O AMOR PELA SELEÇÃO
Choro dos craques vem do abismo entre os craques e o país, aberto pelo anti-Copa e pelo VTNC. É preciso fechá-lo
A conversa do dia é o choro dos meninos da seleção.
Nossa seleção chora de medo, um pavor profundo, um abismo, um buraco escuro na terra. Felipão, o verdadeiro, perdeu a energia e ficou desorientado. O capitão Tiago Silva sentiu medo de cobrar pênalti. Não conseguia nem olhar o chute dos outros. Chorou tanto que ninguém entendeu.
Julio Cesar também chorou e todo mundo entendeu.
Neymar seria o primeiro a bater o pênalti. Preferiu ficar por último. Vencemos, apesar de tudo. Mas não sabemos até onde vamos caminhar. Que importância tem isso?
Hoje, tudo.
--A Copa do mundo é nossa
Com o brasileiro não há quem possa...
Eeeeeeta esquadrão de ouro
É bom no samba, é bom, no couro
Fui bicampeão quando estava de cama, em 1962.
Doente, ouvi a final contra a Checoslováquia no quarto de casal dos meus pais. Lembro da voz de Fiori Gigliotti narrando cada gol pelo rádio, um Emerson num estojo de couro marron. O locutor mobilizava o país inteiro numa vibração emocionada, em que os objetos inanimados daquele quarto – o criado mudo, o abajur, as roupas dentro do armário, os cabides, os ternos do meu pai, o sapato de couro e sola de borracha do meu pai, aquelas gravatas bonitas como nunca vi igual, as bolsas que minha mãe guardava em caixas de papelão, e até o revolver 32 que meu pai manteve guardou até descobrir que os filhos estavam brincando com ele – pareciam fazer parte da torcida.
Quando a partida foi chegando ao final, eu estava tão emocionado que tive um delírio, coisa de Jorge Luís Borges. Imaginei que do outro lado do mundo, numa pequena casa na Checoslováquia, um menino ouvia o mesmo jogo ao lado do pai. Mas, na partida transmitida de rádio para aquele país, os checos é que venciam os brasileiros, também por 3 a 1. Os gols haviam sido feitos na mesma sequencia, no mesmo minuto – e lá, como na minha casa, todos estavam em festa, participando da mesma alegria única, inocente, que só o futebol permite.
Esta era minha final imaginária. Eu pulava e abraçava meu pai em São Paulo, e, no mesmo minuto, na Checoslováquia, em movimentos sincronizados e simétricos, aquele menino e seu pai também se abraçavam. Eu dava socos no ar, gritava o nome dos nossos jogadores, o menino gritava o nome dos jogadores da seleção deles, com aqueles nomes esquisitos. Aos poucos, eu via que as ruas de São Paulo e da Checoslováquia estavam ficando cheias, eram duas multidões comemorando a Copa do Mundo, sem perceber que, no país do time adversário, também havia uma grande festa, que as pessoas que falavam outra língua e usavam roupas diferentes – além de tudo, os checos eram comunistas -- também eram campeãs mundiais, porque tudo não havia passado de uma magia, de um sonho, embalado pelos locutores de rádio, onde ninguém era derrotado, e só haviam vencedores e todos podiam ficar alegres.
Antes que alguém pergunte, cinco décadas depois, eu respondo.
Não. Não havia mensagem nessa fantasia. Nem utopia. Era pura maravilha, dos bons contos de fada, que são belos porque não querem nos levar a lugar algum, apenas a mundos que não existem, onde vigoram ideias que nunca pensamos, sonhos que nunca tivemos.
A natureza humana é crítica, os motivos para queixas existem.
Agora há uma raiva grande contra as alegrias do povo. Há o cinismo.
Isso arranca lágrimas dos meninos. No time de 2014, não há nenhum adulto. Ninguém com autoridade para gritar, levantar a cabeça e reagir.
É um problema real, do time, mas não é só.
No começo, era chique pensar que o concreto dos estádios não era concreto. Também valia questionar estatísticas sem estatísticas. Foi daí que veio o VTNC.
Depois, vieram os estrangeiros, que nunca tiveram dificuldade para se impor sobre a multidão de vira-latas que perambulam pelo país, buscando oportunidades para o bolso em várias formas de lixo humano.
Eles projetaram detalhadamente um apocalipse final, que deixasse a todos com culpa, a todos irmanados naquele que é o sentimento mais profundo e necessário a sua visão de mundo – a vergonha de ser brasileiro. É este sentimento que leva a oferecer tudo, até nossas moças, a estrangeiros, sem o menor respeito, sem perceber que mesmo as mais humildes podem nos dar lições preciosas, ingênuas só na aparência, como fez a babá Lola naquele terraço de 1958.
Vamos pressionar os juízes para que, na dúvida, fiquem contra o Brasil.
E é ela que ameaça nossos craques.
Quem garantiu uma grande Copa foi o povo brasileiro, com sua hospitalidade, seu humor, seu amor pelo futebol. Imagine se fosse um campeonato de críquete.
Desta vez, criou-se um ambiente negativo contra um país inteiro, que não se baseava num erro nem em vários erros – mas no oportunismo político. No quanto pior, melhor.
Até hoje o anti Copa não desistiu de ver a derrota de brasileiros em sua própria casa. Espera colher frutos em outubro. Quer o povo de cabeça baixa.
Isso abriu um abismo entre a seleção e o país. Por essa razão os craques choram, não se equilibram, sentem medo com facilidade.
Essa distância precisa ser vencida. Quem diz é o craque Tostão:
“O que salva a seleção é o envolvimento emocional dos jogadores, empurrados pela torcida e pela pressão de jogar em casa.”
Comentários