CLÉSIO COMPROVA TRATAMENTO DESIGUAL NO STF

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por Paulo Moreira Leite

Com a decisão de enviar o senador Clésio Andrade para julgamento pela Justiça comum de Minas Gerais, o mensalão PSDB-MG chega a um de seus momentos mais estranhos e deprimentes. Empresário de ônibus em Minas Gerais, muito rico e muito discreto, Clésio é o inventor de Marcos Valério, pivô dos dois mensalões. Foi ele quem patrocinou a entrada de Valério nas agências de publicidade de Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, que funcionaram como sede e cobertura para o esquema financeiro do PSDB, desde a campanha de 1998, e do PT, no final de 2002.

O STF anunciou o benefício de Clésio Andrade, que coloca seu processo na estaca zero, no mesmo dia em que José Genoíno começou a cumprir parte da pena de quatro anos e oito meses de prisão em regime domiciliar.
Lembra das denúncias de privilégios e regalias que acompanharam os prisioneiros da AP 470? Pois é…
Lembra daqueles homens de toga que iriam mandar os poderosos para a prisão?
Seguindo as pegadas de outro parlamentar do mensalão PSDB-MG, Eduardo Azeredo, Clésio Andrade renunciou ao mandato e conseguiu entrar numa caminhada pela justiça que pode terminar em lugar nenhum. Conforme a acusação que venha a receber – isso ainda não se sabe, dezesseis anos depois da campanha de 1998 – é muito provável que eventuais crimes já tenham sido prescritos.
Genoíno já não era deputado quando foi acusado de envolvimento no esquema financeiro criado por Valério. Também não se encontrava no exercício do mandato quando a AP 470 foi a julgamento. Sem maiores contatos com Valério, Genoíno foi acusado de assinar empréstimos que, conforme a Polícia Federal comprovou, foram usados para resolver problemas de caixa de campanha do partido – e não para atividades clandestinas de compra de apoio politico, como se disse no início. Foi preso em regime fechado – embora tivesse direito ao aberto no dia em que chegou a prisão. Cardiopata grave, enfrentou sucessivas juntas médicas, como parte do esforço de Joaquim Barbosa para negar o pedido de prisão domiciliar. Principal trofeu politico da AP 470, José Dirceu já tinha sido cassado pelo Congresso quando foi a julgamento. No momento da denúncia, em 2007, ele se encontrava na mesma condição legal de Clésio Andrade, ontem. O mesmo aconteceu com Luiz Gushiken, que deixou o ministério para se defender. Outro condenado e preso, Delúbio Soares, nunca foi deputado. Até queria ser candidato, em 2002, mas atendeu a um pedido do partido.
Quando Márcio Thomaz Bastos, advogado de um dos réus, colocou uma questão de ordem sobre o desmembramento, em 2012, foi vencido por 9 votos a 2. O direito reconhecido a Clésio, ontem, foi negado aos réus da AP 470, há apenas dois anos. Mas já fora assegurado aos réus tucanos, em decisão anterior. Naquele momento, o jogo estava claríssimo, embora nem todos quisessem reconhecer. “Dois pesos, dois mensalões,” escreveu mestre Janio de Freitas.
Creio que dificilmente veremos um momento tão desmoralizante para quem acredita que todos os homens e mulheres têm direito a tratamento igual perante a lei – qualquer que seja o gênero, raça, origem social, religião ou credo politico. A decisão – perfeitamente legal – que beneficou Clésio consolida aquilo que sempre se disse mas nem todos queriam acreditar – até porque certas situações são tão difíceis de aceitar como naturais que temos problemas para crer naquilo que nossos olhos enxergam.
O grande mito político usado para justificar o caráter de exceção do julgamento foi a necessidade de dar um exemplo simbólico ao país, mostrando que a lei também alcança os poderosos.
Eu sempre achei que isso era uma bobagem. Sempre escrevi que exemplos e símbolos podem ser muito úteis nas escolas de marketing e divãs de psicanalistas da linha junguiana mas na vida real do Direito e da Política é bom manter o pé no chão e analisar os fatos. Embora envolvessem os mesmos banqueiros, as mesmas agencias de publicidade e o mesmo esquema para distribuição de recursos, a Justiça está mostrando ao país que reconhece a existência de réus diferenciados, com direitos diversos e prerrogativas particulares.
Desculpe, dona Cely, a combativa professora de História do Brasil do Ginásio Industrial Guaracy Silveira, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, com quem aprendi a desconfiar das falsas belezas do mundo. Com sua energia e seu humor, a senhora nos ensinou que essa desigualdade ostentada, reconhecida, imutável e humilhante para a democracia, tinha sido abolida na França, em 1789, e em República, em 1889, que eliminou os vestígios da nobreza magricela que gravitava em torno de Pedro II. Como ficamos agora?
Vamos pensar numa cena típica da campanha presidencial de 2014, a entrevista de Aécio Neves no Jornal Nacional, anteontem. Depois de lembrar as críticas do PSDB ao PT em função da AP 470, a apresentadora Patrícia Poeta, do Jornal Nacional, pediu explicações a Aécio Neves, candidato tucano, sobre o mensalão do PSDB-MG. Aécio respondeu:
–Eu acho que a diferença é enorme. Porque no caso do PT houve uma condenação pela mais alta corte brasileira. Estão presos líderes do partido, tesoureiros do partido, pessoas que tinham postos de destaque na administração federal, por denúncia de corrupção. Eu nunca torci para ninguém ser preso. Sendo aliado ou adversário. Apenas torcia sempre e esperava que a Justiça se manifestasse. Em relação ao PSDB ou aqueles sem partido, se tiverem denúncias que sejam consistentes, têm que ser investigadas e têm que responder por elas.
É isso. O STF garantiu, ao PSDB, o benefício da dúvida – pois é disso que está falando Aécio. Parece que a justiça se fez.
Até o candidato do PSDB ao governo de Minas Gerais, Pimenta da Veiga, entrou na lista dos beneficiarios de Valério. Recebeu quatro cheques no início de 2003, totalizando R$ 300 000. Está lá, contabilizado, nas contas bancárias apuradas pela Polícia Federal. Mas, como Pimenta – como Clésio, como Azeredo – não foi julgado, Aécio tem todo direito de dizer que se aguarde pela manifestação da Justiça.
Em 2004, integrantes do Ministério Público de Minas Gerais, entregaram a Claudio Fonteles, então procurador geral da República, uma denúncia pioneira sobre o mensalão PSDB-MG. Naquele momento, Roberto Jefferson nem havia dado sua entrevista usando a palavra “mensalão.”
O procurador examinou o caso, concluiu que havia indícios consistentes e apresentou denúncia ao Supremo. O ministro Antonio Carlos Ayres Britto acabou escolhido para examinar a denúncia, que tinha caráter cível, e não penal. O caso não teve uma conclusão até a aposentadoria de Britto, em 2012.
Durante o julgamento da AP 470, Ayres Britto, que ocupava a presidência do STF, enviou uma advertência ao ministro Ricardo Lewandovski, revisor da denúncia de Joaquim Barbosa. Britto estava com pressa e deixou claro que estava preocupado com a demora nos trabalhos de Lewandovski. Num dado pouco comum, a atitude de Britto chegou aos jornais.
Em seu trabalho como presidente do STF, Britto fez críticas publicas ao Partido dos Trabalhadores, chegando a dizer pela TV que o mensalão eram uma forma de “golpe, um golpe raso,” para o PT perpetuar-se no poder.
Em 2014, fora do tribunal, Ayres Britto fez um serviço de advogado para o candidato Aécio Neves. Confeccionou um parecer sobre a pista do aeroporto de Claudio, assegurando que nada havia de errado, juridicamente, naquela obra com recursos públicos, de R$ 14 milhões, na fazenda de um tio avo do candidato. Pelo parecer, Ayres Britto recebeu R$ 56 000.
Na última decisão relevante antes do julgamento da AP 470, o relator Joaquim Barbosa enfrentou um debate com o decano Celso de Mello. Este não se conformava com a negativa do relator em abrir, para o plenário, as provas e documentos reunidos num inquérito a parte, 2474, que teriam muito a dizer sobre o caso. Nada feito. Por decisão de Joaquim, o 2474 permaneceu em segredo.
Nas ultimas semanas, o circulo de politicos que cerca Aécio Neves tem espalhado que, em caso de vitória nas urnas, Joaquim Barbosa pode ser convidado para ministro da Justiça em seu governo.
O tempo… ah, o tempo.
Paulo Moreira Leite
Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

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