Henrique Fontana: terceiro turno é inaceitável
Marco Aurélio Weissheimer
na Carta Maior
Porto Alegre - “Como estadista que é, a presidenta Dilma
está certa quando chama
o país para o diálogo. Nós vamos dialogar com quem está a
fim de dialogar. Agora,
quem está propondo um clima de terceiro turno não quer
dialogar. E nós não temos
como dialogar com quem não quer dialogar, com quem expressa
intolerância saindo
às ruas para defender coisas como impeachment e intervenção
militar. Esses
setores se colocam fora do espectro do diálogo”. A avaliação
é do deputado federal
Henrique Fontana (PT-RS), líder do governo na Câmara dos
Deputados que, em
entrevista à Carta Maior, analisa o cenário político
pós-eleições, a tentativa de
setores da oposição de criar um clima de terceiro turno, o
futuro do debate sobre a
Reforma Política, a relação com o PMDB no Congresso e a
eleição para a
presidência da Câmara.
Como a agenda da Reforma Política sai do processo eleitoral
e da nova conjuntura
resultante dele, com a eleição de um Congresso Nacional com
perfil mais conservador que
o atual? Ficou mais difícil a vida da Reforma Política?
Henrique Fontana: As dificuldades que sempre houve para
votar uma Reforma
Política têm a ver com o fato de que essa reforma mexe com o
alicerce da estrutura
de todo o poder político-institucional do país. É por isso
que é tão difícil votar a
Reforma Política. Essa dificuldade continua a mesma. Por
outro lado,
paradoxalmente, nunca estivemos tão bem posicionados neste
debate. Nunca se
debateu tanto a Reforma Política no Brasil como hoje. Se
voltássemos quatro ou
cinco anos e falássemos em proibir a doação de empresas para
campanhas
eleitorais, talvez boa parte de nossos interlocutores não
compreendesse a
importância disso. Hoje, muito mais gente compreende e tem
opinião sobre esse
tema. Então, houve um avanço das nossas posições. Na
primeira semana depois
da eleição, só eu recebi três convites para participar de
debates sobre a Reforma
Política.
Por esse aspecto eu diria que aumentou a chance dela
ocorrer, sempre com o
aumento da pressão da sociedade sobre o Congresso. Eu não
tenho uma
expectativa, evidentemente, que dentro do Congresso a
virtuosidade aponte
naturalmente para o caminho de um sistema político mais
democrático, mais
participativo e que combata o abuso do poder econômico. O
Congresso, pelo perfil
que saiu das urnas, tende ao conservadorismo onde ele sempre
esteve. Mas como
a sociedade parece começar a entender o prejuízo causado por
esse sistema
eleitoral para a democracia brasileira e para a gestão
pública do país, creio que
cresce a possibilidade da reforma acontecer.
Outra variável importante é que temos uma presidenta da
República que está
muito decidida a incentivar a Reforma Política. É importante
lembrar que ela não
tem o poder constitucional de fazê-la. Seja a proposta do
plebiscito, seja a
votação do projeto Eleições Limpas que é apoiado por 72
entidades das mais
representativas da sociedade, ou a votação de uma lei para
instituir uma
Constituinte Exclusiva para a Reforma Política, esses três
caminhos dependem do
Congresso Nacional. Mas a decisão da presidenta de colocar a
Reforma Política
como a grande prioridade de seu governo amplia a nossa
potência.
Entre os três caminhos citados acima (Plebiscito, Projeto
Eleições Limpas e Constituinte
Exclusiva), qual é, na sua opinião, o melhor para fazer a
Reforma Política sair do papel?
HF: Sobre esse ponto tenho dito, num sentido figurado, que
estamos diante de
três frutos e devemos cuidar dos três. O primeiro que
amadurecer, vamos saboreá-
lo. O Congresso parece querer fugir da proposta do
plebiscito como o diabo foge da
cruz, o que é um mau sinal. A ideia de plebiscito deveria
fazer parte de nosso
cotidiano. É um mecanismo de democracia direta que deveria
ser mais usado no
Brasil. O Uruguai acabou de fazer um plebiscito na eleição
presidencial para decidir
sobre a maioridade penal. Se o Congresso ampliar sua
resistência ao plebiscito,
podemos priorizar a votação do Eleições Limpas, que é um
excelente projeto de lei.
Ele resolve quase todos os problemas do financiamento
eleitoral e resolve muitos
dos problemas da forma como se vota para deputado,
instituindo o sistema de
votação em dois turnos que garante, em um primeiro momento,
um voto mais
programático e depois dá a chance ao eleitor de escolher um
nome da sua
preferência.
Outra possibilidade é a votação da PEC 352, defendida pelo
atual presidente da Câmara,
Henrique Eduardo Alves, e relatada pelo deputado petista
Candido Vaccarezza, que, para
muita gente, é uma espécie de anti-Reforma Política.
HF: Sim, há uma iniciativa de alguns setores da Câmara para
ressuscitar essa PEC
que, do meu ponto de vista, é sim uma anti-Reforma Política.
Ela quer
constitucionalizar o financiamento de empresas, o que é um
absurdo, lembrando
que o julgamento no STF sobre esse tema já está 6 x 1,
aguardando apenas a
conclusão do voto do ministro Gilmar Mendes. Tenho convicção
que o alicerce mais
perigoso e mais apodrecido da política brasileira é o
financiamento de empresas no
sistema eleitoral.
Passada a eleição, eclodiu uma rebelião no PMDB contra o
governo, que ajudou a derrubar
o decreto da Política Nacional de Participação Social,
ameaça votar a PEC 352 e sinaliza
problemas para a própria governabilidade do segundo governo
Dilma. Até que ponto, na
sua opinião, essa rebelião pode representar um problema
sério para 2015?
HF: Dentro do PMDB há líderes que assumiram uma postura
francamente
oposicionista, contra a reeleição da presidenta Dilma. Esses
setores estão fortes
no PMDB, mas eles vão passar por uma tensão e terão que
tomar uma decisão:
eles querem ou não participar do governo que está eleito? Se
quiserem participar
do governo, terão que ter lealdade e compromisso com esse
governo. O desenho
que está dado até agora indica que teremos uma
governabilidade mais complexa.
Alguns setores mais ligados a uma visão conservadora da
política cresceram e
estão muito contrariados com a derrota eleitoral. A aposta
desses setores,
expressa no artigo que o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso publicou no
último domingo e na entrevista de Gilmar Mendes na Folha de
S.Paulo, é alimentar
um ambiente de terceiro turno. A promessa é de uma pressão
permanente sobre o
governo eleito, beirando o não reconhecimento da vontade
soberana da maioria do
povo brasileiro.
A diferença final no resultado eleitoral foi muito
significativa, considerando a
tentativa de golpe midiático Abril-Veja e seus cúmplices.
Espero que a história do
Brasil ainda conte em detalhes como esse golpe foi
planejado, envolvendo, entre
outras coisas, a distribuição de milhões de panfletos com a
capa da Veja por todo
o país. A eleição estava desenhada para ter uma diferença
entre 8 e 10 pontos e
terminou com uma diferença entre 2 e 3 pontos por conta
desse golpe na reta final.
O que nós vamos fazer agora, do ponto de vista da construção
da governabilidade,
é conversar com os partidos aliados, compor um governo com
esses aliados e exigir
fidelidade. E devemos ter uma governabilidade com uma
participação maior da
sociedade.
Como estadista que é, a presidenta Dilma está certa quando
chama o país para o
diálogo. Nós vamos dialogar com quem está a fim de dialogar.
Agora, quem está
propondo um clima de terceiro turno não quer dialogar. E nós
não temos como
dialogar com quem não quer dialogar, com quem expressa
intolerância saindo às
ruas para defender coisas como impeachment e intervenção
militar. Esses setores
se colocam fora do espectro do diálogo. Vamos dialogar com
os setores que
apoiam a presidenta Dilma e com todos os outros setores que
estão dispostos a
pensar o país. Junto a esses setores, vamos defender que
algumas reformas
precisam ser aceleradas. A Saúde, por exemplo, precisa
avançar. Para colocar em
prática o Programa Mais Especialidades, precisaremos de mais
recursos. Então, há
uma disputa de renda a ser feita e o espaço onde ela se dá é
dentro da política.
A disputa da pauta do Congresso é algo muito estratégico.
Alguns, por exemplo, já
estão querendo pautar a PEC da Bengala para que a Dilma não
tenha o direito de
nomear os novos ministros do Supremo Tribunal Federal. Isso
é um terceiro turno
inaceitável. Não podemos mudar uma regra destas para
aplicação imediata e
casuística.
Sobre esse tema da pauta do Congresso, gostaria de voltar ao
PMDB. Quais as chances
reais de o governo ter esse partido como um aliado
confiável?
HF: Acho que o PMDB está imerso em um clima de disputa e
tensões. Ele tem um
líder na Câmara que tem dado sinais cada vez mais claros de
uma linha de disputa
com o governo. E tem um vice-presidente da República eleito.
Esse é mais um
sinal da exaustão do sistema político brasileiro.
O PT vai ter candidatura à presidência da Câmara dos
Deputados?
HF: Eu acho muito difícil que a disputa pela presidência da
Câmara tenha menos
que três candidatos. Já está colocada a candidatura de
Eduardo Cunha por decisão
dele e do PMDB, que é legítima e deve ser respeitada, embora
para meu gosto
esteja fazendo uma fala muito crítica ao governo. A
tendência é que surja uma
candidatura da oposição, do PSDB, do Democratas, do PPS ou
talvez até do PSB. E
deve surgir uma terceira candidatura, com probabilidade
grande de ser do PT, que é
o maior partido da Casa e há uma tradição que o maior
partido ocupe a
presidência. Mas temos que estar abertos para todos os
cenários. Estou
defendendo que o PT defina logo o nome que quer apresentar
para a presidência e
dialogue com os aliados e também com a oposição.
Na sua opinião, houve um avanço do conservadorismo neste
processo eleitoral, com a
emergência de uma direita que até então não ousava dizer o
seu nome?
HF: Sim, sem dúvida. Há um grupo de pessoas saindo às ruas,
que ainda é
minoritário, mas deve preocupar. Fazer uma manifestação
pró-impeachment e
defendendo uma intervenção militar uma semana depois da
eleição é uma loucura
do ponto de vista de um sistema democrático, com todos os
problemas que ele
possa ter. É uma demonstração de autoritarismo absurda.
Ninguém vai derrubar o pilar fundamental da democracia. O
voto de todo o cidadão
tem o mesmo valor. O voto de João não vale mais que o voto
de Maria. O voto de
um cidadão sulista vale o mesmo que o de um cidadão
nordestino. O voto de um
rico vale o mesmo que o de um pobre. Talvez seja o único
dia, na sociedade
capitalista, que os cidadãos têm o mesmo valor. E esse é,
como disse, o pilar
fundamental da democracia.
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