Iraque: a falácia da “troca das cabeças”

13/8/2014, [*] Moon of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
                         POSTADO POR CASTOR FILHO
Haidar al-Abadi, novo Primeiro-Ministro do Iraque
Oito anos depois que EUA e Irã combinaram a entronização de Nouri al-Maliki como primeiro-ministro do Iraque, combinaram agora substituí-lo pelo relativamente desconhecido Haider al-Abadi.

Os EUA dizem que querem governo mais “inclusivo”, e o Irã acompanha, assegurando que lá esteja, no topo, um bom amigo dos planos do Irã. Al-Abadi encaixa-se bem nos dois critérios. Mas esperar que, se se muda um cabeça, muda-se a trilha em que o Iraque está andando, é esperança vã.

Só muito raramente acontece de o problema de um país ser o homem/mulher que está no topo.

É velha falácia da política externa dos EUA que, se se troca o cabeça – sempre declarado “um novo Hitler”, tudo estaria resolvido. A falácia acaba sempre por se autoaplicar, sempre se autoconfirmando.

Começa por algum “alto funcionário do governo” [no Brasil, é sempre algum pressuposto “altíssimo”, mas sempre de governos passados, velharias já com mais de uma década bem longe de qualquer governo 8-)) (NTs)] que vaza para a “mídia” que fulano pode não ser o anjo que se supunha que fosse. Jornalistas então põem-se a recolher (ou inventar) e repetir histórias, boatos, diz-que-disses e “citações” que apoiam qualquer coisa que qualquer um tenha “declarado” à “mídia” sobre o fulano caído em desgraça.

Nouri al-Maliki, ex-Primeiro-Ministro do Iraque
Dia seguinte, o tal “alto funcionário do governo” lê o New York Times ou assiste à CNN e constata “a veracidade” do que ele próprio disse e a “solidez” da sua própria posição no governo, porque, sacomé, fulano é realmente um bandido – e o único real e grave problema a ser enfrentado – e as “provas” ali estão, na “mídia”.

Mas em geral não é quem governa uma nação que faz a nação. A nação e sua situação é que estão formando, pelo menos na mesma medida, a pessoa que a governa. Gaddafi não era o que era “porque” tivesse criado a Líbia à sua semelhança, mas porque, governando com sucesso uma Líbia unida exigia que ele fosse como era. A Rússia não está ressurgindo “por causa” de Putin, mas porque Putin deu forma às suas políticas conforme o que a Rússia é. É isso, não a personalidade dele, que lhe estão dando índices de aprovação que já atingem a estratosfera.

Maliki governou o Iraque de um modo que lhe garantiu o apoio da maioria dos eleitores no país dele. Não cedeu à chantagem pelas tribos sunitas já viciadas nas propinas que os militares norte-americanos sempre fizeram chover sobre elas. Foi essa falta de “disposição para incluir” que o fez tão bem-sucedido:

O bloco do qual o Sr. Maliki faz parte conquistou a maioria dos assentos com direito a voto no Parlamento, na eleição de abril. Pessoalmente, o Sr. Maliki recebeu mais votos que qualquer outro político.

Manifestação de apoiadores de al-Maliki (Bagdá, 12/8/2014)
Se al-Abadi modifica as principais políticas de Maliki, não terá o apoio da maioria dos eleitores e terminará ou convertido em ditador brutal, ou morto.

As duas regras do ciclo político em países sem lei aplicam-se aí:

1.     Ditador forte é substituído por fantoche fraco que recorre à força para conseguir governar sociedade fraturada.
2.     Releia a regra n. 1.

Substituir Maliki, processo complicado e ainda incerto, não mudará o Iraque, seus problemas – como o apoio dos EUA a um estado-petróleo do Curdistão, ou as decisões políticas que seus líderes terão de tomar para conservarem-se amados e vivos.

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