Eric Nepomuceno: O golpe de mestre do aprendiz

Sérgio Moro, juiz federal

Eric Nepomuceno
Na Carta Maior

Sérgio Moro, juiz federal de primeira instância no Paraná, é relativamente jovem.
Aos 41 anos, fez carreira provinciana, como corresponde aos da sua idade. E, como
é direito de qualquer cidadão, terá suas ambições, justas e compreensíveis. O que
merece discussão é o método escolhido para alcançá-las.
Tinha trinta anos quando despontou para as páginas já não apenas da imprensa da
província onde atua, nos tempos do Caso Banesto: na época, o jornal Folha de
S.Paulo chegou a classificá-lo como ‘referência em crimes financeiros’. Nada mau
para um juiz em início de carreira, para um aprendiz dos meandros da Justiça e,
claro, do poder.

Passado o tempo, Sérgio Moro volta ao epicentro de atenções. Conquistou fama,
conquistou apoio corporativo, a ponto de ser um dos três indicados pela Ajufe – a
Associação de Juízes Federais – para ocupar a vaga que o espalhafatoso Joaquim
Barbosa deixou no Supremo Tribunal Federal. Claro que suas possibilidades são
pequenas: até hoje, nenhum presidente da República nomeou para a Corte
Suprema alguém indicado por grupos corporativistas. Mas, como se diz em
espanhol, ‘algo es algo’.
A estas alturas, Sérgio Moro continua sendo um vossa excelência de província, mas
já demonstrou força suficiente para olhar longe. Só que essa postura preocupa: se
ainda aprendiz ele é capaz de golpes de mestre como foi o vazamento de
depoimentos de dois réus confessos, o que fará quando se lançar a vôos mais
altos?
Em uma antiga e bela canção de Chico Buarque, o personagem masculino diz à
amada: ‘eu quero a prenda imensa/ dos carinhos teus’. Pois bem: qual a prenda
imensa que Sérgio Moro pretende, e de quem?
Não há inocência e menos ainda ingenuidade em seu ato de divulgar depoimentos
que podem causar estrago na campanha de uma das candidaturas à presidência da
República. Com a linguagem empolada tão ao gosto de vossas empoladas
excelências, lá pelas tantas diz o meritíssimo em questão que o que ocorreu não é
vazamento de informações cuidadosamente selecionadas, mas um ‘consectário
normal do interesse público e do princípio de publicidade dos atos processuais em
uma ação penal na qual não foi imposto segredo de justiça’.
Uma rápida ida ao dicionário indica que, no português falado pelos não empolados,
‘consectário’ quer dizer conseqüência, resultado. Ou seja: vazar informações
selecionadas seria conseqüência natural de um processo judicial de interesse
público.
Tudo bem. O que fica no ar é a seguinte dúvida: é conseqüência natural divulgar
informações vagas faltando duas semanas para a eleição? E mais: no mesmo dia
em que começava a segunda etapa da propaganda eleitoral no rádio e na
televisão? E, ainda mais: a tempo de cumprir o cronograma da redação do Jornal
Nacional, cujo alcance e efeito são, sabidamente, maiores que os dos programas
eleitorais?
Onde – a não ser, claro, no núcleo mais duro, ferrenho e efetivo da oposição, os
grandes conglomerados de comunicação – o vazamento teve maiores
conseqüências? Cadê o resto dos depoimentos? O amontoado de ‘me parece’, ‘acho
que’, ‘se não me engano’ contribuem para elucidar os crimes que, evidentemente,
inegavelmente, foram praticados?
O meritíssimo em questão menciona a importância e a necessidade de haver
transparência nas ações da Justiça. E nisso, ele não só tem plena razão como
acaba de dar mostras eloqüentes: deixou transparecer, e em grande estilo, até que
ponto está disposto a interferir no processo eleitoral.
Sérgio Moro diz que os depoimentos de Paulo Roberto Costa e Alberto Yousseff são
de interesse público. Tem razão. O problema é que sua esdrúxula iniciativa não
atende prioritariamente o interesse público, e sim os interesses da campanha
eleitoral de Aécio Neves. Se não, como explicar que só agora, faltando duas
semanas para que a campanha termine, o tal interesse público mereça ser
atendido?
É, sim, uma interferência descabida. Até mesmo advogados que são eleitores
declarados de Aécio Neves reconhecem isso.
Já os estrategistas da campanha da oposição reconhecem e agradecem o peso da
atuação desse excelentíssimo cabo eleitoral de última hora. Como se diz lá no
Paraná, o piá vai longe.
O ainda aprendiz estréia com um golpe de mestre. Deve achar que agora sim, está
com tudo para ocupar a vaga de Joaquim Barbosa.
Pensando bem, os dois se merecem. Resta, porém, saber se o país merece. Se a

Justiça merece.

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