Dilma venceu por colocar interesses das mulheres e crianças adiante dos de investidores e do mercado
publicado em 31 de outubro de 2014 às 20:37
O que Dilma Rousseff do Brasil pode ensinar a Hillary Clinton
Heather Arnett*, no Daily Beast, sugerido por Conceição Oliveira
No domingo, Dilma Rousseff foi reeleita para continuar como presidente do quinto maior país do mundo. Enquanto a primeira mulher presidente do Brasil lutava pela reeleição, uma coisa estava clara: a economia seria o foco da disputa.
No momento em que os norte-americanos se preparam para eleições intermediárias e um novo ciclo presidencial, seria inteligente olhar para o Brasil e perceber como as divisões econômicas e de gênero tiveram impacto nas eleições.
[O ex-presidente dos Estados Unidos] Ronald Reagan cunhou a famosa frase: “Você está melhor agora do que quatro anos atrás?”
Para milhões de brasileiros, a resposta é um claro sim. Mas, a partir da cobertura da corrida presidencial do Brasil na mídia dos Estados Unidos e da Europa, você poderia ter a impressão de que o Brasil estava à beira de um colapso econômico.
Como pode uma economia que tirou 40 milhões de pessoas da pobreza e as colocou na classe média, com dados historicamente baixos de desemprego, ser considerada sob risco?
Depende de quais interesses econômicos definem sua perspectiva.
No ano passado, enquanto eu filmava o documentário “Senhora presidente: Por que não os Estados Unidos?”, entrevistei Lilian, mãe solteira que vive numa favela do Rio de Janeiro.
Por causa do programa de subsídios para pessoas de baixa renda (Bolsa Família), Lilian tinha uma renda estável. Pela primeira vez as crianças dela estavam recebendo atendimento médico e iam regularmente à escola. Lilian e uma amiga abriram um pequeno comércio e o rosto dela se iluminou de orgulho quando me falou da filha que havia ingressado na faculdade para formar-se em psicologia. Lilian disse que tudo isso era praticamente impossivel mesmo de sonhar uma década atrás.
Enquanto outras nações entraram em recessão e declararam rígidas medidas de austeridade, cortando serviços sociais, educação, saúde e empregos públicos, o Brasil investiu nisso tudo.
Além de expandir o Bolsa Família, Rousseff também liderou as tentativas bem sucedidas de aprovar legislação fixando que parte da renda do país com as reservas de petróleo será reinvestida na expansão da educação e saúde para os pobres.
Mas investir nas pessoas do Brasil significou menos lucro para os investidores internacionais. O um por cento do Brasil e o um por cento que internacionalmente estava lucrando com papéis brasileiros continuaram lucrando, porque a economia brasileira estava crescendo.
Mas, com a queda do crescimento, não consideravam o lucro suficiente, enquanto o Brasil investia no bem estar de seu próprio povo. E assim as elites decidiram que era hora de mudar.
Foi impressionante ver como praticamente quase toda a cobertura das eleições presidenciais no Brasil focou em como os “mercados” e os “investidores” apoiavam fortemente o competidor de Rousseff, o conservador — do ponto de vista fiscal — Aécio Neves. Foi impressionante ver como a confiança dos investidores diminuia cada vez que os números de Rousseff nas pesquisas subiam.
Os mesmos artigos citavam, no sexto ou sétimo parágrafo, que se era verdade que dezenas de milhões de famílias tinham saído da pobreza por causa da política econômica de Rousseff e de seu partido, o baixo crescimento e a inflação eram problemas. O que os artigos não mencionavam é que apenas os extremamente ricos não estavam sendo beneficiados pelas políticas do governo.
E, assim, como é que Rousseff ainda conseguiu vencer, quando tanto a cobertura da mídia quanto os investidores estavam fortemente contra ela?
Porque, no Brasil, o voto é obrigatório. Quando os pobres tem acesso igual às cabines de votação, tem a oportunidade de apoiar seus próprios interesses econômicos. E no Brasil, como na maioria dos paises, as mulheres são maioria entre os eleitores.
A mídia dos Estados Unidos e da Europa tentaram posicionar Marina Silva (que era a principal competidora de Dilma no primeiro turno) como candidata “da mudança”. Mas Marina caiu nas pesquisas quando ficou claro que, como evangélica, ameaçava os direitos dos gays, o planejamento familiar e o acesso a métodos contraceptivos que o partido de Dilma expandiu.
No Brasil estas não são consideradas questões “sociais”. O povo brasileiro as reconhece como questões econômicas centrais. O maior acesso a métodos contraceptivos fortaleceu a segurança econômica de comunidades. O acesso à saúde reprodutiva melhorou a saúde de mães e filhos. Mais direitos para a comunidade LGBTQ resultaram em maior segurança física e econômica para estas famílias. Os milhões de pessoas que se beneficiaram destas políticas não estavam apoiando um candidato “da mudança” para perder esses direitos.
As questões de gênero receberam pequena cobertura no Brasil, uma vez que as duas principais candidatas eram mulheres. Mas com Marina fora da disputa a questão voltou a ter importância.
Na verdade, muito da retórica em torno de Aécio Neves o definia como um patriarca que poderia controlar a economia brasileira e redirecioná-la do estado de bem estar de Rousseff.
Durante debate presidencial, Neves chegou ao ponto de se referir a Rousseff como “leviana”. A reação das eleitoras foi sentida imediatamente. Acusaram Neves de usar linguagem sexista para atacar uma mulher que foi guerrilheira marxista, presa e torturada por seu compromisso com a democracia, uma economista que serviu como ministra antes de ser a primeira presidente do Brasil.
Ficou parecendo que os brasileiros aceitam a maior parte da lama que candidatos atiram uns nos outros durante os debates, mas não o chauvinismo.
Quando estamos a caminho de 2016 e Hillary Clinton, Elizabeth Warren e outras mulheres consideram disputar o direito de se tornar a primeira presidente dos Estados Unidos, elas deveriam ficar de olho no livrinho de táticas de Rousseff.
Warren já está liderando a campanha contra a desigualdade. As duras críticas dela contra os bancos e o mercado, que apoiam interesses dos muitos ricos às custas dos mais vulneráveis, tem recebido aplausos em pé onde quer que ela vá.
Se Hillary Clinton vai tentar de novo a presidência, precisa desenvolver uma agenda econômica que incorpore estes temas com um detalhado plano de ação.
Da mesma forma que Warren tem sido a campeã da classe média, Clinton tem sido uma consistente defensora da segurança econômica e física das mulheres. O discurso dela em Beijing, em 1995, quando declarou que “os direitos das mulheres são direitos humanos” se tornou o mantra do Departamento de Estado enquanto ela foi secretária.
Pela primeira vez, o Departamento criou um escritório focado exclusivamente nos direitos internacionais das mulheres. Agora é comum se dizer que, quando secretária de Estado, Clinton visitou mais países e encontrou mais chefes de Estado que qualquer antecessor. Mas menos conhecido é o fato de que Clinton, em cada um destes países, exigiu se encontrar com líderes de movimentos feministas e tornou a segurança econômica e física das mulheres um tema de sua agenda diplomática.
As mulheres — candidatas, colunistas, doadoras de campanha, eleitoras — terão um tremendo impacto nas próximas eleições dos Estados Unidos. Se este país está às vésperas de eleger sua primeira presidenta, os interesses econômicos das mulheres e de suas famílias deveriam ficar no centro do palco.
Dilma Rousseff não foi eleita e reeleita por ser mulher. Mas, para vencer, precisou de forte apoio das mulheres. Para garantir seus votos, defendeu uma política econômica que promoveu e protegeu a segurança econômica das mulheres e de seus filhos, não dos investidores e dos mercados.
As mulheres são maioria entre os eleitores dos Estados Unidos. Agora é hora de colocar seus interesses em primeiro plano, pelo bem da Nação.
*Heather Arnet is the CEO of the Women & Girls Foundation, Board Chair of the Ms. Foundation for Women, and Writer/Director of the documentary, “Madame Presidenta: Why Not U.S.?”
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