Flávio Aguiar: Nesta altura voto nulo é crime




Flávio Aguiar
Na Carta Maior

Sou fã das crônicas do Jacques Gruman, de seu estilo descontraído, seu bom humor
e sua luta contra preconceitos. Vou continuar sendo seu fã.
Mas não da sua última crônica, declarando, nesta altura do campeonato, seu voto
nulo. Ele lembra da letra de “Você abusou/tirou partido de mim/abusou”... para
justificar desta vez seu voto nulo. Mas ao ler estas linhas eu me lembrei de outra
letra (esta de Caetano Veloso): ‘É que Narciso acha feio o que não é espelho”...
Claro está que o Jacques tem o direito de fazer o que quiser com seu voto, e
também de declará-lo onde puder. “Não concordo com nada do que dizeis, mas
defenderei até o fim vosso direito de dizê-lo”. A frase, atribuída a Voltaire, na
verdade é de sua biógrafa inglesa Evelyn Beatrice Hall, sintetizando um comentário
do filósofo sobre o livro “L’Esprit”, de Helvetius. Em todo caso, ela resume com
propriedade meu pensamento a respeito.

Mas lembro também de outra citação, atribuída ao também filósofo Vicente
Matheus, de saudosa memória: “Quem sai na chuva é pra se queimar”.
A partir daí defendo também o meu direito de rebater – com bons modos – o que o
Jacques diz.
Resumindo o argumento, eu diria que o Jacques não gostou do estilo do PT nem do
da presidenta Dilma Rousseff de governar. Não digo com isto que ele esteja
falando de plumas, paetês ou lantejoulas, porque afinal, o estilo é o homem, ou a
mulher, ou o partido. Não dá para separar o conteúdo da forma, é coisa que
qualquer principiante em Teoria Literária sabe. E o Jacques desfila em seu artigo o
que considera uma série de malfeitos dele, o partido, e dela, a presidenta.
Ao mesmo tempo, escachapa com o o PSDB, acusando-o de ser a última (mais
recente) flor do Lácio direitista no Brasil, quer dizer, de sua linguagem, aquela que
diz-mas-não-diz, feita especialmente para quem é partidário do me-engana-que-eu
gosto, como no caso (este é um comentário meu) da política do governo de
Alckmin em relação a água em São Paulo, coroada pela afirmação (acho que foi da
presidenta da Sabesp, senão foi peço desculpas antecipadas) de que não há
"racionamento" do precioso líquido, apenas “controle do abastecimento”.
Como em tudo o que é humano, concordo que haja erros e acertos no estilo petista
e da presidenta de governar. É minha leitura que há muito mais acertos do que
erros. E que o carro-chefe dos acertos é o de governar para favorecer os mais
pobres e assim fortalecer a sociedade brasileira como um todo, em termos de
emprego, salários,educação, saúde, segurança e outras coisas essenciais, como o
compromisso quanto ao uso dos dividendos do pré-sal, por exemplo.
Também considero que a comparação entre os erros do PSDB e seus acertos é
esmagadoramente favorável àqueles, e não a estes. Quebraram o país em oito
anos, quebrando o poder aquisitivo da população, mantendo alta ou elevando a
sua taxa de desemprego conforme a região, aprofundando a sua desigualdade
social e regional, entregando-o à farândula do mercado financeiro e de quebra (em
quebra) elevando a inflação, ao final do governo, ao dobro da atual.
Também é bom dar uma olhada em quem está apostando em quem nesta eleição.
Para usar uma metáfora, baseada naquela história da estação do metrô em
Higienópolis em São Paulo, eu penso que um número considerável dentre os que
preferem hoje a candidatura de Aecio Neves é daqueles que têm uma
inconfessável, mas evidente nostalgia pelo tempo em que no Brasil a entrada de
serviço nos condomínios não era apenas “de serviço”, mas era para a “gente
diferenciada”. Tem saudades do tempo em que aeroporto era para rico e classe
média alta, em que empregada doméstica nordestina ia visitar a família no
Nordeste uma vez na vida, e de ônibus, jamais de avião, transformando nossos
aeroportos, no dizer horrorizado de uma senhora desta nossa “élite”, em
“rodoviárias”. (Caso lembrado pelo Aloizio Mercadante).
Enfim, não quero me alongar muito. Tenho sustentado que uma vitória do PSDB
nesta eleição será a ponta do iceberg de uma série de catástrofes – no governo, na
política social, na política cultural, na economia, na política externa, até mesmo na
corrupção, pois espero que o combate a ela votará aos níveis mínimos dos seus
oito anos de governo, na virada do século. A tentativa de fazer o país regredir a
sua atmosfera social do final do século XX produzirá convulsões sociais de monta,
e a repressão será inevitavelmente dura.
Para mim, contribuir para que isto aconteça é crime. Os conservadores jesuítas de
antanho, do meu colégio em Porto Alegre, pregavam que havia três maneiras de
pecar: por pensamento, por ação, ou – a mais grave de todas – por omissão. Para
mim, de certo modo e por outros motivos, eles continuam tendo razão, pelo menos
em relação à gravidade da omissão.
Assim, caro Jacques, vote nulo, se quiser. Depois, não diga que eu não avisei.
Mas não se preocupe: vou continuar lendo suas crônicas com enorme prazer. Elas
terão muito o que dizer num segundo governo de Dilma Rousseff. Mas muito mais

num governo do PSDB.

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