Rodrigo Lopes: Trinta anos depois, Figueiredo revela que confronto Globo x Abi-Ackel resultou de apreensão de cocaína

publicado em 24 de outubro de 2014 às 21:44
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por Rodrigo Lopes, especial para o Viomundo

Um livro a ser lançado nas próximas semanas promete abalar a relação entre o senador Aécio Neves (PSDB) e as Organizações Globo.
Trata-se da biografia autorizada de Ibrahim Abi-Ackel, ex-ministro da Justiça do governo João Figueiredo. Ele ocupou o cargo entre 1980 e 1985.

A obra, Ibrahim Abi- Ackel, Uma Biografia, escrita pela jornalista Lígia Maria Leite e prefaciada pelo senador Aécio Neves, diz que malotes da Rede Globo enviados para sucursal no exterior transportavam drogas.
Sete vezes deputado federal, entre 1975 e 2007, Abi-Ackel sofreu acusações no Jornal Nacional, em 1983, quando era ministro da Justiça, fruto de um confronto nos bastidores com o dono das Organizações Globo.
O livro dedica 10 páginas ao episódio.
Na página 359 o livro sustenta que a campanha promovida por Roberto Marinho contra Abi-Ackel nasceu de um engano do empresário, que acreditava que o ex-ministro havia determinado a apreensão de cocaína em malotes da emissora.
Leia a página:
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O texto atribui ao ditador João Figueiredo a seguinte explicação: “A campanha do Roberto Marinho contra o ministro Ibrahim Abi-Ackel se deveu a um engano do senhor Roberto Marinho. Os malotes da Rede Globo para Nova Iorque serviram de transporte para cocaína. A Polícia Federal apreendeu dois desses malotes e o Roberto Marinho nunca perdoou o Abi-Ackel, porque pensou que foi ele que mandou fazer a apreensão. Esse foi o motivo”.
Em 1983, depois que o norte-americano Mark Lewis foi preso na alfândega dos Estados Unidos com pedras preciosas brasileiras avaliadas em U$ 10 milhões, os ataques ao ministro no Jornal Nacional começaram.
Em mais de uma reportagem, a Globo acusou Abi-Ackel de envolvimento com o contrabando de pedras preciosas, o que nunca foi provado.
A biografia autorizada de Abi-Ackel foi financiada através da lei Rouanet de incentivo fiscal e recebeu patrocínio da estatal de energia elétrica Cemig e do Governo de Minas. No prefácio da obra, Aécio Neves enaltece a vida pública do colega de Câmara dos Deputados.
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“Fomos deputados, ele repetidamente mencionado entre os dez parlamentares mais influentes do Congresso”, diz o texto (leia um trecho acima). Mais adiante, depois de listar as qualidades de Abi-Ackel: “Foram essa qualidades que me fizeram recorrer a ele, como governador, em 2006, para o comando da Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais, onde conduziu um trabalho exemplar”, destaca Aécio.
Quando Abi-Ackel foi inocentado das acusações que sofreu da Globo, a Folha de São Paulo noticiou:
Ackel é inocente no caso das turmalinas
por JOÃO BATISTA NATALI
Foi na manhã de 29 de março de 1985. A alfândega do aeroporto de Miami apreendeu um carregamento de águas-marinhas, esmeraldas, topázios e turmalinas.
O portador das pedras, Mark Lewis — cidadão norte-americano, na época morador em Anápolis (GO) — não conseguiu documentar ser dono do carregamento. Foi o estopim do chamado “escândalo do contrabando de pedras preciosas”, em que o ex-ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel (1980-85) teve seu nome envolvido, sem que sua participação seja objeto de qualquer evidência.
Ainda corre hoje na Câmara pedido para abertura de processo contra o ex-ministro por peculato, por conta de acusação contra seu filho, Paulinho. O filho teria mantido escritório de advocacia em que protelava extradições ou obtinha vistos de residente para estrangeiros que dependiam do arbítrio do gabinete de seu pai.
“Eu fui o bode expiatório. Não era militar e também não tinha mandato”, disse à Folha o hoje deputado Abi-Ackel (PPB-MG). Sua suposta ligação com as pedras apreendidas é das mais tortuosas.
Lewis era apenas uma “mula” (portador). As pedras pertenciam em verdade a Antonio Carlos Calvares, dono da Embraima (Empresa Brasileira de Mineração, Importação e Exportação), em Goiânia.
Calvares procurou o ex-ministro, que voltara a advogar. Pediu que ele intercedesse em sua defesa. Deu-lhe uma procuração, que foi apresentada por um advogado norte-americano, Charles Hayes, como prova de que Calvares e Abi-Ackel eram sócios no contrabando.
Hayes disse isso em entrevista no “Jornal Nacional”, da Rede Globo. A Folha apurou que na época eram tensas as relações entre a Globo e Abi-Ackel. Hoje, o ex-ministro prefere não falar sobre essa dimensão do assunto. A Folha procurou Hayes, mas não há pistas dele.
Outro personagem-chave na história foi um delegado da Polícia Federal, Mário Machado Filho, que instruiu o inquérito em Goiânia. Ele se aposentou e hoje mora em Aracaju (SE). Disse à Folha ter tido a impressão de que Calvares, para se dar ares de importância, simulou um grau de familiaridade com o ministro que nunca possuiu. Um caso de mitomania.
Foi essa uma das conclusões que o delegado remeteu à sede da PF, em Brasília. O inquérito foi arquivado. Sem inquérito, não houve tampouco motivo para processo judicial.
Calvares destacou para falar com a Folha um dos executivos da Embraima que se apresentou como seu sobrinho. Para este, o caso já rendeu para a família “US$ 150 milhões” em indenizações por difamação, pagas por jornais norte-americanos.
No plano judicial, o que houve de concreto foi um “grand jury” em novembro de 1986 em Lexinton, Estado de Kentucky, para apurar responsabilidades de norte-americanos e estrangeiros no contrabando de pedras brasileiras.
Abi-Ackel não foi em nenhum momento citado por dar cobertura ou como responsável direto pelo tráfico.

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