Guerra diplomática e comercial pode favorecer Brasil e América Latina
Eduardo Febbro
postado em: 10/08/2014
França - A guerra diplomática e comercial entre Ocidente
(leia-se: Estados Unidos e
União europeia) e Rússia entrou na fase do "olho por
olho, dente por dente" com
as medidas anunciadas por Moscou em resposta às sanções
adotadas pelo
Ocidente para forçar a Rússia a cessar seu apoio aos
separatistas ucranianos.
Vladimir Putin concentrou sua contraofensica no setor mais
sensível de EUA e UE, o
agrícola. Moscou proibiu a importação de frutas, legumes,
pescados, leite, carne de
porco e laticínios provenientes de vários países ocidentais:
Estados Unidos, União
Europeia, Austrália, Canadá, Noruega. No que diz respeito a
União Europeia essa
conta tem muitos zeros: segundo cifras da Comissão Europeia,
10% das
exportações agrícolas da UE tem a Rússia como destino,
envolvendo uma soma de
cerca de 11 bilhões de euros.
Antes de Moscou anunciar sua decisão, analistas e auditores
bancários de gigantes
como Capital Economics, Bank of America, Merril Lynch ou
Deutsche Asset &
Wealth Management tinham antecipado que a Europa poderia
perder ao redor da
metade do crescimento previsto em função das sanções adotadas
por Washington
e União Europeia contra a Rússia. O contraataque dirigido ao
setor agrícola piorará
mais as coisas, ainda mais que Moscou já manteve contatos
com países da
América Latina, como Brasil e Argentina para compensar os
efeitos do embargo que
decretou.
A Rússia é o quinto importador mundial de produtos
agrícolas. Cerca de 35% de
seu consumo alimentar vem do exterior. Os Estados Unidos são
o primeiro
distribuidor de alimentos para a Rússia, seguido pela União
Europeia. O europeus
ameaaçaram tomar medidas de represália e recorrer à
Organização Mundial do
Comércio (OMC). Para a França, a perda pode ser importante.
Oitavo exportador
de produtos alimentares para a Rússia, a França exportou um
bilhão de euros em
2013. 1% das exportações francesas de frutas e 3% da de
legumes vão para a
Rússia (50 mil toneladas atuais). A Rússia é igualmente o
primeiro mercado de
exportação de maças e peras. O embargo russo inquieta
particularmente os
produtores de suínos que exportam 75 mil toneladas ao ano.
O efeito é ainda mais complicado se tomado em escala
europeia. O setor agrícola
espanhol exporta 440 milhões de euros anuais, o da Polônia
926 milhões, o da
Lituânia 912 e o da Alemanha 556. O risco está em que esses
produtos se
acumulem no Velho Continente e comecem a circular nos outros
países da UE com
menor preço. Isso poderia ocorrer com a produção espanhola
(100 mil toneladas)
ou com a polonesa, cujos preços são inferiores aos
franceses. Xavier Beulin,
presidente da Federação Nacional de Sindicatos de
Exportações Agrícolas (FNSA)
resumiu assim esse risco: "as produções que não forem
para a Rússia irão para o
mercado europeu, onde se teme uma situação de crise".
O dano vai muito além das sanções mutuas. Os respectivos
embargos podem
romper uma dinâmica que vinha funcionando muito bem há anos.
Luc Barbier,
presidente da Federação Nacional de Produtores de Frutas
(França), disse na rádio
francesa Europa 1 que "os russos seguirão comendo
maçãs, tomates e pêssegos. A
diferença é que a origem dessas frutas não será mais
europeia. Esses produtos
virão da Ásia, Brasil, África do Sul, etc. E quando esse
mercado voltar a abrir,
levará anos para conquistá-lo outra vez. É dramático".
Moscou já começou a explorar outros horizontes,
especialmente os
latinoamericanos. A agência veterinária russa
Rosselkhoznadzor antecipou a
organização de reuniões com os "embaixadores de
Equador, Brasil, Chile e eo
encarregado de negócios da Argentina para discutir uma
eventual elevação do
abastecimento de produtos alimentares vindos desses
países". Ainda que varie de
um país a outro, o impacto dessas medidas é importante em um
setor europeu que
já está em crise há muito tempo e que só funciona graças a
esse mecanismo
perverso que é a Política Agrícola Comum (PAC). Nessa
terminologia tecnocrática
se esconde uma das maiores perversões comerciais da história
da humanidade: os
subsídios agrícolas. A Europa subvenciona sua agricultura
com um orçamento de
373 bilhões de euros, repartidos entre 13 milhões de
agricultores.
Esse mecanismo distorce os preços, desregula os mercados e
priva os países do
sul de receitas importantes e de desenvolvimento. O setor
agrícola e agroalimentar
equivale a 7% do emprego europeu e gera 6% do PIB da UE.
Seguramente, para
atenuar o peso dessas medidas, a União Europeua compensará
as perdas
recorrendo ao orçamento da PAC. O primeiro ministro russo,
Dmitri Medvedev, disse
que esperava "sinceramente que o pragmatismo econômico
prevalecesse acima das
considerações políticas estúpidas de nossos sócios, que
deixaram de isolar ou
assustar a Rússia".
O xadrez das sanções comerciais só está começando. Cada
parte tem poder de
causar dano à outra. Para a Europa, a crise com a Rússia já
teve um custo: as
previsões do FMI calculavam um crescimento de 1,1% no âmbito
da UE. Agora, com
a crise batendo à porta, as previsões baixaram para 0,6%.
Esta previsão não
contempla ainda as medidas que afetarão durante um ano o
setor agroalimentar.
Desde março passado, quando a Crimeia foi anexada pela
Rússia, dois bancos
europeus envolvidos em grandes negócios com Moscou, o francês
Société Générale
e o alemão Deutsche Bank, sofreram perdas de 19,5% e 22,4%.
A guerra comercial é um péssimo negócio para todos os atores
deste crescente
antagonismo. Os receosos mercados financeiros não tardaram
em reagir. Nos
últimos dois meses, a bolsa de Paris perdeu 10%. Mas precisa
é a leitura do
chamado "índice bursátil do medo", o Vix, cuja
missão consiste em medir a
volatilidade dos investimentos. O Vix subiu 16 pontos desde
o início de agosto. A
tensão na Ucrânia e as sucessivas situações de crise que
foram se acumulando
romperam o quase idílio entre Rússia e Ocidente. Ninguém
conhece a extensão
dessa ruptura.
A Rússia e o Ocidente podem perfeitamente normalizar suas
relações segundo a
evolução do conflito na Ucrância e de acordo com os efeitos
que o jogo de sanções
e contra-sanções provoque nas respectivas economias. Tudo
pode se complicar e
beneficiar atores periféricos como Brasil, Argentina, Chile
ou México. A confrontação
demonstra uma vez mais que o mundo está passando por um
redesenho profundo
da mecânica com a qual funcionou até hoje.
Tradução: Louise Antônia León
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