PESQUISA ENGANOSA NA SAÚDE


Paulo Moreira Leite

Paulo Moreira Leite
Apresentada com estardalhaço na semana passada, a pesquisa DataFolha sobre a imagem da saúde no Brasil é menos negativa do que gostaria seu patrocinador, o Conselho Federal de Medicina.
São dados que, longe de espelhar um retrato isento, capaz de estimular uma discussão produtiva, servem a propaganda política contra o governo Dilma. Não vieram para esclarecer mas para confundir. Sua finalidade é diminuir o impacto positivo que o programa Mais Médicos tem alcançado na periferia das grandes cidades e no interior remoto do país.
Se você consultar a pesquisa na íntegra (o link está abaixo) e tiver disposição de enxergar dados que muitas vezes ficaram escondidos, poderá comprovar algumas verdades previsíveis.

A primeiro é que a população que frequenta o SUS é mais satisfeita do aquela que só olha de longe para os postos de saúde e ambulatórios do serviço publico. Os usuários que dão nota 10 formam um pequeno número mas chegam ao dobro dos não usuários. Os que dão nota 9 chegam ao triplo.
Os maiores críticos são homens, de classe A e B.
Alguma surpresa?
O esforço para construir uma visão negativa da saúde no Brasil fica definido a partir do conceito de aprovar e reprovar. A nota de reprovação na pesquisa vai de zero a 7 — um número relativamente alto, que joga todos os índices finais para baixo.
Para dar um exemplo: a pesquisa afirma que o ítem “consultas,” no SUS, foram reprovadas por 66% dos entrevistados. A verdade é que 43% deram nota entre 4 e 7 — e são incluídos, de uma só tacada, entre os insatisfeitos. É a turma do “regular”, nem ruim nem bom.
Se esse número fosse considerado positivo, o resultado seria inverso: 76% positivos. E se você considerasse que 4 a 7 é uma nota em dúvida, sem conclusão, o que talvez fosse mais razoável, o resultado seria: 33% positivos contra 23 negativos.
Mesmo assim, alguns dados são especulares. Nada menos que 50% dos pacientes deram nota de 8 a 10 para o ítem “cirurgia.” E 45% deram 8 a 10 para “remédios gratuitos.”
Apenas uma leitura hipócrita dos dados apurados impede que se reconheça medidas corretas na melhoria do atendimento. Estou falando da fila de espera, pesadelo de muitas pessoas que procuram o serviço público (e o privado, também, como descobrem titulares de planos de saúde que devem submeter-se a tratamentos mais delicados e caros).
Nada menos que 24% dos entrevistados denunciam espera de até um mês para serem atendidos. E 16% apontam para uma demora superior a 1 anos para receberem o procedimento adequado. São situações graves e lamentáveis — mas, infelizmente, absolutamente previsíveis num país que acumulou um décit de 54 000 médicos ao longo dos anos.
Você pode achar que os médicos ganham sem trabalhar — há casos na TV, todos os dias — que os plantões são feitos para descansar e assim por diante. Mas é preciso admitir que, num país onde o número de médicos é 20% inferior ao da necessidade básica da população, há alguma muito errada, estruturalmente, na lei da oferta e da procura. A fila é expressão disso, vamos combinar.
E é claro que o Mais Médicos, que colocou 14 000 doutores nos pontos remotos do país, contribui para amenizar essa situação.
http://portal.cfm.org.br/images/PDF/apresentacaoCFMdatafolha.pdf
Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

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