O poder dos paraísos fiscais: mais um debate interditado na mídia brasileira
Najla Passos
Na Carta Maior
Os paraísos fiscais são a sustentação do modelo do novo
poder financeiro global.
Concentram de um terço a metade de toda a riqueza produzida
no mundo, um
montante estimado entre US$ 21 trilhões e US$ 32 trilhões.
Ameaçam a soberania
dos países e impedem a justiça tributária, condição
necessária à justiça social.
Mas, apesar de tudo isso, não rendem manchetes na imprensa
brasileira.
“Não se discute os paraísos fiscais e centros offshore nos
jornais brasileiros. E,
quando se discute, é de forma pitoresca, como se fossem
ilhas paradisíacas
banhadas pelo sol tropical onde alguns milionários botam seu
dinheiro. Não se
discute a importância central que eles têm no capitalismo
pós-moderno e para
evitar a justiça social por meio da reforma tributária”,
afirma Antonio Martins, da
TTF Brasil.
Colaborador da Carta Maior e professor de pós-graduação da
PUC/SP em economia
e administração, Ladislau Dowbor, confirma. Segundo ele, a
mesma TV globo que
investe contra políticos não permite, por exemplo, que o
nome de empresas e
corporações sejam citados em entrevistas. “Ninguém discute o
assunto. Em
especial a mídia, que pode desancar governos, mas não
empresas”, acrescenta.
Ele explica que é relativamente recente a divulgação dos
dados a respeito dos
paraísos fiscais. Mas mesmo as poucas pesquisas já
realizadas sobre o tema dão
conta do perigo que representam para as democracias. Como
exemplo, cita estudo
do insuspeito Instituto Federal Suíço de Pesquisa
Tecnológica traçou o primeiro
mapa global de controle coorporativo, que apontou um cenário
desolador, inédito
na história da humanidade.
“Eles chegaram a 737 corporações que controlam basicamente
80% dos recursos
corporativos mundiais. E, dentre estas, há um núcleo duro,
de 147, que controlam
40%. Desse total, três quartos são grupos financeiros.
Então, na realidade, não
são mais corporações produtivas que controlam a riqueza.
(...) Criou-se, de fato,
um grande cassino global”, esclareceu.
Segundo o professor, essa concentração de muitos recursos
nas mãos de poucas
instituições financeiras, em grande parte alojadas em
paraísos fiscais, perturba a
economia em geral a tal ponto que os países mais ricos do
mundo já se
debruçaram sobre o tema pela menos duas vezes, durante
reuniões do G-20. “Não
é só papo de gente da esquerda. É um problema planetário
geral”, pontuou.
Segundo ele, a estimativa é que de US$ 21 trilhões a US$ 32
trilhões estejam em
paraísos fiscais, ou seja, de um terço à metade de toda a
riqueza produzida no
planeta, já que o Produto Interno Bruto (PIB) mundial é de
US$ 70 trilhões. “O
resultado é um caos econômico planetário. Uma gente que
produz uma guerra
fiscal, e os governos que tentam fazer sistema tributário se
desloca para outra
área. A economia financeira gera impotência frente às crises
que estamos vivendo".
De acordo com a auditora da Receita Federal, Clair Hickman,
paraísos fiscais são
países ou territórios que não cobram impostos ou cobram
muito pouco, além de
garantir aos seus clientes total sigilo nas operações. A
maioria são centros
offshore, ou seja, aceitam contas de clientes não residentes
naquele país. E
também não exigem presença física das empresas que,
normalmente, não passam
de uma caixas postais.
Ainda segundo ela, quem aplica em paraísos fiscais e centros
offshore são grandes
empresas e pessoas muito ricas que querem esconder seus
patrimônios e não
pagar impostos. Por isso, permitir a blindagem do patrimônio
dos seus clientes é
uma outra característica deles. “São pessoas e empresas que
não querem pagar
seus credores, o fisco ou mesmo partilhar o patrimônio com o
cônjuge, em caso de
separação”, explicou.
A auditora fiscal esclarece que a forma utilizada para a
transferência de lucros dos
países de origem para os paraísos fiscais normalmente
envolvem sofisticadas
operações financeiras. Como exemplo, citou o caso de uma
hipotética empresa
brasileira de mineração que, para fugir dos impostos do
país, cria uma subsidiária
na Suíça, reconhecido paraíso fiscal. “A empresa brasileira
vende todo o minério de
ferro a preços baixos para esta subsidiária, que vende a
preços de mercado para a
China. Assim, se livra do pagamento dos impostos brasileiros
e guarda o lucro nos
paraísos fiscais”, explicou.
Clair afirmou que, apesar da empresa do exemplo ser
hipotética, a operação já é
tão batida que, se todo o minério que vai para a Suíça
ficasse lá, o país não
passaria de um monte de ferro. “O destino final é a China,
mas a compra passa
pela Suíça que é onde ficarão os lucros”, acrescenta. Entretanto,
como é uma
operação legal, nem o Brasil nem os demais países afetados
pelo negócio podem
fazem nada a respeito. “Se a empresa brasileira vende o
minério para a subsidiária
a um custo baixo, de cerca de 15% para não pagar impostos, o
fisco brasileiro
deixa de arrecadar 34%”, quantificou.
Outro exemplo citado por ela foi o da empresa de
medicamentos Clarkson, do
Reino Unido. Como a taxação do fisco na Inglaterra é de 35%,
a empresa abriu
uma subsidiária em Luxemburgo, um grande centro offshore,
onde a taxação é de
cerca de 0,5%. “A matriz pediu um grande empréstimo para a
subsidiária, pagou a
juros exorbitantes e, assim, reduziu seus lucros n
Inglaterra para não pagar mais
impostos”, contou.
De acordo com Clair, a empresa brasileira Vale do Rio Doce
também criou uma
subsidiária suíça para fugir dos impostos. A Suíça só exigiu
que a empresa abrisse
no país um escritório para empregar 35 pessoas, porque a
Vale declarou que a
expectativa de lucro era de US$ 35 milhões. Entretanto, para
se aproveitar das
isenções, levou o lucro de várias subsidiárias para lá e
acabou fechando o ano com
US$ 5 bilhões.
Para a auditora fiscal, com este sistema ganham os muito
ricos e as grandes
corporações, e perdem os contribuintes e os governos dos
países.
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