Elvis Presley, Dilma e o domingo dia 26



Eric Nepomuceno

Dilma Rousseff e eu temos mais ou menos a mesma idade. Portanto, me permito
supor que, na primeira adolescência, ela, como eu, tenha ouvido a gravação de ‘It’s
now or never’, a versão de Elvis Presley para a cançoneta italiana ‘O sole mio’. Isso
foi lá por 1960, 61, num tempo em que a gente comprava pequenos discos de vinil,
com uma faixa de cada lado, os ‘compactos’ que giravam nas vitrolas a 45 rotações
por minuto.
E por que justo agora, com tanta coisa para pensar e me preocupar, fui lembrar de
Elvis Presley?
Porque a situação que temos pela frente justifica o título daquela canção: como
poucas vezes na história recente do Brasil, vivemos um momento em que é preciso
ter plena consciência do que está em jogo. ‘It’s now or never’: é agora ou nunca.
Precisamos decidir o que queremos para o futuro. Depois do domingo, 26 de
outubro, saberemos se continuamos a ter futuro ou se fomos levados de volta ao
passado. Hora de decisão.

Aliás, se Dilma se lembrar daquele disquinho gravado por Elvis Presley já lá se vai
mais de meio século, saberá que também é hora de ela própria tomar uma série de
decisões para um segundo mandato que continua perfeitamente ao alcance da
mão.
É agora que ela deve anunciar ao país o que pretende fazer ou propor (convém
recordar que nem sempre um presidente consegue efetivamente realizar o que se
propôs ou propõe) com relação a uma série de temas que continuam pendentes, e
que – pelo menos a julgar pelo que vi, li e ouvi – ficaram à margem nesse primeiro
turno das eleições.
Claro que os feitos e as conquistas que vieram das duas presidências de Lula da
Silva e que, em muitos aspectos, foram aprofundados durante o primeiro mandato
de Dilma Rousseff, devem ser recordados e assumidos.
É graças a esse projeto de país (muito mais que de governo), a certeza do que se
alcançou e à confiança no que se poderá alcançar, que Dilma recebeu mais de 43
milhões de votos – uma Argentina inteira, mais de um Canadá, duas vezes e meia
a população do Chile. Nada mais justo e natural, então, que se alardeie tudo isso.
Acontece que estamos numa etapa Elvis Presley em estado puro: como poucas
vezes, é fundamental saber que para o Brasil dos próximos muitos anos, It’s now
or never.
Não vou mencionar a conveniência de, nesses próximos dias, esclarecer aspectos
relacionados à política econômica ou rebater as críticas que despencam dia sim e
outro também, vindas de um empresariado ávido e ganancioso. E muito menos me
referir às manobras especulativas do sacrossanto mercado financeiro: afinal,
especular é parte essencial de sua natureza, de sua genética, se sua noção de
moral.
Estou me referindo a temas que, que se descuidados, acabarão alimentando –
como alguns, aliás, já estão – o capcioso e fraudulento discurso da oposição.
Por exemplo: o que pretende Dilma, num novo mandato, avançar com relação ao
velho sonho de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, o sonho da educação em tempo
integral e com assistência plena (alimentação, assistência médica e odontológica,
esporte, artes e cultura) no ensino público? Claro que são decisões nas esferas
municipais e estaduais, mas o que pode a presidência da República fazer a
respeito?
Qual o projeto concreto para que, em seu novo mandato, a questão das terras
indígenas e das populações ribeirinhas saiam do abandono perverso e sórdido de
hoje e passem às prioridades do dia?
Sabemos todos que o resultado final não depende do Poder Executivo, mas, em
termos concretos, o que pretende ela, em sua nova presidência, fazer para levar a
cabo uma reforma política que liquide de vez, ou ao menos tente liquidar, esse
sistema prenhe de vícios em que vivemos? Quais as mudanças estruturais que ela
tem no horizonte?
Há outro segmento da vida brasileira que frequentemente é anunciado como algo
que se transformará em política de Estado. E entra presidente, sai presidente, tudo
fica mais ou menos na mesma, com raras e pontuais exceções: as artes e a
cultura.
Convém lembrar que esse segmento se transformou, nos últimos anos, num dos
pólos que mais gera empregos e mais dinheiro movimenta na economia do país.
Qual o balanço que a presidenta faz de seus primeiros quatro anos, e quais seus
projetos concretos para os próximos quatro? Tenho a serena convicção que se,
nesta reta final e decisiva de campanha, Dilma tratar desses e de outros assuntos
– além, claro, da economia e quetais – de maneira clara e específica, estará
ajudando boa parte do eleitorado ainda indeciso a entender que a hora é esta. A
ter bem claro que Elvis tinha razão: it’s now or never.
Porque se o outro lado ganhar, será um duplo nunca. Um forever ever. Mais que
uma volta ao passado, uma renúncia ao futuro.
Que Dilma ouça seus assessores de confiança, e também seus estrategistas, e os
dirigentes políticos, e ouça muito a voz que vem das ruas.
Mas que reserve exatos três minutos e treze segundos para ouvir Elvis Presley e
seu lembrete, que vale para o eleitorado inteiro, mas também para ela.

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