Folha de S.Paulo: 2 editoriais, uma só ideologia



Kléber Chagas Cerqueira (*)
na Carta Maior

Dois editoriais da Folha de São Paulo, separados por apenas cinco dias (5 e
9/11/2014), revelam com toda crueza – secamente, poderíamos provocar – qual é o
lado da Folha.
O editorial de 9/11, “Indigência política” é duríssimo. Fala de “um dado chocante:
pela primeira vez, desde 2003, (...) a miséria aumentou no país. Apenas 3,7%,
mas aumentou”.

Embora o jornal reconheça que “do ponto de vista estatístico, a rigor caberia falar
antes de estagnação dos avanços do que de crescimento da indigência”,
escandaliza-se com a suposta divulgação com atraso (de quase vinte dias!), para
ocultar do público uma informação negativa com relevância eleitoral. Tratar-se-ia
de uma “prática estarrecedora” que leva à seguinte conclusão: “não estará errado
quem, diante disso, evocar a imagem de um estelionato eleitoral. O governo,
afinal, sonegou informações que a população tinha o direito de conhecer antes de
decidir seu voto”.
Embora o golpismo seja evidentemente antidemocrático, parece que sua
insuflação, com termos como “estelionato eleitoral”, está ganhando foros de
pregação democrática.
Mas, aqui está o lado da Folha: no editorial de cinco dias antes, “Seca
bandeirante”, a indignação já é quase só um pequeno incômodo.
O jornal diz que o governador Alckmin
“deixou de simular que não eram eleitoreiros os princípios que vinham guiando sua
administração diante da grave crise hídrica que afeta os paulistas. (...) A mudança
de tom [é] notável (...) porque a gestão estadual reconhece um problema que
antes procurava negar.
Em público, Alckmin passou os últimos meses afirmando que a situação estava sob
controle, como se o planejamento falho ou inexistente, somado à maior estiagem
em oito décadas, não tivesse minado a segurança hídrica da população.
Em privado, a presidente da Sabesp, Dilma Pena, apontava a irresponsabilidade.
Em reunião da estatal, a executiva implicou a cúpula do governo de forma direta na
tática da omissão.
‘Cidadão, economize água. Isso tinha que estar reiteradamente na mídia, mas nós
temos que seguir orientação, nós temos superiores, e a orientação não tem sido
essa’, disse Pena, conforme comprova áudio obtido por esta Folha na semana
passada. ‘É um erro’”.
Estelionato eleitoral?
Imagina!
A mobilização da população e de várias entidades da sociedade civil, fazendo
aquilo que o governo deveria ter comandado - desde o início do ano e não o fez! –,
serve à Folha para encerrar o editorial com essas palavras de comovente
esperança: “eis um bom começo para o governador e a Sabesp demonstrarem na
prática, antes tarde do que nunca, que reconhecem a gravidade da crise”.
É isso ou não uma piada, seca e de mau gosto?
Será que seus leitores, sem água, ao menos ainda conseguem rir?
Que régua, afinal, usa a Folha para medir estelionato eleitoral?
A grande diferença entre as duas omissões (ou estelionatos, para quem preferir) é
que os vinte dias de atraso na divulgação pelo IPEA dos dados sobre indigência
não tornaram nenhum miserável brasileiro mais pobre.
Ao passo que a criminosa omissão da Sabesp e do governo tucano-paulista em
divulgar, desde o início do ano, a real extensão e gravidade do problema de
abastecimento d’água no Estado está provocando desastrado racionamento e
ameaçando milhões de famílias que pela primeira vez na vida não veem água sair
de suas torneiras.
E quem cometeu estelionato eleitoral foi a Dilma??!!!
Bem, de qual Dilma vocês estão falando???
A esperança dos leitores que buscam informação e não ideologia repousa em ao
menos a cobertura “jornalística” ser “isenta”, mas, miseravelmente, como
empiricamente comprovado pelos sérios pesquisadores do
www.manchetometro.com.br, a Folha, é preciso reconhecer, já vem colaborando e
praticando racionamento há anos: de notícias incômodas ao governo do Estado que
a sedia.
Parece que existe, em algum lugar muito distante, no interior de São Paulo, dizem
que perto de Pindamonhangaba, alguém que ainda acredita que a Folha não é
tucana.


(*) Doutorando do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.

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