Os jovens e a política: sobre a nossa democracia
Wadih Damous (*)
postado em: 18/08/2014
Depois de uma manifestação em Madri, no dia 15 de maio de
2011 centenas de
jovens que se autointitularam “os indignados” resolveram
acampar na Porta do Sol,
uma praça no Centro da capital espanhola, em protesto contra
a política
tradicional. Foi um movimento belíssimo, que durou meses e
atraiu as atenções de
jornais e televisões do mundo inteiro.
Protestava-se, ali, contra a política e os políticos
tradicionais, vistos pelos
manifestantes como algo que servia muito mais para manter as
coisas como
estavam do que para ser o caminho para que se chegasse às
transformações vistas
como necessárias pela maioria.
Tudo era mais ou menos como a conhecida frase do personagem
de Alain Delon,
Tancredi, o sobrinho do Príncipe, no célebre filme “Il
Gatopardo” (O Leopardo), do
diretor italiano Luchino Visconti, lançado em 1963: “Se
quisermos que tudo
continue como está, é preciso que tudo mude”.
O repúdio à política, tal como ela existia concretamente no
cenário espanhol, era
generalizado. Situação e oposição eram alvo de fortes
críticas. Os que protestavam
contra aquele quadro identificavam a prática dos partidos
como um jogo de cena
destinado a deixar as coisas essencialmente iguais. Tal como
no “Il Gatopardo”.
A crítica não era inteiramente destituída de razão, ainda
que as alternativas de
direita e de esquerda no cenário espanhol não fossem
exatamente iguais. Mas ela
trazia um grave problema: não apontava saída. Estava claro que
era preciso
dinamizar, desburocratizar e sacudir a poeira daquela
política, mas negá-la em
bloco sem que houvesse à mão uma alternativa acabou
significando, na prática, a
negação da política em si.
Ora, como se sabe, a política nos persegue, queiramos ou não
e gostemos ou não.
Ela mexe com a vida de todos. Dos que se interessam por ela
e dos que não
querem saber dela. Por isso, fechar os olhos para a política
significa ficar reféns
daqueles que fazem a pior política.
O movimento dos “indignados” contribuiu para aumentar a
visão crítica sobre a
política institucional praticada na Espanha. Mas não
apresentou alternativa. A
resultante acabou sendo o desencanto com a política em si e
o aumento da
abstenção eleitoral.
Isso serviu aos conservadores, que venceram as eleições
seguintes. Seus eleitores
em potencial não tinham as preocupações e as críticas dos
“indignados” e seus
simpatizantes. Continuaram votando normalmente.
Ainda que haja diferenças entre a situação espanhola e a
brasileira, ao ler as
notícias de que está diminuindo o número de jovens entre 16
e 18 anos que este
ano tirou o título de eleitor (nessa faixa etária o voto não
é obrigatório), me
pergunto se não haverá mais pontos em comum do que se pensa
entre elas.
Com efeito, segundo a Justiça Eleitoral, apenas um de quatro
jovens nessa faixa
etária se alistou para votar. Em 2014, esse número é um
terço menor do que a
média dos alistados nos anos da três últimas eleições
presidenciais. Nas disputas
de 2002, 2006 e 2010, a taxa de adolescentes que tirou o
título eleitoral ficou
entre 36% e 37%. Este ano caiu para 26%.
Assim, a conclusão a que se chega é que as gigantescas
manifestações de meados
do ano passado, as maiores das últimas décadas, não tiveram
como consequência
o aumento do interesse pela política institucional.
Como não há outro caminho à vista para a unificação das
lutas reivindicatórias
localizadas e para a consolidação e aprovação de mudanças
das regras do jogo na
política, isso é preocupante.
O repúdio à forma como é exercida a política no país está se
confundindo com o
repúdio à política em si.
Isso não é bom para a democracia.
Não bastassem outros fortes argumentos para que, enfim, se
faça uma reforma
política, esse, por si só, bastaria.
(*) Presidente licenciado da Comissão Nacional de Direitos
Humanos da OAB e da
Comissão da Verdade do Rio.de Janeiro
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