Piketty e a desigualdade de rendas no Brasil: A quanto andamos?

A desigualdade de renda de um país está intimamente atrelada à forma e as condições pelas quais o mercado absorve a mão de obra.

José Carlos Peliano (*)
Arquivo

O economista francês Thomas Piketty, autor conhecido por sua obra O Capital no Século XXI, em passagem pelo Brasil discorre sobre o nível de desigualdade do mundo e da economia brasileira.

Munido por informações selecionadas de alguns países, informa em sua avaliação que a desigualdade persiste em vários países e talvez em níveis bem maiores do que em outros tempos. 


Pesa significativamente o fator patrimonial e familiar que transfere de pais para filhos e netos, e assim sucessivamente, os estoques de riqueza e de direitos, os quais conformam os perfis da desigualdade de rendas entre indivíduos, famílias e domicílios.

O mesmo se dá no caso do Brasil, embora os dados disponíveis não permitam ainda uma análise pertinente e mais cuidadosa por parte dos estudiosos. O que não impede, no entanto, que uma avaliação indireta possa ser feita pelos lucros publicados na mídia de empresas, bancos, financeiras e demais companhias nacionais.

Os percentuais de lucros anuais dessas organizações têm sido, em geral, superiores ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e da renda per capital do brasileiro. O que leva a crer que a desigualdade patrimonial se mantém em nível elevado.

Os dados fornecidos pelo IBGE, tanto do Censo Demográfico, quanto das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD), indicam uma queda da desigualdade em relação às rendas individuais, familiares e domiciliares. Na maior parte das respostas individuais fornecidas pelos informantes a renda indicada é a do trabalho. Aquela obtida ou pelo empregado, ou pelo empregador ou pelo autônomo, desde o ambulante ao profissional liberal.

Tomando por base, então, essas duas fontes de informação, IBGE e balanços publicados na mídia, depreende-se que a desigualdade da renda do trabalho recua nesses últimos anos, mas provavelmente não, ou nem tanto, a distribuição funcional da renda, ou seja, a comparação entre salários pagos e lucros auferidos.

O que importa saber é se os movimentos dos indivíduos das faixas mais baixas para as mais altas de renda vêm acontecendo de maneira significativa e se os diferenciais de renda (entre salários, rendimentos de autônomos, retiradas de sócios, distribuição de lucros, apropriação de dividendos, entre outros) estão reduzindo entre si.

Esses dois tipos principais de movimentos da distribuição de renda são os pilares centrais para a análise criteriosa e objetiva da desigualdade. Um exercício realizado por mim com os dados disponíveis do IBGE foi levado a termo emhttp://tomemnota.blogspot.com.br/2014/11/movimentos-das-distribuicoes-de-renda.html(resumo do estudo feito para o NEPP/ Unicamp disponibilizado em português) ehttp://tomemnota.blogspot.com.br/2014/11/income-distribution-movements-case.html (o mesmo texto em inglês).

Neste estudo, fica demonstrado que as transferências sociais de renda efetuadas pelos programas de governo, como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, PRONATEC, entre outros, de fato e verdadeiramente propiciaram uma melhoria evidente nos ganhos de renda de indivíduos, famílias e domicílios. Boa parte do recuo da desigualdade nos últimos 12 anos a eles se devem.

Já a educação, como preconiza Piketty e outros, não atingiu o resultado esperado de possibilitar melhores ganhos e consequentemente ascensão ocupacional e/ou social dos indivíduos em seu conjunto. Não é a educação sozinha que garante aos trabalhadores uma passagem carimbada para subir na escala profissional.

A educação apenas fornece uma credencial para que o trabalhador venha a procurar uma vaga de trabalho no mercado. Este, no entanto, e somente este, é quem dá as cartas não só na contratação quanto na promoção posterior. As escalas de salários e as estruturas ocupacionais já estão definidas com anterioridade pelas empresas. Para essas escalas profissionais é que irão se apresentar os trabalhadores recém formados ou não.

No caso do Brasil nos últimos anos foi o tempo de trabalho que  forneceu aos trabalhadores maiores níveis de renda no mercado e não o tempo de estudo. Não adianta estudar muito para obter ganhos superiores de renda; adianta sim ter conhecimento da profissão obtido pelo seu exercício contínuo na empresa. Vale mais conhecimento, experiência e competência do que livros, salas de aula e diplomas.

A crítica feita por Piketty sobre a auto-declaração de rendas nos dados do IBGE igualmente vale para as informações fiscais. A sonegação de dados talvez seja até maior nas declarações de renda apresentadas à Receita Federal. O que significa que o tamanho exato da desigualdade será quase impossível conhecer. Isto em qualquer país do mundo.

O fato concreto mostrado no estudo acima citado é que a desigualdade de renda está intimamente atrelada à forma e as condições pelas quais o mercado absorve mão-de-obra. Como no Brasil cerca de 80% da força-de-trabalho é composta de empregados e empregadores, é esta a relação de trabalho predominante.

Nesta relação, com raras e honrosas exceções, a escala de salários e a estrutura ocupacional já vem definida pelos empregadores, logo os diferenciais de salários e as distinções de tarefas, funções e/ou ocupações já estão também pré-estabelecidos. Assim, sem tirar nem por, pode-se afirmar com toda a certeza de que a distribuição de renda na sociedade tem a marca das organizações empresariais, sejam elas quais forem.

Uma vez alocados os trabalhadores nas empresas em suas respectivas faixas salariais e estruturas ocupacionais, ou seja, a parte digamos trabalhista, o que sobra de renda são os ganhos empresariais sob a forma de lucros, juros, dividendos e outros, ou seja, a parte digamos patrimonial. Todo este sobre-valor patrimonial é aquinhoado aos donos do capital sob as várias formas expressas na sociedade.

Pois bem, os dados do IBGE mostram que a parte trabalhista vem apresentando um recuo da desigualdade: os mais pobres melhoram de renda juntamente com um aumento dos grupos de classe média baixa em contraposição a uma pequena diminuição dos grupos de mais altas rendas. Já a parte patrimonial é de avaliação imprecisa pois não há dados formalmente disponíveis. Apenas sondagens indiretas.

Chama a atenção, no entanto, que persiste uma rigidez estrutural na distribuição da renda no país. Enquanto os diferenciais de renda mostram redução de tamanho, o mesmo não acontece com os grupos detentores dessas rendas. Ou seja, esses grupos permanecem mais ou menos com tamanhos relativos semelhantes desde 1960. O que significa que a mobilidade ocupacional que predomina é aquela de substituição: somente os que se aposentam, adoecem e morrem cedem lugar aos entrantes ou os que esperam subir na carreira.

Não vai ser mais e melhor educação, programas sociais, aumentos diferenciados de rendimentos, entre outras medidas, que derrubarão essa barreira da estrutura ocupacional do mercado. Afinal, essa estrutura junto com a escala salarial fazem parte dos planos de negócios das empresas, os quais apontam para as taxas de lucratividade pretendida. Se o padrão consolidado de ganho empresarial não se altera, não há como atenuar mais a desigualdade de renda na sociedade, nem no Brasil, nem em lugar algum.


(*) Economista




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