Declínio da produção industrial: a crise e a oportunidade

Autor: Miguel do Rosário
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Sobre a queda na produção industrial que hoje é manchete nos jornais, creio ser oportuno reproduzir abaixo um trecho da obra-prima de John Maynard Keynes, o livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro:
Significa isto, infelizmente, que não só as crises e as depressões têm a sua intensidade agravada, como também que a prosperidade econômica depende excessivamente de um ambiente político e social que agrade ao tipo médio do homem de negócios.

Quando o receio de um governo trabalhista ou de um New Deal deprime a empresa, esta situação não é forçosamente consequência de previsões racionais ou de manobras com finalidades políticas; é simples resultado de uma perturbação no delicado equilíbrio do otimismo espontâneo. Quando calculamos as perspectivas que se oferecem ao investimento devemos levar em conta os nervos e a histeria, além das digestões e reações ao estado do tempo das pessoas de quem ele principalmente depende.
Não devemos concluir daqui que tudo depende de marés de psicologia irracional. Pelo contrário, o estado de previsão a longo prazo é frequentemente estável, e quando mesmo o não seja, os outros fatores tendem a compensar-se. O que apenas desejamos lembrar é que as decisões humanas que envolvem o futuro, sejam pessoais, políticas ou econômicas, não podem depender da estrita previsão matemática, uma vez que as bases para realizar semelhante cálculo não existem, e que a nossa inclinação inata para a atividade é que faz andar as coisas, escolhendo a nossa inteligência o melhor que pode entre as diversas alternativas, calculando sempre que há oportunidade, mas encontrando-se muitas vezes desarmada diante do capricho, o sentimentalismo ou o azar.
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Keynes entendia, portanto, que um governo “trabalhista”, ou seja, um governo preocupado antes com a renda do trabalhador do que com o lucro dos empresários, sofreria uma oposição, natural e até mesmo compreensível, por parte de setores capitalistas dominantes.  E que, em momentos de crise, esse mal estar político ajudaria a deteriorar o “espírito animal” – condição fundamental para a decisão de investir.
Entretanto, ele conclui que, no longo prazo, as coisas se equilibram, porque ao lado dos “nervos” e a “histeria”, voltam à cena os fundamentais profundos da economia.
Eu acrescentaria que, no Brasil, temos que enfrentar armadilhas complexas operadas pelo próprio capital. O sistema, por exemplo, faz uma pressão inaudita pelo aumento dos juros, sempre alegando que se trata de medida essencial para combater a inflação.
De fato, os juros podem combater a inflação, mas de uma maneira duplamente cruel: aumenta o lucro do capitalista no alto da pirâmide e deprime a renda do trabalhador.
Há uma luta cruenta do capital para que seu lucro jamais diminua, e o retorno de capital no Brasil é, historicamente, muito superior à média dos países avançados. A inflação baixa tende a normalizar o retorno, de maneira que os empresários, tentando preservar seus lucros, e se valendo do aumento da renda do trabalhador, elevam o preço dos produtos, seja simplesmente através de remarcação de preço, seja substituindo o produto por outro, mais caro.
A elevação da taxa de juros traz alívio a classe empresarial porque ela é bígama: aposta na produção e aposta no mercado financeiro. Juros mais altos, aumentando seus lucros com o negócio de títulos, compensam o que perdem com inflação baixa.
Ontem, os jornais noticiaram que o Bradesco, que divide com o Itaú o posto de maior banco privado no país, registrou um lucro 23% maior este ano. Os executivos entrevistados admitiram que “a melhoria foi muito em razão da alta dos juros cobrados dos clientes. Isso ajudou a melhorar a rentabilidade”.
Ora, é claro que esse dreno financeiro, um verdadeiro assalto, do bolso de cidadãos e empresas, para o de meia dúzia de nababos da elite financeira, não ajuda em nada a melhorar o poder de compra do consumidor de produtos industriais, sobretudo aqueles de alto valor agregado, como carros.

O país precisa, além disso, discutir o seu modelo industrial, ainda muito dependente da indústria de autopeças.
Está claro que a crise econômica argentina, tratada quase com êxtase por nossa mídia, prejudicou nossas exportações, o que se refletiu na produção industrial brasileira. A Argentina responde por mais de um terço de nossas exportações industriais. A decisão de vender produtos industriais para a Argentina, é bom frisar, não é uma decisão “ideológica” do governo. Europa, EUA e China não compram, ou compram muito pouco, manufaturados do Brasil.
Exportar manufaturados para a América Latina e, especialmente para a Argentina nunca foi uma escolha: é isso ou não exportar nada.
A nossa indústria sempre se manteve principalmente através do mercado interno. E aí voltamos ao nosso modelo industrial.
Está claro, para qualquer um que dirija pelas grandes cidades brasileiras, que temos um problema grave de superpopulação de automóveis. O boom na renda dos últimos anos, somado à ampliação do crédito, levou milhões de brasileiros a adquirirem seu primeiro carro ou moto, ou a trocarem o velho por um novo.
Em termos de veículo per capita ainda estamos longe dos EUA, mas são países com distribuição urbana diferente. A população americana é mais dispersa pelo território, aqui há uma concentração excessiva em grandes cidades que cresceram mais rápido do que a sua infra-estrutura.
A questão da mobilidade urbana surgiu como uma das bandeiras principais das manifestações ocorridas no ano passado. E a própria presidenta aumentou substancialmente os recursos federais repassados às federações, para que investissem em obras no setor.
O declínio da produção industrial em julho, porém, deveria produzir um esforço para pensar que oportunidades tiraremos dessa crise.
A mídia só pensa em culpar o governo por tudo, recusando-se deliberadamente a contribuir para o debate em torno de um novo modelo industrial para o país, que reflita um mundo globalizado, onde será cada vez mais difícil competir com indústrias asiáticas.
Quais nossas vantagens comparativas? Em que podemos ser melhores? A indústria brasileira tem tradição no setor de transportes. Somos um dos maiores produtores mundiais de carros, tratores, caminhões, ônibus, motos, aviões.
Voltamos a produzir grandes navios.
O que falta?
Ora, falta uma indústria ferroviária! Metrôs, VLTs, trens-bala, trens convencionais, esta é a saída para a crise de mobilidade urbana de nossas grandes cidades e a saída para a crise da nossa produção industrial.
Entretanto, quando a presidenta lança a ideia de um trem-bala entre Rio e São Paulo, cuja construção seria atrelada a construção de um pólo ferroviário no Sudeste, o que a nossa mídia faz?
Uma campanha violentíssima contra o projeto.
globo
Editorial do Globo contra o trem-bala, publicado em 14/08/2013, pegou o governo num momento de fragilidade política, por conta das manifestações. O projeto foi engavetado. 
Lembrando que, além do trem-bala entre Rio e São Paulo, havia um projeto de ligar a maioria das as grandes capitais com trens de alta velocidade.
Cadê o projeto? Sumiu.

O governo é culpado, naturalmente, por não fazer o embate político. Uma estrutura de comunicação timorata, ou covarde mesmo, corresponde a entrar no ringue da política desarmado. O resultado é que não se consegue levar nada adiante que não seja patrocinado pelos anunciantes de jornal. E os anunciantes de jornal são as mesmas velhas indústrias que não tem interesse nenhum em inovar. Às vezes, elas até lucram com a crise, porque esta força o governo a lhes conceder financiamentos cada vez maiores.

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