilão se encerrou, eles partiram para a violência e espantaram os jovens, liqui­dando o movimento. Assim, temos que incentivar os jovens a voltar às ruas, sem quebra-quebra e sem black blocks, para exigir o fim da corrupção e a mora­lidade na gestão pública. Além de efici­ência da Justiça.
E o que pensa que pode ser uma atuação efetiva dos movimentos populares e também de partidos da esquerda a partir de agora, inclusive as alas mais progressistas do PT?
Os movimentos e as redes sociais são instrumentos muito importantes para o resgate da soberania, da cida­dania e da defesa das nossas riquezas. Acho que os partidos que defendem as nossas riquezas para o bem do po­vo devem procurar ganhar a confian­ça dos jovens, ajudando a esclarecê­-los, no sentido de que o Brasil tem to­das as condições de ser um país desen­volvido, sem desigualdades, sem po­breza, sem analfabetos e sem corrup­ção, sendo o mais rico e mais viável do planeta. Isto possibilitará um grande salto de qualidade na melhoria de vi­da do nosso povo. O país não pode se­guir subdesenvolvido. Temos as maio­res riquezas do planeta.
Gostaria de acrescentar o seguinte: há cerca de 10 anos, a empresa de audi­toria Price Waterhouse & Coopers, nor­te-americana, faz a auditoria da Petro­bras, com acesso a todos os dados da companhia. Há uns cinco anos, ela pas­sou a ser também a encarregada do pla­nejamento estratégico da companhia. Assinou o balanço dos dois primeiros trimestres, inclusive. Como aceitar que ela, agora, se exima de assinar o balan­ço, eximindo-se de qualquer culpa? Pa­ra que serve uma auditoria? Onde es­tá a sua responsabilidade? Regiamen­te paga, ela não faz a sua tarefa e depois corre da raia. É aceitável isto?
Outra questão: a empresa Boston Group é responsável pelo Planejamento Tático Operacional da Petrobras e tam­bém tem acesso a todas as suas informa­ções. Como ela não detecta as irregulari­dades? Qual a vantagem de a Petrobras ter essa função entregue a outra em­presa alienígena? Para os EUA é ótimo: acesso total às entranhas da Petrobras.
No Centro Integrado de Dados da Pe­trobras, empresas norte-americanas (50% do total) trabalham operando e três outras fazem a criptografia dos da­dos. O software que roda os dados de ex­ploração e produção é da Halliburton. As empresas estadunidenses permeiam os pontos chaves da Petrobras. Assim, a ad­ministração dela está não só privatiza­da como também desnacionalizada. Po­de ser uma contribuição proposital para desmontá-la. E ainda tem inocentes úteis defendendo a privatização. Não conside­ram que as maiores corruptas e corrup­toras mundiais são as empresas priva­das internacionais. Assim, é fundamen­tal reverter essa desnacionalização junta­mente com a terceirização. É preciso “re­estatizar” a administração e a operação da Petrobras. E parar com os leilões, que não têm sentido. Para o bem do país e do povo brasileiro. (Correio da Cidadania)

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