Vários países do sul da Europa avançam com privatização das praias

“Feche o seu guarda-sol ou saia desta zona da praia, está a tirar a vista para o mar aos que pagaram por ela”. Com esta frase, a polícia marítima de Portugal desaloja os que se recusam a sair da zona da praia que está mesmo em frente à zona reservada às espreguiçadeiras pagas. Atualmente, as praias dos países mediterrânicos estão na mira das ondas privatizadoras.
Foto de Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian, Flickr.
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Antes da polícia, é o nadador-salvador que se encarrega de dar o primeiro aviso, e também de pedir desculpas aos clientes das espreguiçadeiras pelos guardas-sol impertinentes que lhes roubam as vistas.
Estas situações vivem-se diariamente em muitas praias de Portugal, aquelas em que o beneficiário da concessão de guardas-sol e espreguiçadeiras paga um pouco mais para ter as vistas livres de guardas-sol alheios, ainda que estejam fora da sua zona.

Estes casos, para além de darem conta do tipo de relações geradas pela gestão privada das praias: os que pagam perante os que não pagam; os que têm direito a vistas perante os que se amontoam na metade gratuita da praia… questionam as funções de serviços públicos como a polícia marítima ou os nadadores-salvador que se veem obrigados a proteger os direitos dos clientes em detrimento dos dos cidadãos.
Tudo isto nos situa no debate de fundo entre o público e o comum. Em tempos de crise, este debate ganha força perante as diferentes leis ou projetos de lei que pretendem dar luz verde à venda de bens comuns que até então eram intocáveis ou à concessão de serviços privados sobre estes terrenos. Atualmente, as praias dos países mediterrânicos estão na mira das ondas privatizadoras.
O caso grego
É o caso do projeto de lei do governo grego, que permite não só construir na primeira linha costeira mas também a venda de parcelas com praias. O projeto de lei foi paralisado pela pressão cidadã, mas a agência estatal encarregue da gestão e privatização do património grego, TAIPED, já pôs à venda estes terrenos com praia. Os compradores poderão utilizá-los com fins turísticos durante 50 anos, ao fim dos quais o terreno já não será de uso exclusivo mas serão as instalações entretanto construídas, o que é um contra-senso e permite o uso privado das praias gregas, o que até esse momento era ilegal.
Em Itália, foi o partido de Berlusconi quem propôs na comissão orçamental do Senado debater a proposta de fazer entrar dinheiro nos cofres do Estado mediante a venda das praias do país. A proposta foi recusada tanto pelos partidos de esquerda como pelos ecologistas. Perante as críticas, o senador Antonio D'Alì argumentou que já existiam muitas concessões a empresas turísticas privadas e que os “investidores estariam mais dispostos a fazer melhorias se os terrenos fossem propriedade sua”.
No caso de Espanha, a lei das Costas de 2013 também pressupunha um duro revés para a proteção do litoral marítimo. Uma das medidas que se aprovou com a nova lei é a de reduzir a proteção da costa de 100 metros para 20 aos municípios costeiros que o solicitem. Em apenas seis meses desde que se pôs em marcha, 100 municípios entre 500 com costa já o pediram.
De acordo com declarações do ministro Arias Cañete, impulsionador da lei, esta seria necessária, não por garantir uma maior proteção do litoral mas por melhorar a imagem que daríamos se tivéssemos que demolir todas as construções ilegais que se construíram nas nossas costas, a maioria de investidores estrangeiros. A finalidade da lei das Costas do Ministério do Meio Ambiente espanhol serviria, nas palavras do ministro, para “melhorar a confiança dos investidores estrangeiros e permitir dar saída aos stocks de habitação que muitas vezes, pela imagem espanhola de insegurança jurídica, trava os investimentos no litoral”. Esta lei concedeu licenças a 75 anos para 10.000 habitações e 3.000 bares de praia que iam ser demolidos com a lei anterior.
Artigo publicado no Jornal Diagonal.
Tradução do Jornal Mapa

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