Miguel do Rosário: O desemprego e o saldo
Por Miguel do Rosário
No: O Cafézinho
Imagine um país com desemprego zero.
Não será um mundo perfeito porque ainda haverá gente que não trabalha onde quer, ou que trabalha de má vontade, ou que não gosta de trabalhar, ou que é maltratada no emprego, ou que ganha mal.
Inegável constatar, porém, que será um avanço. Todo mundo trabalhando.
No entanto, a cada 30 dias, os jornais darão a notícia terrível:
Saldo de emprego próximo de zero!
Nunca foi gerado tão pouco emprego no país!
Saldo de emprego é o pior em 100 anos!
Parece absurdo. Como é possível que o desemprego de um país chegue a zero, e mesmo assim a opinião pública seja bombardeada, todo mês, com uma notícia péssima sobre o saldo de vagas criadas?
A explicação é simples. A relação entre a curva do desemprego e a da criação de vagas é “assintótica”.
Me perdoem se eu estiver usando incorretamente este conceito. Quem tentou me ensinar foi uma leitora.
Quanto mais cai o desemprego, mais a linha de criação de vagas tende a ficar horizontal, e baixa.
Não estou dizendo que deveríamos desprezar os dados relativos à criação de vagas. Eles servem para capturar a temperatura do mercado de trabalho.
Entretanto, se não forem cotejados com o nível de desemprego, haverá um distorção.
Observe os gráficos. Repare como o saldo de emprego vai seguindo a curva da desocupação.
Vou tentar usar uma outra metáfora.
Imagine uma pessoa muito gorda.
Nos primeiros meses de regime, ela perde uma enorme quantidade de peso: 50 quilos.
Ela pesava 150 quilos, agora tem 100 quilos.
Ela quer emagrecer mais. Só que não poderá emagrecer 50 quilos novamente. Ela pode perder no máximo 10 ou 15 quilos.
E assim, conforme ela for emagrecendo, terá que perder cada vez menos peso. Até chegar num ponto onde não poderá perder mais nada.
Seria uma estupidez, contudo, lamentar que fulana, que no ano anterior conseguira perder 50 quilos, este ano perdeu apenas 5 quilos. Ora, antes ela tinha gordura extra para destruir. Agora, não tem mais.
A mesma coisa acontece com o emprego. Em 2003, havia um enorme contingente de desempregados. Tínhamos uma reserva de mão-de-obra ociosa. Conforme esta reserva foi se integrando ao mercado de trabalho, a própria reserva declinou.
Os saldos vão ficando menores.
A relação do saldo de criação de vagas com o desemprego só não é exata porque há outras variáveis, como a entrada de jovens no mercado de trabalho, e a aposentadoria de outros.
Também há sempre aqueles que desistem de procurar vaga e voltam a fazê-lo em momentos de grande aquecimento da economia.
Observe, por exemplo, que, em junho de 2008, houve uma criação recorde, de 309 mil vagas. Tínhamos ali a coroação de um processo de mudança profunda no mercado de trabalho, que em dois anos saiu de um patamar de dois dígitos, para algo em torno de 8%.
Em junho de 2003, o desemprego estava em 13%. O PIB cresceu apenas 0,5% aquele ano, câmbio instável, querendo explodir, inflação batendo em dois dígitos. No entanto, em junho de 2003, o saldo gerado foi de 126 mil postos de trabalho, cinco vezes mais que os 25 mil postos gerados em junho de 2014.
Ué, quer dizer que o mercado de trabalho em 2003 estava muito melhor do que hoje?
Outros números desmentem esse dado. Vamos desconsiderar os desligamentos, por exemplo, e observar somente as admissões: em junho de 2014, as empresas brasileiras contrataram 1,64 milhão de pessoas. Nos 12 meses terminados em junho, as admissões totalizaram 21,9 milhões de empregos.
Em junho de 2003, as admissões somaram apenas 825 mil postos de trabalho; nos 12 meses terminados em junho de 2003, foram 9,8 milhões de postos gerados.
Estamos muito melhor hoje!
A curva do saldo da criação de vagas tende a despencar especialmente a partir de um determinado patamar do desemprego, quando apenas as pessoas com menos preparo profissional passam a ocupar fatias maiores do universo total de desempregados.
Se o desemprego está próximo de 5%, conforme o IBGE, então temos o seguinte quadro: todas as pessoas com preparo já estão empregadas; não entrarão no saldo de criação de vagas. No máximo, podem pular de um emprego para outro, e de fato a rotatividade aumentou bastante nos últimos anos, com trabalhadores procurando empregos melhores.
Surpreende-me que o próprio governo federal não atente para essa distorção.
O Brasil vive um momento próximo do pleno emprego, e o governo, ao invés de faturar com isso, deixa que a imprensa invente uma “crise” no mercado de trabalho com base numa interpretação mentirosa e antimatemática dos fatos.
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