Enganos sobre a desigualdade

     

Análise / Paul Krugman

                                   
SPENCER PLATT/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP
Desigualdade
Americanos tem maior probabilidade de acreditar que vivem numa classe média, ainda que a renda seja distribuída de maneira pouco igualitária
por Paul Krugman — publicado 05/09/2014
Um novo estudo do instituto econômico IW da Alemanha compara as percepções da desigualdade entre vários países avançados. Uma grande conclusão é a de que os americanos têm maior probabilidade que os europeus de acreditar que vivem em uma sociedade de classe média, apesar de nos Estados Unidos a renda ser distribuída de maneira muito menos igualitária do que na Europa.

Os franceses, por exemplo, acham que vivem em uma pirâmide hierárquica, quando na realidade são, na maioria, de classe média; os americanos são o contrário. Outras evidências mostram que os americanos subestimam vastamente a desigualdade em sua sociedade. Quando solicitados a escolher uma distribuição de riqueza ideal, citam a Suécia.
Por que a diferença? Diríamos que a excepcionalidade americana no que se refere à distribuição de renda – nossa original suspeita e hostilidade para com a Seguridade Social e os programas antipobreza – está muito ligada à história racial. Isso não explica, porém, os equívocos sobre a desigualdade real: as “Pessoas” poderiam ser contra a ajuda para “Aquelas Pessoas”, mesmo entendendo o quanto os ricos são ricos. Mas pode haver uma consequência indireta: a divisão racial dá poder aos grupos de direita de todo tipo, que, por sua vez, lançam muita propaganda que despreza e minimiza a desigualdade. Coisa interessante.
Em recente artigo para o Washington Post, Matt O’Brien indicou que a Europa realmente está se saindo pior do que na Grande Depressão. O presidente francês François Hollande – cuja falta de espinha dorsal e disposição a acatar a austeridade condenaram sua presidência e muito possivelmente o projeto europeu – está finalmente sugerindo que mais austeridade talvez não seja a resposta.
O economista de Oxford Simon Wren-Lewis pensa que a adoção da austeridade pela Europa foi uma contingência histórica; basicamente, a crise grega reforçou a mão dos “austerianos” em um momento crítico. Não creio que seja tão fácil de explicar. Minha sensação é de que havia um poderoso sentimento antikeynesiano na Europa mesmo antes da crise grega, e que a macroeconomia como os economistas anglo-saxões a entendem nunca teve um eleitorado real nos corredores do poder da Europa.
Seja qual for a explicação, hoje olhamos para uma das grandes catástrofes da história econômica.
Emily Badger contou recentemente no Washington Post que a expansão urbana é ruim para nossa saúde. Assim como as concessões comerciais nos cinemas, como relatou Sarah Kliff em Vox, é por isso que dois legisladores democratas querem incluir a pipoca nas regras que exigem informação sobre o conteúdocalórico.
Em outras palavras, a economia neoclássica está toda errada. Está bem, é um exagero. Mas tanto as preocupações sobre os efeitos dos equipamentos urbanos para a saúde quanto as tentativas de conter certos tipos de consumo têm a ver com as falhas da racionalidade como modelo de comportamento humano. As pessoas deveriam fazer bastante exercício – em geral serão mais felizes se o fizerem –, mas tendem a não se exercitar quando moram em um ambiente onde é fácil dirigir para qualquer lugar e não tão fácil caminhar. Elas também deveriam limitar seu consumo de calorias, mas têm dificuldade para resistir àqueles baldes de pipoca.
Eu posso pessoalmente confirmar a importância desses efeitos ambientais. Hoje em dia caminho com um pedômetro no pulso e é óbvio como é muito mais natural me exercitar quando estou em Nova York do que em Princeton, New Jersey. Escolher caminhar algumas vezes, em vez de pegar o metrô, me leva a dar 15 mil passos na cidade, enquanto no subúrbio, mesmo com uma corrida matinal, pode ser difícil superar os 10 mil. E também o legado de Estado-babá do ex-prefeito Michael Bloomberg, com calorias expostas em praticamente tudo, ajuda a conter meus vícios (sanduíches gordurosos no café da manhã!).
A pergunta interessante e difícil é como e se esse tipo de questão comportamental deve se refletir na política. Até onde deve ir a regulamentação dofast-food? Etc. etc. Também não é interessante que hoje em dia os moradores das grandes cidades levem uma vida mais “natural”, ao ar livre e se locomovendo com os próprios pés, do que os “verdadeiros americanos” que vivem nas pequenas cidades?
Está na hora de terminar meu mingau de aveia sem adoçante aprovado por Mark Bittman, e não, repito, não comer um sanduíche no café da manhã.

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