Noam Chomsky: Um balanço de 70 anos do primeiro bombardeio atômico


Noam Chomsky (*) - Tom Dispatch

Se alguma espécie extraterrestre estivesse compilando uma história do homo
sapiens, ela poderia muito bem dividir o seu calendário em duas eras: AAN (antes
das armas nucleares) e EAN (a era das armas nucleares). Esta última era, claro, foi
aberta em 6 de agosto de 1945, o primeiro dia na contagem regressiva para o que
pode ser o fim desta estranha espécie, que encontrou os meios efetivos para
destruir a si mesma, mas – como sugerem as evidências – não a capacidade
intelectual e moral de controlar seus piores instintos. O dia um da EAN foi marcado
pelo “sucesso” de Little Boy, uma simples bomba atômica. No dia quatro, Nagasaki
experimentou o triunfo tecnológico de Fat Man, um design mais sofisticado de
bomba.
Cinco dias depois, veio o que na história das Forças Aeronáuticas dos EUA se
chama “grand finale”, o ataque dos mil aviões – de maneira alguma uma grande
conquista logística -, sobre as cidades japonesas, matando centenas de milhares
de pessoas, com panfletos caindo junto a bombas com os dizeres “o Japão se
rendeu”. Truman anunciou a rendição antes que o último B-29 retornasse a sua
base.

Esses foram os anos auspiciosos da EAN. Como agora entramos no ano 70,
deveríamos contemplar criticamente como sobrevivemos. Podemos apenas chutar
quantos anos ainda faltam.
Algumas reflexões sobre essses propectos sombrios foram oferecidas pelo general
Lee Butler, ex-chefe do Comando Estratégico dos Estados Unidos (STRATCOM, na
sigla em inglês), que controla armas nucleares e estratégia. Há vinte anos, ele
escreveu que tínhamos sobrevivido até então, na EAN, “por uma combinação de
habilidade, sorte e intervenção divina, e eu suspeito que a última em grande
proporção”.
Ao refletir sobre a longa carreira do desenvolvimento das estratégias de armas
nucleares e organizar as forças para implementá-las eficientemente, ele descreveu
a si mesmo cruamente como estando “entre os mais ávidos guardadores da fé nas
armas nucleares”. Mas, continuou, ele tinha chegado ao entendimento de que
agora “a sua missão era declarar com toda a convicção que devo que em meu juízo
elas nos serviram extremamente mal”. E perguntou: “com que autoridade as
gerações posteriores de líderes de estados que têm armas nucleares usurparão o
poder de ditar as chances da vida continar em nosso planeta? Mais urgentemente,
por que essa audácia de tirar o fôlego persiste num momento em que deveríamos
tremer diante de nossa loucura de nos comprometer a abolir as suas manifestações
mais mortais?”.
Ele chamou o plano estratégico dos EUA, de 1960, que pedia uma retirada total do
conflito com o mundo comunista de “o documento mais absurdo e irresponsável
que jamais li em minha vida”. Seu adversário soviético era provavelmente ainda
mais insano. Mas é importante ter em mente que estavam em competição, e nem
lhes passava perto a hipótese de aceitar facilmente as ameaças extraordinárias de
sobrevivência.
A sobrevivência nos primeiros anos da Guerra Fria
De acordo com a doutrina dominante na universidade e no discurso intelectual em
geral, o principal objetivo da política de estado é a “segurança nacional”. Há uma
ampla evidência, no entanto, de que a doutrina da segurança nacional não
acompanha a segurança da população. Os registros revelam que, por exemplo, a
ameaça de uma destruição instantânea não ocupava o centro das preocupações
dos grandes dirigentes e planejadores. E isso foi demonstrado desde o início, e
assim persevera, até o presente momento.
Nos primeiros dias da EAN, o EUA gozava de uma segurança irresistivelmente
poderosa e notável: o país controlava o hemisfério, os oceanos Atlântico e Pacífico,
e os lados opostos a esses oceanos, também. Muito antes da Segunda Guerra, já
tinha se tornado o país mais rico do mundo, com vantagens incomparáveis. Sua
economia bombou durante a guerra, enquanto outras sociedades industriais foram
devastadas ou severamente enfraquecidas. Com o começo da nova era, os EUA
possuía aproximadamente metade de toda a riqueza mundial e até mais do que
isso em capacidade industrial. Havia, no entanto, uma ameaça potencial: os
mísseis intercontinentais com ogivas nucleares. Essa ameaça foi discutida no
estudo de referência para políticas nucleares a que fontes de alto nível tinham
acesso: Perigo e Sobrevivência: escolhas a respeito da bomba nos primeiros
cinquenta anos, de McGeorge Bundy, conselheiro de segurança nacional durante os
governos Kennedy e Johnson.
Bundy escreveu que “o desenvolvimento veloz dos misseis balísticos durante a
administração Eisenhower é uma das maiores conquistas desses oito anos. Ainda
assim, está na hora de se começar a reconhecer que tanto os EUA como a União
Soviética poderiam estar em perigo nuclear muito menor, hoje, se [esses] mísseis
jamais tivessem sido desenvolvidos”. Ele então acrescenta um comentário
instrutivo: “Estou ciente de que não há qualquer proposta séria, contemporânea,
dentro ou fora de nosso governo, de que os mísseis balísticos de alguma maneira
deveriam ser banidos por acordo”. Numa palavra, não se cogitava, aparentemente,
tentar prevenir uma só ameaça séria aos EUA, a ameaça de uma futura destruição
numa guerra nuclear com a União Soviética.
Será que essa ameaça poderia ter sido afastada? É claro que não podemos ter
certeza, mas seria dificilmente concebível. Os russos, muitíssimo atrás em
desenvolvimento industrial e em sofisticação tecnológica, estavam muito mais
cercados de ameaças. Eram, portanto, significativamente mais vulneráveis a esses
sistemas de armas dos EUA. Deve ter havido oportunidades de explorar essas
possibilidades, mas na histeria extraordinária daqueles dias isso dificilmente teria
sido percebido. E essa histeria era na verdade extraordinária. Um exame da
retórica utilizada em documentos oficiais centrais da época, como o Artigo NSC-68
do Conselho de Segurança Nacional, permanece bastante chocante, chegando até a
se discutir a injunção do Secretário de Estado Dean Acheson, de que seria
necessário “ser mais claro que a verdade”.
Uma indicação de possíveis oportunidades para golpear a ameaça foi uma proposta
notável feita por Joseph Stalin, em 1952, oferecendo a permissão da unificação
alemã, com eleições livres, sob a condição de, a partir de então, não houvesse
mais alianças militares hostis. Essa era uma condição dificilmente extrema, à luz
da história dos últimos 50 anos, durantes os quais somente a Alemanha tinha
destruído a Rússia duas vezes, cobrando um alto custo ao país.
A proposta de Stalin foi levada a sério pelo respeitável analista político James
Warburg, mas foi amplamente ignorada ou ridicularizada, na época. Estudos
acadêmicos recentes começaram a fornecer uma visão diferente das coisas. O
acadêmico veementemente anticomunista, estudioso da União Soviética, Adam
Ulam, tomou a proposta de Stalin como um “mistério não esclarecido”. Washington
“fez pouco esforço para rejeitar solenemente a iniciativa de Moscou”, escreveu ele,
com base no fato de essa ser “embaraçosamente inconvincente”. O fracasso
político, intelectual e acadêmico em geral deixou aberta a “questão fundamental”,
acrescentou Ulam: “Stalin estava realmente pronto para sacrificar a recém-criada
República Democrática Alemã (RDA) no altar da democracia real”, com
consequências para a paz mundial e para a segurança americana, que poderiam ter
sido enormes?
Resenhando pesquisa recente nos arquivos soviéticos, um dos mais respeitáveis
acadêmicos da Guerra Fria, Melvyn Leffler, observou que muitos acadêmicos se
surpreenderam em descobrir que “[Lavrenti] Beria – o sinistro, brutal e comandante
da polícia secreta soviética – tinha proposto que o Kremlin oferecesse ao Ocidente
um acordo para unificação e neutralização da Alemanha”, concordando em
“sacrificar o regime da Alemanha Oriental comunista e reduzir as tensões entre
Oriente e Ocidente” e melhorando as condições políticas e econômicas internas à
Rússia – oportunidades que foram desperdiçadas em benefício da presença
assegurada da Alemanha na OTAN. Sob essas circunstâncias, não é impossível que
tenha havido acordos que podiam ter sido obtidos e que teriam assegurado a
tranquilidade da população americana das ameaças sombrias no horizonte. Mas
essa possibilidade aparentemente não foi considerada, o que indica, notavelmente,
o quão pouco o papel de uma segurança nacional autêntica pesa na política de
estado.
A crise dos mísseis cubanos e além
Essa conclusão foi subestimada repetidamente nos anos seguintes. Quando Nikita
Khruschev tomou o controle da Rússia soviética em 1953, depois da morte de
Stalin, ele reconheceu que a URSS não poderiam competir militarmente com os
EUA, o país mais rico e poderoso na história, com vantagens incomparáveis. Se o
país tinha esperança de escapar do colapso econômico e dos efeitos devastadores
da última grande guerra, seria necessário reverter a corrida armamentista.
Assim, Khruschev propôs um acordo claro de redução mútua nas ofensivas
armadas. O enviado da administração Kennedy considerou a oferta e a rejeitou, e
esse governo passou à rápida expansão militar, mesmo já bastante à frente. O
finado Kenneth Waltz, baseado em outra análise estratégica com conexões
próximas à inteligência dos EUA, escreveu então que a administração Kennedy
“tinha levado a cabo o mais estratégico e convencional tempo de paz militar
desenvolvido no mundo até então...mesmo quando Khruschev tentava, por sua
vez, levar a cabo uma grande redução nas forças convencionais e seguir uma
estratégia de dissuasão mínima, e nós o fizemos apesar de o equilíbrio das armas
estratégicas favorecerem enormemente os EUA”. De novo, ferindo a segurança
nacional enquanto fortalece o poder do estado.
A inteligência dos EUA verificou que grandes cortes tinham sido feitos nos ativos
das forças militares soviéticas, tanto em termos de areonaves, como de soldados.
Em 1963, Khruschev mais uma vez pediu novas reduções. Como um gesto de
demonstração de suas intenções, retirou tropas da Alemanha Oriental e convidou
Washington a fazer o mesmo, reciprocamente. Essa proposta também foi rejeitada.
William Kaufmann, um ex-conselheiro do Pentágono e analista consagrado em
questões de segurança, descreveu o fracasso dos EUA em responder às iniciativas
de Khruschev como, em termos de sua biografia, “o único arrependimento que
tenho”.
A reação soviética ao desenvolvimento armamentista dos EUA nesses anos foi
situar mísseis em Cuba, em outubro de 1962, para tentar retomar o equilíbrio, ao
menos discretamente. O movimento também foi incentivado em parte pela
campanha terrorista de Kennedy contra Fidel Castro, programado para levar à
invasão naquele mesmo mês, como Cuba e a Rússia devem ter ficado sabendo. A
“crise dos misseis” que se seguiu foi “o momento mais perigoso da história” nas
palavras do historiador Arthur Schlesinger, conselheiro e confidente de Kennedy.
Quando a crise chegava ao apogeu, no fim de outubro, Kennedy recebeu uma carta
de Khruschev oferencendo um termo para o imbróglio, por meio de uma retirada
simultânea, tanto dos mísseis russos em Cuba como dos misseis Júpiter dos EUA,
da Turquia. Estes últimos eram mísseis obsoletos, já com ordem de retirada pela
administração Kennedy porque estavam sendo substituídos pelos muito mais letais
submarinos Polaris, que estacionariam no Mediterrâneo.
A avaliação subjetiva de Kennedy, naquele momento, era que se ele recusasse a
oferta do premiê soviético, havia uma probabilidade de 33 a 50% de guerra nuclear
– uma guerra que, como o presidente Eisenhower havia alertado, teria destruído o
hemisfério norte. Kennedy no entanto rejeitou a proposta de Khruschev de retirada
pública dos misseis de Cuba e da Turquia; somente a retirada dos misseis de Cuba
poderia ser pública, tanto para proteger o direito dos EUA a situar misseis nas
fronteiras da Rússia, como em qualquer lugar que escolhesse.
É difícil pensar numa decisão mais horrenda na história – e por isso ele é ainda
celebrado por sua coragem tranquila e como estadista.
Dez anos depois, nos últimos dias da guerra árabe-israelense, em 1973, Henry
Kissinger, então assessor do Secretário de Segurança Nacional do Presidente
Nixon, chamou um alerta nuclear. A proposta era advertir os russos a não
interferirem nessas delicadas manobras diplomáticas designadas para garantir a
vitória israelense, mas por pouco, de modo que os EUA mantivesse ainda o seu
controle unilateral da região. E as manobras eram de fato delicadas. Os EUA e a
Rússia tinham imposto, conjuntamente, um cessar-fogo, mas Kissinger informou,
secretamente, aos israelenses, que eles poderiam ignorá-lo. Assim, a necessidade
do alerta nuclear servia para afastar os russos para longe. A segurança dos
americanos permaneceu no seu status padrão.
Dez anos depois, a administração Reagan lançou operações para testar as forças
aéreas soviéticas, simulando ataques aéreos e navais e um alto nível de alerta
nuclear, o suficiente para os russos detectarem. Essas ações foram levadas a cabo
num momento muito tenso. Washington estava desenvolvendo os mísseis
estratégicos Pershing II, na Europa, a cinco minutos de tempo de voo para Moscou.
O presidente Reagan também tinha anunciado o programa Iniciativa de Defesa
Estratégica (“Star Wars”), que os russos entenderam como, efetivamente, o
primeiro ataque, uma interpretação padrão da defesa dos mísseis de todos os
lados. E outras tensões vinham aumentando.
Naturalmente, essas ações causaram grande alarde na Rússia, a qual,
diferentemente dos EUA, estava bastante vulnerável e tinha repetidamente sido
invadida e virtualmente destruída. Isso levou a uma guerra de escala maior em
1983. Arquivos recentemente abertos revelaram que o perigo era ainda mais severo
do que aquilo que historiadores tinham pensado. Um estudo da CIA intitulado “O
Medo da Guerra era de verdade” concluiu que a inteligência dos EUA pode ter
subestimado as preocupações russas e a ameaça de um ataque nuclear preventivo
soviético. Os exercícios “quase se tornaram um prelúdio para uma batalha
preventiva nuclear”, de acordo com uma passagem do Journal of Strategic Studies.
Era ainda mais perigoso que isso, como aprendemos no último setembro, quando a
BBC reportou que, exatamente em meio ao desenvolvimento dessas ameaças, o
sistema de alarme da Rússia detectou um ataque de míssel oriundo dos EUA,
levando o seu sistema de radar ao alerta máximo. O protocolo do exército soviético
era retaliar com o seu próprio ataque nuclear. Felizmente, o oficial encarregado,
Stanislav Petrov, decidiu desobedecer às ordens e não reportar os alertas aos seus
superiores. Ele recebeu uma reprimenda oficial. E graças a essa indolência, ainda
estamos vivos para falar a respeito.
A segurança da população não era mais uma alta prioridade para os estrategistas
da administração Reagan, do que era para os seus predecessores. E assim
continua, mesmo deixando de lado os numerosos e quase catastróficos acidentes
nucleares que ocorreram ao longo dos anos, muitos deles analisados no assustador
estudo de Eric Schlosser, Command and Control: Nuclear Weapons, the Damascus
Accident and the Illusion of Safety [Comando e Controle: Armas Nucleares, o
Acidente de Damasco e a Ilusão da Segurança]. Em outras palavras, é difícil
contestar as conclusões do general Butler.
Sobreviência na era pós-Guerra Fria
Após a guerra fria, os registros das ações e doutrinas adotadas tampouco é
reconfortante. Todo presidente que se preze tem de ter a sua doutrina. A Doutrina
Clinton estava encapsulada no slogan “multilateral quando pudermos, unilateral
quando devermos”. No testemunho congressual, a frase “quando devermos” foi
explicada plenamente: os EUA está autorizado a dispor “do poder militar unilateral”
para assegurar “acesso desimpedido a mercados chave, fornecimento de energia e
recursos estratégicos”. Enquanto isso, o STRATCOM na era Clinton produziu um
importante estudo, intitulado “Fundamentos da dissuasão no pós-Guerra Fria”,
lançado bem depois de a União Soviética ter colapsado, quando Clinton estava
estendendo o programa de expansão da OTAN, de George H.W. Bush para o
oriente, numa violação às promessas feitas ao premiê soviético Mikhail Gorbachev
– com reverberações para o presente.
Esse estudo do STRATCOM estava preocupado com “o papel das armas nucleares
na era pós-Guerra Fria”. Uma conclusão central: que os EUA devem manter o
direito de lançar o primeiro ataque, mesmo contra estados não-nucleares. Mais
ainda: armas nucleares devem estar sempre prontas porque elas “representam
uma sombra em qualquer crise ou conflito”. Isso quer dizer que elas estavam
constantemente sendo usadas como se estivessem apontando uma arma, não para
atirar, mas para roubar uma loja (um ponto que Daniel Ellsberg enfatizou,
repetidamente). O STRATCOM vai adiante, para advertir que “os estrategistas não
deveriam ser muito racionais em determinar...quais dos oponentes valem mais”.
Tudo deveria ser simplesmente marcado como alvo. “Machuca essa atitude de nos
portarmos como plenamente racionais e de cabeça fria... que os EUA possa se
tornar irracional e vingativo se os seus interesses vitais forem atacados deveria ser
uma parte da persona nacional que projetamos”. É “benéfico [para a nossa postura
estratégica] que alguns elementos possam aparecer como potencialmente ‘fora de
controle’”, representando assim uma ameaça constante de ataque nuclear – uma
severa violação da Carta da ONU, se alguém liga para isso.
Não há muito aqui a respeito dos nobres objetivos constantemente proclamados –
ou, no caso, sob o Tratado de Não-Proliferação de Armas, para atestar a “boa fé”
dos esforços para eliminar esse flagelo da terra. O que isso soa, antes, é a uma
adaptação dos famosos versos a respeito do Maxim (para citar o historiador
africano Chinweizu):
“O que quer que aconteça, nós temos,
A Bomba Atômica e eles, não”.
Depois de Clinton veio, é claro, George W. Bush, cujo amplo aval à guerra
preventiva facilmente abarcou o ataque japonês em dezembro de 1941, em duas
bases militares de ultramar, dos EUA. Neste momento, os militaristas japoneses
estavam bastante cientes de que os B-17 estavam apressados nas linhas de
montagem, com o intento de “queimar o coração industrial do império com ataques
a bomba nos altos de Honshu e Kyushu”. É assim que os planos pré-guerra foram
descritos pelo seu arquiteto, o general das Aeronáutica Claire Chennault, com a
aprovação entusiasmada do presidente Franklin Roosevelt, do secretário de estado
Cordell Hull e do comandante em chefe general George Marshall.
Então veio Barack Obama, com palavras aprazíveis a respeito do trabalho para
abolir o arsenal de armas nucleares – combinado com planos de gastar 1 trilhão de
dólares no arsesnal nuclear dos EUA nos próximos 30 anos, um percentual do
orçamento militar “comparável ao gastos para a aquisição de novos sistemas
estratégicos nos anos 80, sob a administração Ronald Reagan”, de acordo com um
estudo do Centro James Martin para os estudos de não-proliferação, no Instituto
Monterrey de Estudos Internacionais.
Obama também não hesitou em jogar com fogo para ter ganho político. Tome-se
por exemplo a captura e assassinato de Osama Bin Laden, pela marinha americana
e peloS SEALs . Obama comprou com orgulho a ação, num importante discurso
sobre segurança nacional, em maio de 2013. Foi amplamente coberto, mas um
parágrafo crucial foi ignorado.
Obama celebrou a operação mas acrescentou que ela não poderia ser a norma. A
razão, disse ele, é que os riscos “eram imensos”. “Os SEALs devem ter sido
envolvidos num extenso tiroteio”. Embora, por sorte, isso não tenha acontecido, “o
custo para a nossa relação com o Paquisão e a regressão de nossa imagem dentre
o público paquistanês diante da invasão sobre o seu território tenha sido...severa”.
Vamos acrescentar alguns poucos detalhes. Os SEALs tiveram a ordem de
bombardear o que vissem pela frente. Não teriam sido deixados à própria sorte,
“envolvidos em tiroteios exensos”. Todas as forças do exército dos EUA teriam sido
usadas para retirá-los de situação difícil. O Paquistão tem um exército poderoso e
bem treinado, altamente protetor de sua soberania estatal. E tem também armas
nucleares, e os especialistas paquistaneses estão preocupados com as possíveis
penetrações em seu sistema de segurança nuclear por elementos jihadistas.
Também nao é segredo que a população tem sido empurrada para a radicalização
por meio da campanha de terror com drones, de Washington, e por outras políticas.
Enquanto os SEALs ainda estavam na agenda Bin Laden, o comandante em chefe
do Paquistão, Ashfaq Parvez Kayani, foi informado da ação e comandou o exército
para “confrontar qualquer aeronave sem identificação”, que ele pensava seriam de
origem indiana. Enquanto isso, em Cabul, o comandante de guerra general David
Petraeus, ordenou que “aviões de guerra” respondessem, caso os paquistaneses
“usassem seus jatos de ataque”. Como disse Obama, por sorte o pior não ocorreu,
embora tivesse podido ser bem feio. Mas os riscos eram vistos sem preocupação
séria. Ou tampouco qualquer comentário subsequente.
Como observou o general Butler, é quase um milagre que tenhamos escapado da
destruição total até agora. E quanto mais tentarmos o destino, menos provável é
que tenhamos esperança na intervenção divina para perpetuar o milagre.
(*) Noam Chomsky é linguista, professor emérito aposentado do Massachussets
Institute of Technology – MIT. É autor de vários livros e artigos sobre política
internacional e questões sociais e políticas.

Tradução: Louise Antônia Leon

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