“Se não opinamos na CBF, imagina na Globo”: Paulo André, do Bom Senso F.C., fala ao DCM

Paulo André
Paulo André

Atualmente na China, o zagueiro Paulo André Cren Benini é um dos idealizadores do Bom Senso F.C., movimento que cobra melhorias no futebol brasileiro. Com o fim da Copa do Mundo do Brasil e a humilhação que a seleção sofreu contra a Alemanha, ganhou fôlego a urgência de mudanças em entidades como a CBF. 
Paulo André joga no time chinês Shanghaï Shenhua, mas já passou pela equipe francesa Le Mans, além de Guarani, Atlético Paranaense e Corinthians. Ao DCM, o atleta falou sobre as mudanças necessárias no futebol, a humilhação na Copa e política.

O que você achou do desempenho da seleção na Copa do Mundo?
Não acho que a seleção fracassou tanto. As pessoas perderam a razão e se deixam levar pela emoção e pelo placar de 7 a 1. Minha visão não mudou por causa da Copa e nem minha críticas. O Brasil, fazendo tudo errado, chegou à semifinal. Algumas informações: 70% dos atletas profissionais ficam desempregados seis meses por ano, clubes grandes acumulam dívidas, dirigentes nunca são punidos, clubes pequenos estão jogados às traças,  jogadores entram na justiça do trabalho e podem esperar por até 10 anos pra receber os atrasados, a formação e a capacitação de profissionais é empírica e insuficiente e a média de público nos estádios tem a décima oitava posição no ranking mundial, atrás até de Estados Unidos e Austrália. Se não estamos no fundo do poço, estamos bem próximos dele. E a solução dada pelos dirigentes do futebol brasileiro é trocar a comissão técnica, o coordenador, o médico e o assessor de imprensa da seleção. Tem que ter muita cara de pau, não? Imagine se trilharmos o caminho correto? Seremos imbatíveis.
Os jogadores têm alguma culpa no estado das coisas no futebol? 
Todos nós temos culpa. Os jogadores de futebol refletem a própria sociedade brasileira. Estudaram nas mesmas escolas públicas, tiveram as mesmas poucas oportunidades, não sabem ou não conseguem se posicionar politicamente, têm medo de retaliação e acabam por virar massa de manobra. O mesmo ocorre com o povo.
Quais são as propostas do Bom Senso F.C. para mudar a gestão da CBF, que tem dirigentes há 40 anos no poder?
O primeiro passo é propor a reforma política. É preciso oxigenar a estrutura de poder. Quem está no poder há décadas já provou que não tem capacidade de conduzir o futebol brasileiro com a excelência que o cargo exige. A CBF, numa tática de guerra conhecida como “teoria da intimidação”, controla seus 47 membros, sendo 20 clubes da série A e 27 federações estaduais. Esse jogo político emperra as medidas técnicas necessárias para o desenvolvimento do esporte no país. É preciso democratizar a CBF já.
Democratizar a CBF?
A CBF se ampara no artigo 217 da Constituição, inciso I que define que as entidades que administram o esporte no país tem autonomia financeira e estatutária. Esse artigo não permite nenhum tipo de intervenção ou regulação do governo. Ao mesmo tempo, a CBF se utiliza de um bem público que é a seleção brasileira e arrecada mais de R$ 400 milhões por ano. A oportunidade do Congresso Nacional e da presidente está na necessidade de que os grandes clubes de futebol, quebrados, têm pela aprovação da LRFE (Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte). O projeto propõe, entre outras coisas, o parcelamento da divida fiscal dos clubes, mas oculta a isenção da responsabilidade civil e penal dos dirigentes que cometeram irregularidades no período. Exigir dos clubes, em troca pelo parcelamento da dívida fiscal, a democratização da CBF, sem se excluir, é claro, a responsabilidade civil e penal, que venha a ser apurada, dos dirigentes seria um golaço. É para isso que o Bom Senso F.C. está trabalhando atualmente.
Dilma pode colaborar com essa mudança? 
Dilma tem uma única oportunidade de devolver a CBF, e todas as entidades que regem o esporte no país, ao povo brasileiro. Não devemos aprovar a LRFE do jeito que está. O projeto é frágil ao tentar garantir que os clubes estejam realmente em dia com suas obrigações fiscais e, principalmente, trabalhistas. Essa debilidade justifica o desespero dos dirigentes e a pressão da “bancada da bola” para sua rápida aprovação. Uma vez garantido o parcelamento, clubes e CBF voltarão a se blindar e não mais discutirão as mudanças estruturais do esporte. É preciso aproveitar a oportunidade e exigir dos clubes, em contrapartida pelo parcelamento da dívida, a regulação e a democratização do estatuto da CBF, limitando o mandato dos dirigentes a quatro anos com apenas uma recondução, dando voz e direito de voto aos atletas, treinadores, árbitros e todos os demais clubes filiados à entidade. O Congresso Nacional e a Dilma têm amplas condições de democratizar a autoritária e arcaica estrutura do esporte brasileiro.
Que papel deve ter o estado ou o governo na gestão do futebol brasileiro? 
Intervir para democratizar as estruturas de poder, regulando as entidades que administram a CBF, como os Teixeiras, Marins e Del Neros. Governo deve coubir a criação de novos impérios maléficos para o desenvolvimento do esporte brasileiro.
E o que você acha da corrupção no nível internacional, em entidades como a Fifa? 
É preciso lutar contra isso. Mas teremos muito trabalho com a CBF e com a Comembol antes de chegarmos a FIFA (risos).
O que você achou das Jornadas de Junho e dos protestos anti-Copa? 
Achei incrível e participei. E espero que voltem com mais frequência. O país precisa disso. Boa parte dos nossos políticos se esquecem de seu papel e de quem eles deveriam representar de fato. Uma reforma política se faz necessária para melhorar o modelo de representatividade. Apenas 8% dos nossos deputados foram escolhidos de forma direta. Isso é algo que não entra na minha cabeça.
A reforma que vocês propõem no Bom Senso F.C. inclui a Globo? 
Se não temos direito nem de votar e opinar dentro da CBF, imagine dentro da Globo. A Globo é uma empresa que visa o lucro. Ela controla os clubes por causa dos empréstimos e adiantamentos do contrato dos direitos de transmissão. Ela sabe jogar o jogo e está no direito dela de buscar o lucro. E a CBF, que deveria zelar e proteger o nosso futebol, é conivente. Para não ficarem expostos, fingem que o problema não é com eles. Para que os clubes fiquem menos dependentes da emissora, é preciso fechar a torneira, parar de gastar de forma insana, colocar as contas em dia e depois negociar o próximo contrato de TV em melhores condições, abrindo a concorrência. Por isso o Bom Senso luta por um Jogo Limpo Financeiro dentro do futebol, não esse de mentirinha que querem aprovar no Congresso. Sou um sonhador, não me julgue por isso.
Quais são os bons exemplos internacionais de boa administração do futebol? 
Existe na Alemanha, na Inglaterra e na própria França. As Confederações cuidam da Seleção e se preocupam com o futebol nacional, fomentando seu desenvolvimento em todas as dimensões: educação, formação e alto rendimento. Além de investir na responsabilidade social da prática esportiva, como lazer e saúde. Elas são responsáveis por capacitar treinadores, gestores, criar licenças e cursos para profissionalizar cada um dos segmentos citados acima e regulamentar todas as questões que envolvem o esporte no país. Enquanto isso, a Liga, a associação dos clubes, comanda o futebol profissional e seus campeonatos, visando o espetáculo e o lucro. Não é tão difícil de copiar, não é?
Pedro Zambarda de Araujo
Sobre o Autor
Escritor, jornalista e blogueiro. Atualmente escreve sobre tecnologia e games no site TechTudo. Teve passagem pelo site da revista EXAME. Formado em jornalismo pela Cásper Líbero, estuda filosofia na FFLCH-USP.

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