Jornal da Globo age como partido de oposição e fere dignidade das pessoas pobres

Apresentador lê editorial em protesto à recusa da presidenta Dilma em participar do programa

jornal da globo
Com cara de poucos amigos, o apresentador William Waack leu as seis perguntas que faria à presidenta

por Helena Sthephanowitz

Há estudos demonstrando que a TV Globo exerce um papel político muito semelhante ao de um partido de oposição ao governo petista. Um recente é omanchetômetro, estudo feito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro que analisa notícias positivas e negativas sobre cada candidato, demonstrando um desequilíbrio brutal favorável aos presidenciáveis da oposição.

Com este histórico, o telejornal noturno Jornal da Globo deveria demonstrar sobriedade quando um presidenciável não aceita o convite para mais uma entrevista exclusiva. Em vez de apenas registrar que o convite feito à presidenta Dilma Rousseff  foi declinado, como é de praxe, os apresentadores comportaram-se exatamente como partido de oposição, fazendo um editorial de protesto contra a candidata, inclusive lendo no ar as perguntas que seriam feitas.
A TV Globo tem quatro telejornais diários com veiculação em rede nacional (manhã, hora do almoço, Jornal Nacional e tarde da noite). Nenhum candidato é obrigado a dar entrevista exclusiva a todos os programas da mesma emissora. A presidenta já concedeu entrevista como candidata ao Jornal Nacional. A TV Globo tem hegemonia comercial em seu ramo, mas não pode querer monopolizar a agenda de candidatos para sua programação, seu prestígio e seus interesses comerciais. Existem outras emissoras de televisão e outras mídias que também convidam candidatos para entrevistas e em uma campanha nem existe tempo hábil para atender a todos. Então, cada um decide como administrar a agenda do candidato. Uns preferem se submeter totalmente aos caprichos editoriais da maior emissora, outros preferem a diversidade, procurando atender a convites de outras emissoras e outros compromissos de campanha que também são importantes.
Em vez de reclamar no editorial de protesto, se a TV Globo tivesse mais interesse em fazer um bom jornalismo e extrair dos candidatos informações mais úteis aos telespectadores, poderia fazer uma entrevista mais longa com cada candidato, que desse tempo de responder com mais profundidade, e levar ao ar dividida nos quatro telejornais ou em dias diferentes. Ao escolher o formato de interrogatório visto no Jornal Nacional, é natural que haja candidatos que considerem pouco produtivo para o telespectador ser bem informado.
Quando os apresentadores perderam a objetividade e se comportaram como partido político de oposição, deram uma razão a mais para a candidata declinar do convite. Afinal, não é normal candidatos irem à sede de partidos opositores para darem entrevistas. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama já recusou por muito tempo entrevistas exclusivas para a TV Fox News, exercendo um direito dele e sinalizando discordar do desequilíbrio no noticiário favorecendo seus opositores. Dilma Rousseff nem de longe chegou a este ponto, pois contemplou a TV Globo atendendo a um telejornal.

Pergunta asquerosa

O telejornal leu as seis perguntas que faria na entrevista. Cinco eram questionamentos pertinentes sobre problemas nacionais, mas a última é de uma desumanidade assustadora, pois fere a dignidade humana.
"A senhora considera correto dar dentes postiços para uma cidadã pobre um pouco antes de ser feita com ela uma gravação do seu programa eleitoral de televisão?", leu o apresentador Willian Waack.
Já é péssimo contra a dignidade humana tratar prótese dentária pelo termo pejorativo "dentes postiços". Mas se o problema fosse só o mau gosto do termo, seria apenas uma gafe. Muito mais triste é a negação da cidadania às pessoas mais pobres e falta de fraternidade embutida na pergunta.
Qualquer pessoa que sabe orientar outra no exercício de um direito de cidadania deve fazê-lo. Se alguém conversar com idoso que já tem direito a aposentadoria mas ainda não tem consciência disso, é até desumano você saber e não orientá-lo. Da mesma forma, se uma equipe foi fazer uma gravação e viu uma cidadã que não tinha prótese dentária, e a orientou para resolver seu problema na unidade de saúde pública da cidade dela que tem atendimento de dentistas justamente para estes casos, incorreto e desumano seria não ajudá-la no encaminhamento.
Assim, parece que o neoliberalismo individualista subiu tanto para a cabeça dos profissionais da TV Globo, que agora acham errado até os mais simples gestos de estender a mão, nem que seja apenas para apontar um caminho, coisa que todo ser humano pratica no cotidiano por sua própria natureza. Só não faz assim quem está ensandecido pelo ódio.

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