O sionismo é uma forma de racismo - Parte Um

Sionismo (em hebraico ציונות) é a ideologia desenvolvida na segunda metade do século XIX pelo jornalista e pensador político austríaco Theodor Herzl (1860-1904), que defendia a criação de um estado nacional para os judeus na Palestina, na época administrada pelo Império Otomano. A doutrina de Herzl incorporou conceitos do pensamento político europeu do período, em especial o nacionalismo, o darwinismo social e o colonialismo. 


Por Claudio Daniel*


Arquivo histórico
David Ben Gurion inaugura o cargo de primeiro-ministro no recém criado Israel, afirmando defender um "sionismo socialista". Atrás, a foto do teórico do sionismo, ideologia racista enraizada na formação política israelense, Theodor Herzl.David Ben Gurion inaugura o cargo de primeiro-ministro no recém criado Israel, afirmando defender um "sionismo socialista". Atrás, a foto do teórico do sionismo, ideologia racista enraizada na formação política israelense, Theodor Herzl.


























Em seu livro Der Judenstaat (O estado judeu), publicado em 1896, o autor afirma: “Não considero a questão judaica nem como uma questão social, nem como uma questão religiosa, qualquer que seja, aliás, o aspecto particular sob o qual ela se apresenta, conforme os tempos e lugares. É uma questão nacional” (HERZL, 1956: 42). 

A afirmação dos judeus como povo ou nação, porém, é reconhecida pelo autor como problemática, uma vez que há muitos séculos os judeus se espalharam por diferentes países, especialmente no Leste da Europa, onde são conhecidos como ashkenazis (em hebraico אַשְׁכֲּנָזִי ), na Espanha e no norte da África, onde estão os sefaraditas (em hebraico ספרדים), e também nos Estados Unidos, na Ásia Central, África Negra e no Oriente Médio, onde se encontram descendentes de povos convertidos ao judaísmo na antiguidade, como os falashas (em hebraico ביתא ישראל,) da Etiópia, os chiang-min e os yutai da China e os menashe (em hebraico בני מנשה;) da Índia (o caráter proselitista do judaísmo nos primeiros séculos da era cristã é referido pelo historiador israelense Shlomo Sand no livro A invenção do povo judeu, onde afirma que os próprios sefaradins e ashkenazis seriam descendentes de povos convertidos à fé judaica.

O pensamento judaico tradicional considera que a diversidade étnica dos judeus deriva das treze tribos da Israel bíblica). Herzl estabelece o princípio de que “nossa comunidade étnica é particular, única: a bem dizer, nós não nos reconhecemos como pertencentes à mesma raça senão pela fé dos nossos pais” (idem, 129), e ainda por “certos sinais exteriores relativos aos vestuários, aos hábitos da vida, aos usos e a língua” (idem, 44), sendo esta última não o antigo hebraico, que caíra no esquecimento, mas sobretudo o iídiche, derivado do antigo idioma alemão, falado nas comunidades judaicas espalhadas na Europa Central e do Leste, enquanto na Península Ibérica e no Norte da África surgiu o dialeto judeu-espanhol, ou ladino.

A ênfase na herança genética como elemento constitutivo da nacionalidade está ausente no livro de Herzl e seria elaborada por outros autores sionistas, entre eles Max Nordau (1849-1923), Martin Buber (1878-1965) e Vladimir Jabotinsky (1880-1940), expoente do sionismo revisionista, para quem “uma terra natural, uma língua, uma história comuns, tudo isso não constitui a própria essência da nação, mas sua simples descrição (...). A essência da nação (...) reside em seu atributo físico específico, na fórmula de sua composição racial” (in SAND, 2011: 467-468). O acréscimo de um pensamento biológico e de um messianismo religioso no nacionalismo judeu laico seria essencial para a formatação da ideologia sionista e da própria base jurídica do moderno Estado de Israel, como veremos mais adiante.

Recusa da assimilação

A diáspora judaica pelo mundo, conforme o pensamento de Herzl, em vez de levar a uma completa assimilação dos judeus nas sociedades em que viviam, contribuiu para o surgimento do antissemitismo : “Ninguém negará a situação infeliz dos judeus. Em todos os países onde vivem, por menos numerosos que sejam, a perseguição os atinge” (idem, 55). Com efeito, a sucessão de pogroms nos anos 1880, especialmente na Rússia, Romênia e em outros países da Europa Oriental, somada à repressão policial e às restrições legais impostas pelo czarismo, levaram milhões de judeus ao exílio.

Conforme escreve Shlomo Sand, historiador israelense da Universidade de Tel Aviv, “entre 1880 e 1914, por volta de 2 milhões e meio de judeus de língua iídiche refluíram para países ocidentais, passando pela Alemanha, e parte deles chegou até as margens da terra prometida do continente americano” (SAND, 2011: 453-454). O fluxo migratório, porém, teve escassa relação com o projeto sionista: “menos de três por cento dos judeus escolheram emigrar para a Palestina otomana, a qual, em sua maioria, abandonaram em seguida” (idem). Por outro lado, a igualdade de direitos entre judeus e gentios, embora fosse garantida na legislação de vários países europeus, não garantia sua segurança ou reconhecimento como cidadãos plenos, sendo que “os postos médios no exército, na administração, e os empregos particulares lhes são inacessíveis” (HERZL, 1956: 55).

Os judeus, prossegue Herzl, seriam atacados “no seio dos parlamentos, das assembléias, na imprensa, do alto do púlpito sagrado, na rua, em viagem”, concluindo o autor que “os povos entre os quais habitam judeus são, sem exceção, aberta ou disimuladamente, antissemitas” (idem, 57). A partir do sombrio diagnóstico da situação dos judeus na Europa, Herzl afirma a inutilidade de qualquer tentativa de adaptação das comunidades judaicas aos estados nacionais em que viviam há incontáveis gerações — motivo pelo qual se opõe aos casamentos mistos entre judeus e não-judeus, como no caso da Hungria, onde, segundo ele, “a forma atual da instituição do casamento aumentou ainda por diferentes modos as dissidências que existem na Hungria entre os cristãos e os judeus e, por esse processo, tem prejudicado mais do que servido à fusão das duas raças” (idem, 44).

Recusando a assimilação, que considera empresa fadada ao fracasso, Herzl propõe como alternativa a criação de um estado nacional para os judeus, que seria vantajosa, conforme o seu pensamento, para os próprios países europeus, que assim ficariam “livres” dos judeus . Além disso, o estabelecimento de um estado nacional judeu na Palestina representaria “um pedaço de fortaleza contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie” (idem, 73).

“Ficaríamos como estado neutro, em relações constantes com toda a Europa, que deveria garantir a nossa existência” (idem), conclui, antecipando a relação privilegiada que o futuro Estado de Israel teria com os Estados Unidos, França e Inglaterra, exercendo um papel estratégico no controle do Oriente Médio conforme os interesses dos países imperialistas (e recordemos aqui o conflito de 1956, em que as Forças Armadas israelenses tiveram um papel destacado na ocupação do Canal de Suez). A guarda dos lugares sagrados da tradição judaico-cristã é também pensada por ele como atribuição do estado judeu: “Formaríamos a guarda de honra em volta dos lugares santos e garantiríamos com a nossa existência o cumprimento deste dever. Essa guarda de honra seria para nós o grande símbolo da solução da questão judaica, depois de dezoito séculos de cruéis sofrimentos” (idem).

A guarda dos lugares santos de Jerusalém, efetivamente, passou para o controle de Israel, a partir da Guerra dos Seis Dias, em 1967, com a anexação ilegal de Jerusalém Oriental, contrariando decisão da ONU. Nesta cidade reverenciada pelas três religiões do deserto – judaísmo, cristianismo, islamismo – encontram-se o Muro das Lamentações, que a tradição judaica considera como um vestígio do Segundo Templo de Salomão, destruído pelos romanos em 70 d.C., e também a mesquita de Al-Aqsa (المسجد الاقصى) e o Domo da Rocha, os lugares mais sagrados na religião islâmica ao lado das cidades de Meca e Medina. O controle da Esplanada das Mesquitas pelas forças de segurança israelenses tem provocado constantes conflitos com os fieis muçulmanos, como ocorreu em setembro de 2000, quando a visita de Ariel Sharon ao Monte do Templo, protegido por um grande aparato policial, foi o estopim da Segunda Intifada.

*Claudio Daniel é poeta, professor de Literatura Portuguesa e editor da revista Zunái. 

Referências bibliográficas

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

FINKELSTEIN, Norman. A indústria do Holocausto. Rio de Janeiro: Record, 2001. Na internet (em PDF): http://resistir.info/livros/filkenstein_pt.pdf

GATTAZ, André. A guerra da Palestina. São Paulo: usina do livro, 2002.

HERZL, Theodor. O estado judeu. Ensaio de uma solução da questão judia. São Paulo: Tipografia-editora Monte Scopus, 1956.

LANGE, Nicholas. Povo judeu. São Paulo: Edições Folio, 2008.

SAID, Edward. Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

____ . A questão da Palestina. São Paulo: Editora da UNESP, 2011.

SAND, Shlomo. A invenção do povo judeu. São Paulo: Benvirá, 2011.

____ . A invenção da terra de Israel. São Paulo: Benvirá, 2014.


Reportagens na forma de histórias em quadrinhos:

SACCO, Joe. Notas sobre Gaza. São Paulo: Schwarcz Editora, 2010.

_____. Palestina. São Paulo: Conrad, 2011.


Documentários disponíveis em vídeo na internet:

The zionist story (legendas em português), https://www.youtube.com/watch?v=3jNYlUj2gMU

Ocupation 101 – A voz da maioria silenciada (legendas em português), https://www.youtube.com/watch?v=H8CUdOZayu4

Al-Nakba (legendas em português), https://www.youtube.com/watch?v=-M9Hm49sS7Y
Depoimento de Norman Finkelsten, https://www.youtube.com/watch?v=oubv7uimM18


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