5 obstáculos para construir um sistema tributário justo no Brasil
Najla Passos
Brasília - O sistema tributário de um país é o conjunto de impostos, taxas e
contribuições através dos quais o Estado obtém recursos para cumprir suas
funções, como a oferta de bens e serviços públicos de qualidade. Portanto, tanto
pode ser instrumento para promover a distribuição de renda quanto para ampliar a
acumulação capitalista de poucos.
No Brasil, é consenso que o sistema tributário é injusto, qualquer que seja o
parâmetro adotado para avaliá-lo. Estudo realizado por Maria Helena Zockum, em
2004, mostra que os mais pobres, com renda de até 2 salários mínimos, eram
onerados em 48,8% com impostos, enquanto os mais ricos, com renda superior a
30 salários mínimos, em apenas 26,3%.
Para corrigir essas distorções, não há outro caminho possível que não seja executar
uma ampla reforma tributária, pauta que segue emperrada no Congresso devido às
diferentes visões de qual deve ser o seu propósito: a reforma tributária pela qual
os empresários clamam com o apoio dos setores mais conservadores não é a
mesma que irá ajudar a superar o cenário de desigualdade social e regional que
ainda impera no país.
Esta semana, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) sabatinou os três
candidatos que lideram a corrida presidencial e os presenteou com o documento
“Proposta da Indústria para as Eleições 2014”, no qual propõe suas 48
reivindicações para o desenvolvimento do Brasil. Confira aqui quais são os 5
principais pontos que dialogam com a reforma tributária e entenda porque eles não
favorecem o conjunto da sociedade:
1 – Nova governança para a competitividade.
Quando os setores mais conservadores da sociedade criticam a Política Nacional de
Participação Social criada pelo governo Dilma, isso se deve não ao fato de que ela
rompa com os trâmites legais da democracia representativa, como eles alegam,
mas ao simples fato que considera ouvir a opinião do povo para a tomada de
decisões do Executivo.
Quanto o tema é aumentar a competitividade tão almejada pelo setor da indústria,
são eles mesmo que propõem a criação de um novo tipo de governança, formada
por representantes públicos e privados, que seja priorizada pela presidência da
república e tenha liderança executiva reconhecida, foco e prioridade para a ação,
flexibilidade para superar obstáculos e, principalmente, poder decisório.
O problema é que a proposta reivindica que o grupo seja restrito e limita a
representação social a dos empresários. Outros segmentos, como o dos
trabalhadores, ficariam completamente alijados de quaisquer decisões que
afetariam a vida de todos!
2 – Não pagamento de impostos sobre investimentos
Para aumentar a competitividade nacional, os empresários não querem pagar
impostos. Em outras palavras, querem deixar que os outros setores da sociedade,
como os dos trabalhadores e aposentados, financiem todos os serviços prestados
pelo Estado. As desonerações já reduzem – e muito – os recursos para o
financiamento das políticas públicas sociais. E seus patamares vêm crescendo nos
últimos anos.
Como a discussão sobre a reforma tributária não ocorre de forma ampla, aberta à
participação de toda a sociedade, as mudanças acabam ocorrendo nos gabinetes
dos ministros, onde os empresários têm mais acesso e influência do que outros
setores. Dados da Receita Federal mostram que as desonerações e isenções
somaram 1,69% do PIB em 2005, 2,77% em 2008, 3,20% em 2009 e 3,42% em
2010.
Para se ter uma ideia do prejuízo que isso representa para o país, os 3,42%
relativos às isenções que não entraram no PIB em 2010 (cerca de R$ 114 bilhões)
representavam mais que o dobro do orçamento inicial previsto para o Ministério da
Educação (R$ 50,9 bilhões) e ficaram bem próximos do dobro do orçamento do
Ministério da Saúde (R$ 66,7 bilhões).
Ainda há outras variantes graves na política de isenções específica para os
investimentos. A população de um estado que aceita sediar uma siderúrgica
altamente poluente, por exemplo, não será beneficiada com os serviços públicos
melhores que, pelo menos em tese, seriam possíveis de serem financiados pelo
pagamento dos impostos gerados pela atividade econômica.
3 – Não pagamento de impostos sobre as exportações
Os empresários também não querem pagar impostos sobre as das exportações. É
verdade que, isentos, os produtos brasileiros se tornam mais competitivas no
mercado internacional. Mas o culto para o desenvolvimento regional é grande,
principalmente nos estados em que a pauta se reduz aos produtos primários ou
commodities. Tanto que os estados beneficiados pelas desonerações já previstas
pelas legislações vigentes, em especial a Lei Kandir, são os mais pobres do país.
Os estados do norte, por exemplo, não obtém o retorno necessário com a
exportação do minério que possuem. A comparação com o retorno proveniente da
exploração de petróleo é gritante. Dados do Ministério de Minas e Energia revelam
que os royalties minerais não chegam a representar 2% do valor da produção do
setor, enquanto as rendas do petróleo representam cerca de 20%.
Além disso, as medidas que desoneram exportações de produtos primários e
semielaborados terminam incentivando a exportação de commodities em
detrimento da agregação de valor no país. Em outras palavras, não estimulam em
nada a industrialização. Dados do Ministério de Minas e Energia, revelam que, em
2008, foram exportados 282 milhões de toneladas de minério de ferro, o seria
suficiente para produzir 170 milhões de toneladas de aço. Essas transações
equivaleram também à exportação de 680 mil empregos.
4 – Redução do custo do trabalho
De todas as propostas dos empresários para a reforma tributária, a redução do
custo do trabalho é a que afeta de forma mais gritante a vida dos brasileiros mais
pobres, porque elimina parte da proteção social que resultou de anos de luta
sindical e trabalhista. Dentre as medidas apontadas, eles ressaltam a desoneração
da folha de pagamento, o que deixaria apenas a cargo dos próprios trabalhadores e
da sociedade por meio do estado, o financiamento das políticas sociais como INSS
e Fundo de Garantia, por exemplo.
A proposta completa propõe dogmas neoliberais como associar a política de
reajuste salarial a ganhos de produtividade. Em outras palavras, só dar aumento
ao trabalhador que conseguir superar as metas impostas pela empresa, o que
criará também a remuneração diferenciada para a mesma função. Os empresários1/8/2014 www.cartamaior.com.br/detalheImprimir.cfm?conteudo_id=31508&flag_destaque_longo_curto=L
http://www.cartamaior.com.br/detalheImprimir.cfm?conteudo_id=31508&flag_destaque_longo_curto=L 4/4
querem, entre outras medidas, adotar jornadas de trabalho diferenciadas, com o
fim do mínimo de 1 hora de descanso no almoço, por exemplo, e contratar
trabalhadores que possam desempenhar múltiplas funções ao mesmo. Também
apresentam marco legal para as terceirizações que, praticamente, acaba com o
trabalho com carteira assinada em todas as atividades.
5 - Manter os mais pobres pagando mais
Como já foi dito, a principal razão para o sistema tributário brasileiro ser tão
injusto é que os mais pobres pagam um percentual maior de impostos do que os
mais ricos. Isso ocorre porque o país privilegia a taxação da circulação de bens e
serviços, em que todos os brasileiros pagam a mesma alíquota, ao invés da
tributação da renda e da propriedade, na qual quem tem mais paga mais, de forma
progressiva.
Em 2008, por exemplo, a carga tributária do país foi da ordem de 34,9% do PIB. As
incidências sobre bens e serviços somaram 16,3% do PIB e responderam por
46,8% do que foi coletado, enquanto os impostos sobre a renda e a propriedade
resultaram em 8,9% do PIB ou 25,6% da carga global.
O imposto de renda, mais especificamente, foi de 2,35% do PIB ou 6,7% do total
de impostos. Nos países da União europeia, a título de comparação, os diferentes
impostos sobre a renda recolheram, em média, quase 9% do PIB e somaram 25%
da receita de impostos. Da mesma forma, os impostos sobre propriedade, no
Brasil, coletaram cerca de 1,2% do PIB e sua participação na carga total foi de
apenas 3,5%. Já nos países da União Europeia, os impostos sobre propriedade
alcançaram, em média, 1,9% do PIB ou 5,4% da arrecadação global. Isso faz a
diferença: lá, os que ganham mais e tem mais propriedades contribuem mais e, por
isso, a desigualdade social é muito menor.
Para agravar, no Brasil, o próprio Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF)
cobra mais dos pobres do que dos ricos. Ainda que os últimos sejam penalizados
com alíquotas mais altas, também são beneficiados com uma série de isenções
que não atingem aqueles que se servem, por exemplo, dos sistemas públicos de
educação e saúde. Os empresários sabem que isso é injusto, mas não propõem
nenhuma medida para corrigir a distorção. Até falam em simplificar e modernizar o
Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF). Mas é só isso. Por eles, grandes
fortunas e grandes propriedades seguem subtaxadas.
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