José Steinsleger: Sobre a fúria direitista na América Latina
Mario Vargas Llosa |
José Steinsleger, La Jornada
A democracia com adjetivos percorre caminhos novos na
América Latina. Nunca
aconteceu algo igual. Vamos identificá-la: socialista,
bolivariana, cidadã,
plurinacional, populista, progressista… Interessa debater
qual seria a mais
avançada ou sublinhar que todas foram estabelecidas pelas
urnas, impulsionando
projetos de transformação social que deixam para trás épocas
menos afortunadas?
Imprevisível e complexa, a reacomodação das forças políticas
e econômicas em
escala global sugere a necessidade de apontar as conquistas
alcançadas. Por
conseguinte, vitórias eleitorais como as do Brasil, Bolívia
e Uruguai mereceriam
ponderações menos mesquinhas que seu aparente caráter
pirríquio. Somam-se a
processos similares que surgem no horizonte (Venezuela,
Equador e Argentina),
que poderiam entrar em uma etapa de estabilização após a
crise econômica
mundial.
Mas o inusitado radica nas potencialidades emancipadoras dos
processos que, da
América do Sul, transmitem fortes mensagens democráticas aos
mais castigados
do México e da América Central. Quadro colorido, em suma,
que começa a dar
conta de realidades sociais de múltiplas facetas e de
alianças políticas dispostas a
canalizar reivindicações, reclamações e direitos soterrados
em 200 anos de
frustrações republicanas.
No campo oposto, a velha ordem conservadora, que ontem
criticava a escassa
disposição democrática dos representantes dos povos na lita,
e hoje deplora o fato
de conquistarem com suas próprias regras espaços de poder.
Fenômenos que em
certas esquerdas acadêmicas (teimando em marcar as
diferenças entre revolução e
reformismo e em mudar o mundo, mas totalmente inúteis para
mudar um simples
plano de estudos) também são causa de mau humor, confusão e
irritação.
Em alguns sites insurgentes, essas esquerdas (do século XX?)
que anunciam o fim
do ciclo progressista ou a iminente chegada da revolução
anticapitalista subjaz um
modo de ver as coisas que, paradoxalmente, subestima as
forças vivas da velha
ordem sistêmica. Ordem que sem discurso e sem projeto conta
ainda com
inteligência e poder para restaurar seu poderio. E que para
consegui-lo aglutina
informalmente um emaranhado de meios de comunicação e
consultorias políticas, o
chamado crime organizado e empresas de mercenários, gangues
e assassinos
recrutados nos pântanos do modelo neoliberal. Vejamos alguns
casos.
Em escala continental (e fora das esquerdas) nenhum campeão
da ética e da moral
republicana se afastou das declarações de Mario Vargas Llosa
quando ele incitou a
execução do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro
(entrevista ao jornalista
Jorge Ramos, 22 de setembro de 2014, ver vídeo abaixo).
Declaração que assusta
menos do que o silêncio dos que asseguram não concordar, mas
que ele tem o
direito de pensar diferente.
No Equador, o jovem Mauricio Rodas (quem chegou à prefeitura
de Quito com o
apoio de muitos inimigos do presidente Rafael Correa)
começou a perder prestígio
após seu suposto consultor, o mexicano Luis Ignacio Muñoz
Orozco, ser acusado
nos Estados Unidos de lavar dinheiro para o cartel de
Sinaloa. Rodas é bem
conhecido no México e é interessante revisar lista de
mexicanos que estão na
Fundación Ethos, que em seu site se apresenta como
laboratório de ideias
(Proceso, número 1983, 2/11/14).
Na Argentina, o jornalista Jorge Lanata (figura de proa do
outrora progressista
jornal Clarín, salpicado atualmente com sangue dos
torturados e desaparecidos da
ditadura militar) causou comoção ao humilhar o menino Casey
Wander (11 anos)
por ele ter manifestado em uma entrevista casual seu apoio
ao kirchnerismo, com
precisão e entusiasmo. O vídeo se tornou um viral. Então,
Lanata (apresentador de
um programa de televisão de grande audiência) o criticou
publicamente dizendo
que seus pais estavam estragando o menino. Cabe recordar que
Clarín e Lanata
são as vítimas preferidas da Sociedade Interamericana de
Imprensa (SIP) que, em
suas reuniões semestrais condena a ausência de liberdade de
expressão na
Argentina.
No Chile, o ex-capitão do exército Augusto Pinochet
(Molina), neto do ditador,
anunciou a criação de um partido que espera consolidar como
uma nova alternativa
(sic) na política do país andino, e que teria como nome
Orden Republicana mi
Patria (Ordem Republicana minha Pátria), entidade
patriótica, libertária e
conciliador que qualifica como fatos pontuais as violações
dos direitos humanos
cometidas entre 1973 e 1990.
Segundo Pinochet Molina, “…a ideia é expor uma nova opinião
(sic); uma direita
mais direita, sem nenhuma vergonha do que somos”. O site da
Avanzada Nacional
assegura que no ano passado foram reunidas mais de 20 mil
assinaturas para
registrar o novo partido político na região do Biobío.
(*) Escritor e jornalista argentino residente no México.
Colunista do La Jornada
Tradução: Daniella Cambaúva
Comentários