Hora da faxina
A goleada que sofremos contra a Alemanha deve servir para uma sacudidela. Não é possível que as coisas permaneçam assim. Que ela sirva ao menos para isso.
Wadih Damous (*)
“O Brasil tem obrigação de ganhar a Copa”, afirmou Felipão, técnico da seleção.
“Já estamos com a mão na taça”, disse Parreira, seu auxiliar.
“Posso afirmar que não temos nada a aprender com ninguém de fora”, José Maria Marin, presidente da CBF.
Essas palavras foram ditas pouco antes da Copa. Elas mostram bem a arrogância e a cegueira dos homens que dirigem nosso futebol.
Na quarta-feira desta semana, porém, dia seguinte à goleada que sofremos da Alemanha, eram outras as palavras que compunham as manchetes dos principais jornais do país: “Catástrofe”, “Vexame”.
Um resultado esportivo é apenas um resultado esportivo - que não me ouça Nelson Rodrigues! Embora dolorida, a derrota não foi uma vergonha para o país. Mas, em se tratando da seleção brasileira de futebol sendo humilhada em casa numa Copa do Mundo, é evidente que estamos diante de uma questão importante. Duzentos milhões de brasileiros se envolveram com a Copa e torcem pelo futebol brasileiro. Por isso, ele não pode ser tratado como assunto privado de uma centena de aproveitadores que se locupletam como dirigentes esportivos.
O discurso de João Havelange, Ricardo Teixeira, Marin e o próximo dirigente que vai sucedê-los, Marco Polo Del Nero, é sempre o mesmo: a CBF é uma entidade privada e não tem que prestar contas a quem quer que seja.
Será essa a interpretação correta? Entendo que não.
As federações estaduais de futebol e, mais ainda, a própria CBF nadam em dinheiro e são, com justa razão, alvos da suspeita geral. Havelange e Teixeira saíram chamuscados - licença para o eufemismo - de seus cargos. O atual presidente, Marin, que pedia providências contra Vladimir Herzog - que o Doi-Codi de SP, em 75, tomou a seu modo - está na vida pública há mais de 40 anos, sempre nas piores companhias e sendo acusado das piores práticas. Seu sucessor já escolhido possui o mesmo estilo. Os quatro têm algo em comum: todos enriqueceram como dirigentes esportivos - e não estou afirmando que o fizeram ilicitamente. Decerto, é mera coincidência.
Eles se eternizam no poder graças a favores prestados a integrantes dos colégios eleitorais pelos quais são escolhidos: os clubes, no caso das federações, e as federações, no caso da CBF.
Visto de longe, parece democrático. Mas não é.
Para eleger o presidente da federação de futebol do Rio, por exemplo, o voto dos grandes clubes, como Vasco, Fluminense, Flamengo e Botafogo, vale exatamente o mesmo que o voto de clubes da terceira divisão, muitos com existência só de fachada, cujo apoio é conquistado pela federação com bolas e jogos de camisas.
Na CBF, o voto de estados em que o futebol é semi-profissional e os dirigentes da federação vivem também de favores da CBF, têm o mesmo peso do voto de São Paulo, Rio, Minas e Rio Grande do Sul.
Com esse sistema, quem está no poder nunca perde. Tem garantida a recondução indefinidamente.
Enquanto isso ocorre, os clubes, que deveriam formar novos valores, estão à míngua, com dívidas por todo lado.
Não há projeto de formação de novos valores por parte das federações e da CBF, sempre mais interessadas em arrecadar dinheiro. Nossos jogadores saem do país cada vez mais jovens. Na atual seleção, metade dos integrantes não chegou a ser titular em clubes brasileiros.
Se não houver brecha legal para um controle público e uma interferência governamental na estrutura do futebol – a Fifa suspende a confederação que sofrer algum tipo de intervenção externa, montando uma barragem de proteção aos colegas de negócios em cada nação – que se estudem outras formas de pressão.
Por exemplo, uma auditoria séria da Receita Federal nas contas dessas entidades. Ou, ainda, em aliança com o movimento Bom Senso, formado por jogadores esclarecidos, de maneiras de se punir cartolas desonestos na forma das leis que já existem no país.
Conversando-se com gente do ramo bem intencionada – jornalistas esportivos e jogadores – outras formas de pressão e intervenção surgirão.
O que é inadmissível, tendo vista a importância que tem o futebol no Brasil, é que não seja tomada qualquer providência.
A goleada que sofremos contra a Alemanha deve servir para uma sacudidela. Não é possível que as coisas permaneçam assim.
Ou se muda a estrutura do futebol brasileiro, enfrentando a verdadeira máquina de negócios nebulosos que dele se apossou, ou essa paixão nacional, que usa símbolos pátrios, vai estar sempre à mercê de gente dessa laia.
Que a derrota de sete a um pelo menos sirva para isso.
(*) Presidente licenciado da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro.
“O Brasil tem obrigação de ganhar a Copa”, afirmou Felipão, técnico da seleção.
“Já estamos com a mão na taça”, disse Parreira, seu auxiliar.
“Posso afirmar que não temos nada a aprender com ninguém de fora”, José Maria Marin, presidente da CBF.
Essas palavras foram ditas pouco antes da Copa. Elas mostram bem a arrogância e a cegueira dos homens que dirigem nosso futebol.
Na quarta-feira desta semana, porém, dia seguinte à goleada que sofremos da Alemanha, eram outras as palavras que compunham as manchetes dos principais jornais do país: “Catástrofe”, “Vexame”.
Um resultado esportivo é apenas um resultado esportivo - que não me ouça Nelson Rodrigues! Embora dolorida, a derrota não foi uma vergonha para o país. Mas, em se tratando da seleção brasileira de futebol sendo humilhada em casa numa Copa do Mundo, é evidente que estamos diante de uma questão importante. Duzentos milhões de brasileiros se envolveram com a Copa e torcem pelo futebol brasileiro. Por isso, ele não pode ser tratado como assunto privado de uma centena de aproveitadores que se locupletam como dirigentes esportivos.
O discurso de João Havelange, Ricardo Teixeira, Marin e o próximo dirigente que vai sucedê-los, Marco Polo Del Nero, é sempre o mesmo: a CBF é uma entidade privada e não tem que prestar contas a quem quer que seja.
Será essa a interpretação correta? Entendo que não.
As federações estaduais de futebol e, mais ainda, a própria CBF nadam em dinheiro e são, com justa razão, alvos da suspeita geral. Havelange e Teixeira saíram chamuscados - licença para o eufemismo - de seus cargos. O atual presidente, Marin, que pedia providências contra Vladimir Herzog - que o Doi-Codi de SP, em 75, tomou a seu modo - está na vida pública há mais de 40 anos, sempre nas piores companhias e sendo acusado das piores práticas. Seu sucessor já escolhido possui o mesmo estilo. Os quatro têm algo em comum: todos enriqueceram como dirigentes esportivos - e não estou afirmando que o fizeram ilicitamente. Decerto, é mera coincidência.
Eles se eternizam no poder graças a favores prestados a integrantes dos colégios eleitorais pelos quais são escolhidos: os clubes, no caso das federações, e as federações, no caso da CBF.
Visto de longe, parece democrático. Mas não é.
Para eleger o presidente da federação de futebol do Rio, por exemplo, o voto dos grandes clubes, como Vasco, Fluminense, Flamengo e Botafogo, vale exatamente o mesmo que o voto de clubes da terceira divisão, muitos com existência só de fachada, cujo apoio é conquistado pela federação com bolas e jogos de camisas.
Na CBF, o voto de estados em que o futebol é semi-profissional e os dirigentes da federação vivem também de favores da CBF, têm o mesmo peso do voto de São Paulo, Rio, Minas e Rio Grande do Sul.
Com esse sistema, quem está no poder nunca perde. Tem garantida a recondução indefinidamente.
Enquanto isso ocorre, os clubes, que deveriam formar novos valores, estão à míngua, com dívidas por todo lado.
Não há projeto de formação de novos valores por parte das federações e da CBF, sempre mais interessadas em arrecadar dinheiro. Nossos jogadores saem do país cada vez mais jovens. Na atual seleção, metade dos integrantes não chegou a ser titular em clubes brasileiros.
Se não houver brecha legal para um controle público e uma interferência governamental na estrutura do futebol – a Fifa suspende a confederação que sofrer algum tipo de intervenção externa, montando uma barragem de proteção aos colegas de negócios em cada nação – que se estudem outras formas de pressão.
Por exemplo, uma auditoria séria da Receita Federal nas contas dessas entidades. Ou, ainda, em aliança com o movimento Bom Senso, formado por jogadores esclarecidos, de maneiras de se punir cartolas desonestos na forma das leis que já existem no país.
Conversando-se com gente do ramo bem intencionada – jornalistas esportivos e jogadores – outras formas de pressão e intervenção surgirão.
O que é inadmissível, tendo vista a importância que tem o futebol no Brasil, é que não seja tomada qualquer providência.
A goleada que sofremos contra a Alemanha deve servir para uma sacudidela. Não é possível que as coisas permaneçam assim.
Ou se muda a estrutura do futebol brasileiro, enfrentando a verdadeira máquina de negócios nebulosos que dele se apossou, ou essa paixão nacional, que usa símbolos pátrios, vai estar sempre à mercê de gente dessa laia.
Que a derrota de sete a um pelo menos sirva para isso.
(*) Presidente licenciado da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro.
Créditos da foto: Agência Brasil
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