O bordão apavorante: o direito ao terror financeiro




Saul Leblon

Existem os economistas de banco e os jornalistas dos economistas de banco.
Um não vive sem o outro.
Como dentes de uma engrenagem azeitada, compõem um mutualismo estrutural.
O mercado financeiro não teria o poder de emparedar o imaginário social entre o apocalipse
e a rendição, se os seus interesses não fossem potencializados por esse moinho de notável
sincronia.
A máquina da chantagem vocaliza as condições subjacentes ao sequestro da política e da
soberania pelo interesse rentista em nosso tempo.
Não está em causa negociar , mas impor à sociedade os termos de uma rendição
permanente se quiser subsistir.
O terror financeiro ganhou pedagógica transparência eleitoral no episódio protagonizado pelo
departamento econômico do maior banco estrangeiro aqui sediado.

Operosa, a área de análise do Santander produziu um panfleto contra o governo Dilma e o
imprimiu nos extratos remetidos a clientes vips do banco.
A endogamia mostrou-se então de corpo inteiro.
O flanco aberto pelo Santander foi acudido rapidamente pelo jogral conservador.
De faca na boca brandiu-se o ‘direito’ à independência dos bancos em relação à sorte do
país.
Não importa o custo em libras de carne humana; a autonomia evocada para o Banco
Central deve valer também para cada célula do metabolismo rentista.
Simples assim.
Mas apavorante é o mandamento político inscrito nessa coerência.
O terror financeiro contra a sociedade foi ungido como legítimo pela fatia que se avoca a sua
expressão mais qualificada para redimir o crescimento.
Tucanos como Aécio Neves disseram ‘presente’ nas primeiras horas da batalha.
O colunismo especializado em vulgarizar o interesse rentista sucedeu-o em massa.
Do ponto de vista desse mutirão há uma palavra que resume a cotação de tudo o mais que
não for o interesse imediato da renda financeira por aqui: supérfluo.
Supérfluo será o país, bem como a democracia, o futuro, a natureza e cada um de nós se o
que estiver em causa for a reprodução sagrada do dinheiro especulativo.
Aos espíritos passionais é forçoso advertir: não se trata de uma perversidade de
sentimentos.
É pior que isso: é estrutural.
Na era da livre mobilidade dos capitais, o dinheiro não tem pátria.
Todo capital é capital estrangeiro.
Não se deve esperar lealdade de seus detentores graúdos, bem como da guarda pretoriana
formada pelo matrimônio entre economistas de bancos e os jornalistas de economia.
Seu único engajamento é o partido do juro alto.
Todas as suas causas vinculam-se ao tudo ou nada decorrente da superprodução de
capitais, fruto da própria eficiência sistêmica em ‘expulsar’ o trabalho, gerador de mais valia,
das entranhas da produção.
O vencedor desse jogo leva tudo ou perde tudo.
E ai de quem teimar em enfrenta-lo, sugerem os analistas do Santander.
Cada vez mais, miudezas como projetos de desenvolvimento, bem estar social,
infraestrutura, emprego, renda não fazem parte do seu portfólio.
A especialidade aqui é comprar e vender expectativas.
Como mostra a guerra eleitoral em curso, esse ‘comércio’ pode mover ou travar a
engrenagem decisiva do investimento na vida de uma nação.
Num caso, o país retoma o crescimento ancorado em bases consistentes.
No outro, o pessimismo estreita o horizonte do futuro e afoga a economia no arrocho
rentista.
É a disjuntiva dos dias que correm.
Faz parte do negócio estremecer a Petrobrás para comprar ações na baixa.
Depois vendê-las na alta, quando os próprios autores desmentem o boato da véspera.
O mesmo vale para indicadores da economia.
Câmbio, inflação, juro, investimento -- ‘expectativas’ em geral.
Entre elas, as alimentadas pelas pesquisas de intenção de voto.
Nos últimos meses é disso que vive a Bovespa.
Ou seja, da endogamia entre institutos de pesquisa e especuladores espertos que lucram às
custas dos ingênuos orientados pelo colunismo econômico.
O núcleo irradiador dessa usina de sombras e abismos é afinado por um jogral de pluralidade
ideológica risível.
Em entrevista a um blog, no ano passado, o colunista do Estadão, José Paulo Kupfer,
escancara o filtro que modela a pauta econômica nos dias que correm:
‘Fiz uma pesquisa de fontes em alguns principais jornais: Estadão, O Globo, Folha. Captei
500 participações. 85% das citações eram de consultorias, departamentos de economia
(alinhados) a escolas neoliberais. Fica tudo com uma visão só”, constatou Kupfer.
O que, afinal, deseja essa turma que jogou a humanidade no maior colapso do sistema
capitalista desde 1929 — e só poupou o Brasil porque não pode derrubar Lula em 2005,
perdeu em 2006 e foi às cordas de novo em 2010?
Simples: trata-se agora de fazer valer as esperanças do dinheiro grosso para conectar de
vez o Brasil –ou o que falta dele-- ao circuito da mobilidade irrestrita dos capitais.
Com toda a guarnição de direito,a saber: redução do ‘Estado intervencionista’, regressão
salarial, cortes de gastos sociais, novo round de privatizações.
O pré-sal não perde por esperar.
Trata-se de fazer desse país um piquete de engorda à altura da fome pantagruélica do
dinheiro ocioso, em vigília planetária por sangue fresco e lastro rentável.
O problema então não é o departamento de economia do Santander.
Ele apenas materializou a bases do jogo.
O rolo compressor responsável por ter jogado o mundo na pior crise do capitalismo desde
29, tudo fará para impedir que Dilma seja reeleita.
Não se deve esperar indulgência dessa engrenagem se, como tudo indica, a reeleição tiver o
endosso da urna em outubro.
A radicalização precedente reflete um estreitamento do campo de composição na luta pelo
desenvolvimento brasileiro.
Escolhas estruturais terão que ser feitas.
Entre outras razões, por uma particularidade histórica importante lembrada pelo economista
Luiz Gonzaga Belluzzo, em recente entrevista ao site da Unisinus.
Aqui, ao contrário do que se vê na Europa, a grande agenda do conservadorismo não é
desmontar um Estado de Bem Estar Social que nunca existiu por essas bandas.
Mas, sim, implodir a pactuação social que, desde 2003, mobiliza forças pela criação --ainda
que tardia-- de direitos que em última instancia implicam a repressão sobre a autofagia
financeira e a coordenação do investimento econômico pelo setor público.
O talho do facão, portanto, terá que ser mais fundo, sobre uma carne mais magra de
gordura, e um bolso mais raso de patrimônio.
‘É preciso pagar em libras de carne humana o ajuste de custos que o Brasil necessita fazer
para ganhar competitividade internacional’, confirmam os vulgarizadores dos economistas de
banco.
Nunca é demais repetir: a coerência macroeconômica quem dá é a correlação de forças da
sociedade, que tem na formação das expectativas um de seus ordenadores decisivos.
A radicalização intuída no caso do Santander não foi um ponto fora da curva.
Ilude-se ao ponto da irresponsabilidade suicida o governante que ainda acreditar ser possível
superar esse círculo de ferro concedendo ao bunker rentista o monopólio sobre o imaginário
social.

Comentários