Massiva “Intifada” popular: a guerra que derrotará Israel
18/7/2014, [*] Ramzy Baroud, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Quando os cadáveres de três colonos israelenses – Naftali Frenkel e Gilad Shaar, ambos com 16 anos, e Eyal Yifrach, 19 anos – foram encontrados dia 30/6/2014 perto de Hebron no sul da Cisjordânia, Israel entrou em luto profundo, e uma onda de simpatia cresceu em todo mundo. Os três estavam desaparecidos havia 18 dias, em circunstâncias até hoje não esclarecidas.
Todo o episódio, sobretudo depois do fim triste, pareceu traumatizar os israelenses a ponto de não verem, ali, algumas duras verdades sobre os colonos e a militarização da sociedade israelense. Além das fotos dos três infelizes jovens (o mais velho dos quais era soldado profissional), os “analistas” nada ofereceram que ajudasse a ver o contexto dos eventos. Raros comentaristas, se algum o fez, culpou o culpado mais flagrantemente visível – as políticas expansionistas de Israel, que semearam e continuam a semear ódio e violência extrema, com vastos derramamentos de sangue.
Antes de os cadáveres serem encontrados, já se conhecia a face real do governo de extrema direita do primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu. Poucos, algum dia, tiveram qualquer ilusão sobre a possibilidade de alguma ocupação “pacífica”, por governo que incluía figuras como Avigdor Lieberman, no Ministério de Relações Exteriores; Naftali Bennett, como ministro da Economia; e o vice-ministro da Defesa Danny Danon. Mas como havia “crianças” – foi a palavra que o próprio Netanyahu usou – envolvidas, nem os mais críticos esperaram qualquer tipo de análise propriamente política.
Até entre os palestinos houve onda de simpatia e preocupação com os colonos desaparecidos. Mas evanesceu rapidamente, ante a violência da resposta israelense (na Cisjordânia, em Jerusalém e, na sequência, com guerra total contra Gaza) – que toda a opinião pública respeitável, em todo o mundo, considerou desproporcional e cruel. Aquela resposta nada teve jamais a ver com a morte trágica dos três jovens. A guerra de Israel contra Gaza é obra de Netanyahu, de demorados e bem elaborados planos políticos.
Enquanto esquadrões-da-morte formados por israelenses partiam em surto alucinado de linchamento e limpeza étnica de palestinos, por toda Israel, em Jerusalém e na Cisjordânia – e surto de tais dimensões que houve quem o comparasse a um “pogrom” – soldados israelenses da ocupação executavam operação de prisões em massa de centenas de palestinos, a maioria dos quais membros e apoiadores do Hamás.
O Movimento da Resistência Islâmica Hamás declarou que nada tivera a ver com a morte dos colonos, o que parece plausível, porque o Hamás jamais deixou de exigir os créditos das ações executadas pelo braço armado do Movimento. Claro que os estrategistas militares israelenses sabiam que o Hamás nada tivera a ver com as mortes.
Mas a atual guerra contra o Hamás tem pouco a ver com os colonos mortos. A atual guerra da Israel ocupante contra o Hamás só tem a ver com as circunstâncias políticas que antecederam o desaparecimento dos colonos.
Dia 15/5/2014, dois jovens palestinos, Nadim Siam Abu Nuwara, 17 anos, e Mohammed Mahmoud Odeh Salameh, 16 anos, foram assassinados por soldados israelenses, quando participavam de uma manifestação de protesto, parte das atividades do aniversário da Nakba, a Grande Desgraça, a Grande Catástrofe. Há vídeos que mostram que Nadim aproxima-se andando normalmente na direção de um grupo de amigos, até que cai, repentinamente, atingido por uma bala do exército de Israel. Vídeo e fotos a seguir:
Os assassinatos de Nadim Siam Abu Nuwara, 17 anos, e Mohammed Mahmoud Odeh Salameh, 16 anos pelos soldados de Israel |
A Nakba aconteceu há 66 anos, quando emergiu o hoje chamado “conflito” árabe-israelense. Uma grande onda de judeus sionistas invadiu a Palestina e expulsou de suas casas estimados um milhão de palestinos. Israel foi implantada sobre as ruínas daquela Palestina.
Nadim e Mohammed, como jovens de várias gerações desde a Nakba, foram mortos a sangue frio, quando caminhavam para relembrar aquele êxodo. Em Israel praticamente não houve reação alguma às duas mortes. Mas a revolta palestina, que parece viver em processo de constante acumulação – sempre sob ocupação militar, e sob condições econômicas dificílimas – estava alcançando, mais uma vez, o ponto de explosão.
De certo modo, a morte desses dois jovens palestinos serviu como fator de “distração” e “desligou” a atenção dos palestinos da complexa desunião política que aflige há anos a liderança e a sociedade palestina. Aquelas mortes foram como um lembrete de que a Palestina, como ideia, como luta e como lócus de ação criminosa de castigo coletivo, ultrapassa em muito os limites da política e, até, os limites de qualquer ideologia.
A morte daqueles dois jovens nos relembrou que há muito mais na Palestina que as ideias e planos do “presidente” da velha Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, e seu subtimoneiro na sede em Ramallah; e muito mais, também, que os cálculos estratégicos regionais do Hamás sobre ascensão e queda da Primavera Árabe.
Funeral de Nadim Siam Abu Nuwara e Mohammed Mahmoud Odeh Salameh |
A reação israelense à morte dos colonos foi muito diferente. Depois de encontrados os cadáveres, a direita e a extrema-direita israelenses puseram-se a exigir vingança contra as comunidades palestinas. Os esquadrões-da-morte israelenses organizaram-se sob o slogan “morte aos árabes”, revivendo uma velha noção de identidade palestina que existia antes de haver Fatah e Hamás.
Talvez paradoxalmente, a dor e a fúria geradas pela morte de Mohammad Abu Khdeir, 17 anos, queimado vivo por colonos, como parte do surto de violência dos esquadrões-da-morte israelenses, reforçou ainda mais esse renascimento da antiga identidade nacional árabe palestina.
Essa identidade muito sofreu por causa dos muros israelenses, das táticas militares e da própria desunião entre os palestinos; mas voltou a se recompor, colando novamente seus próprios pedaços, num processo que faz lembrar os eventos que precederam o primeiro e o segundo levantes – as Intifadas de 1987 e 2000.
Porém, diferente das Intifadas anteriores, as dificuldades para encontrar uma voz de comando unificada, dessa vez, parecem insuperáveis. Abbas é líder muito fraco, que já cedeu demais às exigências da “segurança” israelense e fez muito pouco para defender os direitos de seu próprio povo. É espécie de relíquia de era já passada, que só sobrevive porque é a melhor opção com que Israel e os EUA contam nesse momento.
Depois da violenta resposta israelense à morte dos colonos, Abbas tentou coordenar buscas com os israelenses. Várias vezes os funcionários do governo do Fatah tiveram de afastar-se, para não serem testemunhas da violência brutal dos soldados israelenses contra civis palestinos, na Cisjordânia.
Colonos israelenses em Shufat e Jerusalem raptaram e queimaram viva esta criança mártir palestina |
É perfeitamente claro que não haverá terceira Intifada que deixe intactos Abbas e seu destroçado aparelho político. Por isso, precisamente, os soldados da Autoridade Palestina impediram que palestinos se manifestassem na Cisjordânia contra a violência israelense nos territórios ocupados, violência sem limites que culminou numa guerra total contra Gaza, que já matou e feriu centenas de palestinos.
Fosse qual fosse o crédito que Abbas tivesse acumulado por aproximar-se do Hamás e constituir um governo de unidade em junho passado, ele já o perdeu e também rapidamente. Aquela “ação política” já foi encoberta pelos próprios fracassos de Abbas, que não cumpriu as promessas do acordo de unificação. Além disso, a relevância da “autoridade” de Abbas foi rapidamente eclipsada pela violência israelense, o que expõe a total irrelevância de seu governo, para o cálculo político dos israelenses.
Quando Israel lançou sua campanha massiva de prisões que visou o Hamás na Cisjordânia, o braço político do Hamás já analisava “alternativas” para substituir o governo de unidade em Ramallah.
Os objetivos do Hamás não estavam sendo alcançados. O acordo de unificação visava a vários objetivos: pôr fim ao isolamento político do Hamás em Gaza, resultante do cerco crescente feito pelo Egito do general-ditador al-Sisi; resolver a crise econômica na Faixa; e, também, permitir que o Hamás voltasse a ser, sobretudo e antes de tudo, movimento de resistência, como antes.
Mas mesmo que o Hamás conseguisse “reposicionar” a própria marca, baseado no seu próprio modelo político e de resistência, Israel estava decidida a desmontar qualquer possibilidade de haver qualquer governo de unidade palestina real. Acabar com aquela unidade converteu-se, de fato, em quase obsessão para Netanyahu.
O desaparecimento dos três colonos deu novo ímpeto à determinação de Netanyahu de pôr fim a qualquer “unidade”. Imediatamente iniciou campanha massiva para pressionar Abbas a romper com o Hamás.
Mas há ainda mais que isso, na guerra de Israel contra Gaza. Netanyahu teme mortalmente uma Intifada que una os palestinos, se oponha à Autoridade Palestina e impeça a progressão das construções ilegais nos territórios ilegalmente ocupados: a guerra contra Gaza tem o objetivo de criar uma outra “via”, algo que desconcentre a atenção da população, que a distraia do processo de construir e deixar crescer um sentimento coletivo entre todos os palestinos: na Palestina e também entre os cidadãos palestinos em Israel.
Essa unidade é muito mais alarmante para Netanyahu que algum acordo político entre Fatah e Hamás, ditado por circunstâncias regionais. O ataque ao Hamás é tentativa, por Israel, de contra-atacar a nova narrativa, que já não diz respeito exclusivamente a Gaza e ao cerco de Gaza, mas envolve agora toda a Palestina e seus coletivos, independente de que lado estejam do “muro de separação” dos israelenses.
Uma verdadeira unidade dos palestinos, que culmine em massiva Intifadapopular, é o tipo de guerra que Netanyahu de modo algum conseguirá vencer: é a guerra que derrotará Israel.
[*] Ramzy Baroud, palestino da diáspora, é colunista internacional e editor do site Palestine Chronicle. Seu mais recente livro é My Father Was a Freedom Fighter: Gaza’s Untold History [Meu pai era um revolucionário: a história não contada de Gaza], publicado pela Pluto Press.
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