Alckmin dirá a verdade sobre a falta d’água quando tomar o líquido marrom que a Sabesp está servindo?
Geraldo Alckmin deu uma entrevista a Míriam Leitão no Palácio dos Bandeirantes.
Nem sombra, como se esperava, da assertividade de Míriam diante de Dilma Rousseff. Ao falar da crise hídrica e da ajuda pedida ao governo federal, Alckmin fez um solo tranquilo, longo, sobre suas “boas parcerias”. Negou o racionamento, teceu loas ao “bônus” para quem faz economia. O abastecimento está uma maravilha.
Todo mês tem uma nova obra entregue. Há uma “independência” do Cantareira. Ele está “muito entusiasmado com a “água de reuso”. Vendeu seu peixe com sossego de pescador.
(A única cobrança dura da jornalista foi sua indignação diante do fato de Alckmin se referir a Dilma como “presidenta”, o que, na opinião de Míriam, demonstra que ele não fará uma oposição firme.)
Alckmin mente, escamoteia, sai de banda e não é de hoje. Passou o ano repetindo que não haveria falta de água, quando ela já era escassa na periferia. Hoje, a escassez é generalizada.
Sua atuação é completamente divorciada da realidade. Hoje, a presidente da Sabesp, Dilma Pena, afirmou ao Ministério Público do estado que “não tem como afirmar se as medidas serão suficientes para evitar problemas no abastecimento de água caso o regime de chuvas persista da maneira anômala atualmente vivida”.
Numa gravação que vazou, a mesma Dilma admitiu que a empresa não foi à mídia alertar os paulistas por causa de uma “ordem superior”. Superior de quem?
Alckmin é um fenômeno do que Marina Silva chamou de tergiversação. Lidera fazendo mágica e fingindo. Na California, que também enfrenta a pior estiagem de sua história, o governador Jerry Brown decretou estado de emergência e vem realizou uma campanha intensa de conscientização, recorrendo inclusive a artistas como Lady Gaga. Foi criado um site para a população se informar. Brown fez questão de mostrar que diminuiu o consumo na sede do governo e em sua casa.
Geraldo reage com factoides. Ele está num outro mundo. Ou não tem, realmente, a menor ideia do que acontece, o que é mais preocupante. Em agosto, numa coletiva, como não tinha respostas, Alckmin telefonou, na frente dos repórteres, para Dilma Pena.
Transcrevo trechos do relato publicado no R7:
O tucano falava sobre o financiamento da Jica (Japan International Cooperation Agency – Agência Japonesa de Cooperação Internacional) para detectar e combater vazamentos de água na rede de abastecimento do Estado. Questionado sobre o valor emprestado, admitiu que não tinha a informação, mas se comprometeu a conseguir. Pediu à assessora que ligasse para Dilma Pena, presidente da Sabesp.— Alô. Oi, Dilma. Tudo bem? Dilma, o nosso financiamento da Jica, qual o valor? Não, lá não é dólar, é iene. É equivalente a US$ 600 milhões. É em torno de R$ 1,4 bilhão.A primeira pergunta estava respondida. Mas o governador tinha outras.— Jica é um organismo financeiro do governo do Japão. Escreve J-I-C-A. Japan… O que é I-C-A, você sabe? International Cooperation… ‘Ajusteichon’ [risos], ‘agueichon’ [risos]. E antes de encerrar o ‘telefoneichon’, esse dinheiro para que é?Dilma Pena responde e Alckmin repassa para os repórteres.— Redução de perdas, troca de ramal, troca de rede. Tudo o que for relacionado a impedir perda de água. Exclusivo para evitar perda de água.Os jornalistas fazem mais perguntas enquanto ele ainda está ao telefone, querem saber em que pé estão os trabalhos. Mas a presidente da Sabesp não tem a informação de imediato. “Verifica e me liga”, diz o governador, que emenda mais uma questão: “Outra coisa, quanto a Sabesp perde de água?”.— 20,35 [%], perda física na região metropolitana de São Paulo de água tratada. A França perde 29 [%]. Faz um resuminho aí para a gente. A média brasileira é 38 [%]. Ok, depois você me passa esses dados aí.Satisfeito com o telefonema, ele continua a conversa com os repórteres sobre o financiamento. “Eles [Jica] vão dar o dinheiro e fazer a consultoria?”, questiona uma jornalista. “Não. Eles dão o dinheiro… Liga de novo para a Dilma, pergunta se tem algum apoio técnico”, pede o governador à assessora.Enquanto a resposta não vem, com tranquilidade, ele explica sobre as perdas na rede de abastecimento.— Se você pegar as perdas hoje, 90% é invisível, não é aquele cano que estourou. É tudo a 7 m de profundidade, ninguém vê. Isso é mundial.Quando a assessora passa a informação, Alckmin conclui e se despede:— Transferência de tecnologia e apoio técnico, nós vamos para lá, eles [japoneses] vêm para cá. Arigatou gozaimasu…
Seria cômico, não fosse trágico. Há uma possibilidade de cura para sua negação patológica oportunista: talvez quando ele passar a beber a água de coloração marrom esbranquiçada, com gosto de barro, que está saindo das torneiras da Zona Sul, um fio de responsabilidade escape de sua boca.
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