A grande falácia da geração de saldo de vagas

 Autor: Miguel do Rosário
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Agora, todos os meses, sempre que o Ministério do Trabalho divulga os números de geração de emprego, os jornais mancheteiam o apocalipse: geração de emprego é a pior em 15 anos!
É uma falácia, um caso de burrice coletiva, que assola até o governo federal. Espero que, ao longo da campanha eleitoral, alguém tome uma providência para estancar essa verdadeira fraude.
Vamos lá. Segundo o IBGE, as regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, monitoradas de perto pelo governo, possuíam uma população economicamente ativa estimada em 24,1 milhões de pessoas em abril deste ano.

Deste total, 22,9 milhões estão ocupadas, ou seja, possuem um emprego ou exercem um trabalho não remunerado (donas de casa, por exemplo).
A taxa de desocupação (desemprego) em abril de 2014 era de 4,9%, o que corresponde a 1,2 milhão de pessoas.
A imprensa faz uma confusão deliberada quando fala que o mercado criou tantas vagas em tal mês. Os números do Caged, do Ministério do Trabalho, trazem três colunas: admissão, demissão e saldo. Apenas o saldo é levado em conta, para efeito midiático.
Se as regiões metropolitanas tinham 1,2 milhão de pessoas (economicamente ativas) desocupadas em abril de 2014, então para haver saldo, uma parcela dessas pessoas tem de arrumar emprego.
Pois bem, apenas cinco anos atrás, em 2009, as mesmas seis regiões metropolitanas tinham 2,84 milhões de pessoas desocupadas.
Os saldos de emprego espetaculares registrados nos últimos anos se deram porque a magnitude da população desocupada também era grande.
Conforme a população desocupada vai diminuindo, junto com a queda no desemprego, a tendência é haver saldos menores de geração de emprego.
Essa lógica só é quebrada quando pessoas que já tinham desistido de procurar emprego, por serem jovens demais, ou idosas demais, ou doentes, resolvem voltar a procurar. Isso não acontece apenas em momentos de boom econômico. Acontece também durante crises.
Se o desemprego chegar a zero, então teremos, no mês seguinte, um saldo igual a zero de geração de empregos. O que a imprensa dirá? Haverá manchete apocalíptica dizendo que é o menor saldo desde a chegada de Cabral ao Brasil?
Temos uma situação absurda, que se reflete nas manchetes de jornal. De vez em quando um analista diz que há uma incoerência entre o desemprego baixo, os salários altos, e a baixa geração de emprego. Mas não há. É uma relação lógica.
Entretanto, o saldo de emprego deveria servir de termômetro para checarmos a temperatura da economia. Só que alguém tem de inventar uma fórmula que faça a mediação entre o saldo e o desemprego. Não é tão fácil, contudo. Porque à medida que declina o número de pessoas desocupadas, vão ficando aquelas com mais dificuldade, por alguma razão física, psicológica, intelectual ou profissional, em ingressar no mercado de trabalho.
Nem o “emprego na indústria” me parece um bom indicador econômico, não como a imprensa o vem usando. Se uma fábrica com dois mil funcionários demitir 50% deles e substituí-los por robôs japoneses, isso não é indicativo de “crise” econômica, e sim de mudança de modelo tecnológico. Ao Estado, cabe oferecer o colchão social que dê tempo para os trabalhadores migrarem para outros setores.
Do jeito que está, as notícias sobre o saldo se tornaram inúteis. Desinformam mais que qualquer outra coisa. Pior, cumprem uma função idiotamente negativa, porque induz a sociedade a imaginar uma situação pior do que ela é na realidade. Cumprem uma função recessiva, desestimulando investimentos e, portanto, a geração de… empregos.
Os únicos números realmente completos para se entender o mercado de trabalho e a situação sócio-econômica do país são a taxa de desemprego e o nível dos salários: a primeira é a mais baixa da história; e o segundo, o mais alto.
Como será possível falar em crise no mercado de trabalho se o desemprego está abaixo de 4% em algumas regiões metropolitanas importantes?
A crise está em nosso sistema de informação, isso sim!

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