Najla Passos: OAB aposta em lei popular para reforma política


Najla Passos
Na Carta Maior

Brasília - O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius
Furtado Coêlho, está convicto de que a reforma política é prioridade para o país. “A
sociedade não vai admitir mais uma legislatura sem a reforma política”, justifica. E
para que ela supere os impasses que vem acumulando ao longo dos anos,
principalmente devido às divergências entre os partidos, ele defende uma fórmula
nova, encapada não só pela OAB como também por mais de 100 entidades
brasileiras que se uniram na “Coalisão pela Reforma Política”.

Nada de plebiscito, referendo ou constituinte, como o país vem debatendo desde
os protestos de junho de 2013. Para o presidente da Ordem e esse conjunto de
entidades, o caminho é apostar em um projeto de lei de iniciativa popular, nos
mesmos moldes da Lei da Ficha Limpa, que consiga agregar apoio suficiente para
obrigar o Congresso a viabilizá-lo. “A iniciativa popular de leis é o caminho para
atrair a participação da sociedade”, avalia.
Segundo ele, o projeto de lei, que já circula pelo país em busca dos quase dois
milhões de assinaturas necessárias para protocolá-lo no Congresso, não é perfeito
e nem definitivo, mas aponta soluções criativas e conciliadoras. Considerando que
o STF irá determinar a proibição do financiamento das campanhas por empresas,
ele aponta alternativas para outros aspectos centrais e polêmicos da reforma,
como a definição do sistema de votação dos parlamentares e o cerco aos partidos
de aluguel.
Confira a entrevista completa:
Carta Maior - A OAB entrou com ação direta de inconstitucionalidade no STF questionando
o financiamento privado de campanhas, encaminhou ao Congresso um projeto de lei
propondo a reforma política e, agora, se uniu a mais de 100 entidades e está colhendo
assinaturas para viabilizar um projeto de lei de iniciativa popular sobre o tema. Por que esta
reforma é tão importante?
Marcus Vinícius Furtado Coêlho- Nós entendemos que esta é uma causa prioritária
para a nação brasileira: realizar a reforma política para que tenhamos eleições
acessíveis, com custo menor, em que o sistema seja compreensível e as
disfunções hoje existentes sejam superadas. A reforma política é tão importante
que todos os candidatos à presidência da república nas últimas eleições se
comprometeram a realizá-la. Então, este compromisso de todos os candidatos, que
hoje são ou presidente da república ou líderes no congresso, têm que ser cumprido.
Porque uma campanha eleitoral serve também – e principalmente – para que os
candidatos assumam compromissos com a sociedade. E este compromisso com a
reforma política ficou muito claro na campanha eleitoral.
CA - De todas essas frentes em que a OAB atua, em qual a efetivação da reforma política
tem melhor perspectiva?
MVFC – Nós, da OAB, ingressamos com uma ação direta de inconstitucionalidade
no STF para afastar o investimento empresarial em candidatos e partidos. Agora,
estamos acreditando que a iniciativa popular de leis é o caminho para atrair a
participação da sociedade. Fazer de forma semelhante ao que ocorreu com a Lei da
Ficha Limpa: a mobilização social, por meio do projeto popular de leis, fez o
Congresso Nacional não só aprová-la, como aprovar por unanimidade um projeto
em que poucos acreditavam, dada a realidade no Brasil. Então, é preciso acreditar.
É preciso ter fé nas instituições e de que os homens públicos precisam se
conscientizar de seu papel. A sociedade não vai admitir mais uma legislatura sem
a reforma política.
CM - O senhor falou que todos os candidatos se comprometeram com a reforma política.
Mas a maioria deles não explicou exatamente com qualreforma política seria este
compromisso. Tem uma linha no programa de um, alguns parágrafos genéricos no
programa do outro. Então, como cobrá-lo sabendo que os partidos têm propostas
divergentes sobre este tema que vem sendo debatida há mais de 10 anos, sem solução?
MVFC - Dois são os pontos fundamentais para a reforma política. Primeiro, o
financiamento de campanha. O segundo é a forma de eleição dos parlamentares.
Além de um terceiro ponto, que seria a quantidade de partidos no Brasil. Esses,
talvez, sejam os três pontos de que todos falam com muita frequência. Quanto ao
financiamento, o STF vai resolver a matéria. Já tem maioria anunciando que não
pode ter investimento empresarial, que as empresas não podem escolher
candidatos e partidos. Então, agora é definir o que será feito a partir daí. A doação
de cidadãos, de pessoas físicas, é uma hipótese, é uma defesa.
Quanto à forma de escolha dos parlamentares, são duas propostas principais: uns
defendem o voto em lista e os outros o voto distrital misto. A nossa proposta é
algo que se poderia se enquadrar como meio termo. Algo que busca absorver
aspectos positivos das duas outras. Nós entendemos que, primeiro, tem que ter o
voto em lista transparente no 1º turno das eleições. Cada partido apresentaria a
lista dos seus candidatos, o eleitor votaria naquela lista e escolheria e definiria
quantos parlamentares cada partido obteria. Depois, no 2º turno, o eleitor pode
alterar a ordem da lista dos candidatos. Você dá ao eleitor a oportunidade de fazer
também a sua escolha direta. Então, você vota em partido no 1º turno e em
candidatos no 2º turno. Uma eleição proporcional em dois turnos é a proposta que
a OAB defende.
CM – Quais mudanças objetivas no sistema eleitoral essa alteração provoca?
MVFC - Estimula que os partidos façam campanhas partidárias, com programas,
com projetos. E que o povo, ao votar, saiba em quem está votando, porque, no
sistema atual, o povo vota em um e elege outro. Mas eu quero registrar que nós
participamos deste debate sem também querer ser dono da verdade, e
compreendendo que não é um sistema perfeito, que resolva todos os males, nem
um sistema que seja universal e eterno. Ou seja, cada sistema deve se adequar a
realidade de cada país. Nós apenas entendemos que o que se faz necessário é
construir um sistema que estimule as boas práticas na política, que estimule o
debate programático de ideias, que estimule a formação, a votação em ideias e
projetos. E o sistema atual desestimula tudo isso. Ele estimula gastos milionários,
estimula campanhas hollywoodianas, estimula a briga interna partidária e
desestimula o debate de ideias. É preciso construir e pensar nessas alternativas. O
importante é que o tema esteja em pauta e que haja uma reforma política, porque
efetivamente não podemos continuar no sistema atual. E isso é consenso. Então, é
preciso que a sociedade se mobiliza. É isso que a OAB, a CNBB e mais de 100
entidades em torno do movimento de combate à corrupção eleitoral estão
apoiando.
CM - Há propostas consensuais para a reforma política?
MVFC - A criminalização do caixa dois de campanha, por exemplo, parece que é
consensual entre todos os partidos. É um tema que precisa entrar na reforma,
como também o estabelecimento de teto por lei para gastos em campanhas me
parece algo que possa ser construído. O próprio fim da reeleição, com mandato de
5 anos, é outra construção que talvez possa ser feita com unidade, que vem
ganhando cada vez mais espaço. Então, você pode sim construir a reforma política,
em muitos pontos melhorando o cenário e, naqueles pontos polêmicos,
submetendo à votação. O voto em lista ou o voto proporcional misto, qualquer um
dos dois é melhor do que o sistema atual. O candidato Aécio Neves defendeu o
voto proporcional misto, que é o modelo da Alemanha. A candidata Dilma Rousseff
defendeu a proposta de voto em lista, como ocorre na Europa ocidental quase
toda. O voto no Brasil, uninominal e proporcional, é uma jabuticaba. Só existe aqui
isso de você votar em uma pessoa e eleger outra.
CM - Inclusive de outros partidos com ideologias opostas....
MVFC - Sim, inclusive de partidos coligados. Pode acontecer que você vote, por
exemplo, em um candidato do Partido Verde (PV) e acabe elegendo um candidato
que considera que a proteção ecológica não seja fundamental. É possível que você
vote em um partido que defenda ideologicamente o direito dos homoafetivos e
acabe ajudando a eleger um coligado mais ligado às igrejas, por exemplo, que não
concorda com essa tese. Isso está na raiz do sistema. E todos concordam que o
sistema tem que mudar. As mudanças podem ser diferentes, mas a que vier já
será melhor que o sistema atual. Fazer a reforma política será melhor para o Brasil
e nada será definitivo também. É fazer uma reforma, experimentar nas próximas
eleições, ver como funciona e o que tiver equivocado continuar mudando. O que
não pode é, em cada legislatura, todo mundo falar que é preciso reforma política e
ninguém fazer.
CM - O que a OAB propõe sobre o número de partidos?
MVFC - É necessário, primeiro, acabar com esses estímulos de hoje às coligações
negociadas para tempo de televisão. No nosso projeto de lei, a gente faz com que
as coligações não somem tempo de televisão e não somem recursos para
campanha. Só isso já irá fazer com que os partidos ditos de aluguel não tenham
interesse. Ninguém vai coligar com ninguém por interesse em estrutura. E é uma
reforma simples. Porque acabar com as coligações, que é uma outra fórmula, é
muito mais polêmico. Você pode não conseguir, porque tem que emendar a
constituição federal, que prevê as coligações. Mas nosso projeto acaba com o
troca-troca de tempo de televisão e recursos partidários. Só isso já vai fazer com
que as coligações percam seus interesses pragmáticos. Só fará mesmo coligações
quem tiver interesses ideológicos, republicanos e sociais, porque os interesses
materiais deixaram de existir.
CM – Por que a OAB não é favorável à realização de uma constituinte para fazer a reforma
política?
MVFC - A nossa proposta de projeto de lei não altera a Constituição Federal, e é
isso é importante registrar. É uma proposta dentro do marco constitucional
brasileiro. A OAB não é favorável a uma constituinte. Nós achamos que a
constituinte é desnecessária e arriscada. Desnecessária porque o projeto de
reforma política pode ser feito sem alterarmos a constituição, com grandes
mudanças. E arriscada porque uma constituinte tem em si o aspecto de ser um
poder originário, um poder independente. Quem iria controlar a constituinte? Os
constituintes poderiam dizer, por exemplo, que a censura durante o período
eleitoral seria permitida. Ou estabelecer pena de morte para o político corrupto.
Enfim, são vários temas preocupantes que poderiam vir de uma constituinte.
CM - Este risco tem a ver com o perfil conservador do atual congresso?
MVFC – Esses constituintes seriam eleitos no atual sistema eleitoral. Os atuais
vícios hoje existentes para a eleição do congresso seriam repetidos para a eleição
da constituinte. Nós entendemos que é preciso fazer a reforma no Congresso
Nacional com a participação popular. É por isso eu a OAB e a CNBB, com mais de
100 entidades da sociedade brasileira, estão reunidas nesta coalisão pela reforma
política, colhendo assinaturas para o projeto de lei de iniciativa popular.
CM – O plebiscito proposto pela presidenta Dilma ou o referendo contraposto por outros
partidos não são alternativas?
MVFC - O plebiscito e o referendo são duas formas de participação social, tal como
é a iniciativa popular de leis. São três formas que a Constituição prevê. E nós
entendemos que, para iniciar o processo legislativo e para que este tema seja
debatido, o melhor é a iniciativa popular de leis. A experiência que tivemos após
as manifestações do ano passado é que a discussão do plebiscito ou referendo,
logo no início, empatou a discussão do conteúdo. Na nossa opinião, o mais
importante agora é discutir o conteúdo da reforma política e, só no final do
processo, decidir se faremos ou não uma consulta mais ampla à população
brasileira.
CM - A ação que a OAB ingressou no STF desde 2011 já formou maioria de votos pelo fim
do financiamento das campanhas pelas empresas, mas foi suspensa devido a um pedido
de vistas formulado pelo ministro Gilmar Mendes, há mais de sete meses. Há expectativas
concretas de que o julgamento seja concluído em curto prazo?
MVFC - Nós entendemos que os ministros do Supremo têm direito a pedir vistas.
Isso faz parte do regimento. Contudo, diante da importância do tema para a nação
brasileira, da premência do que esse resultado seja conhecido o quanto antes, até
mesmo para que a reforma política seja conformada por ele, nós fazemos um apelo
ao STF que possa, o quanto antes, preferencialmente ainda este ano, concluir o

julgamento.

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