O horário eleitoral não pode ser o Neymar da Dilma

Até que ponto as conquistas incorporadas à rotina serão suficientes para equilibrar o discernimento do eleitor diante de reveses econômicos em curso?
por: Saul Leblon - Carta Maior:
O tambor rentista continua a manipular o noticiário econômico com o espectro de uma inflação ‘superior ao teto da meta’, enquanto os indicadores de atividade e emprego despencam num cenário de contração do crescimento que embaralha o calendário eleitoral.
O teto da inflação oficial (6,5%) foi superado em 0,3% (6,53%) no mês passado, exclusivamente por um efeito contábil na recomposição da série de 12 meses.
Algo semelhante poderá ocorrer agora em julho, por razões igualmente contábeis.
A variação deste mês substituirá a do seu equivalente em 2013, quando o IPCA subiu apenas 0,03%, favorecido pela corte no preço das passagens de ônibus, após protestos que tomaram as ruas do país.

Na vida real o comportamento corrente dos preços é de recuo quase generalizado.
O efeito da seca sobre os alimentos passou, desarmando o principal vilão irradiador das pressões altistas sobre os demais setores da economia.
No plano internacional, as boas perspectivas de produção e a pasmaceira econômica global esfriam as cotações das commodities. A FAO prevê um horizonte de estabilidade dos preços agrícolas para os próximos dois a três anos, em níveis bem abaixo dos picos especulativos registrados na antessala da crise de 2008.
O efeito do conjunto no Brasil é a deflação nos preços dos alimentos que se irradia para o restante da economia.
Os índices do setor agropecuário ensaiam sua quarta queda em julho.
Na segunda prévia do mês, o IBGE apurou uma diminuição de 2,04% dos preços no atacado.
O declínio chegou aos produtos industriais, que exibem deflação de 0,52%. O custo de vida ao consumidor começa a incorporar a mesma tendência baixista: subiu 0,14% no período --metade da taxa observada na prévia equivalente do mês passado.
A alta persistente na área dos serviços, impulsionada em grande medida pelas diárias dos hotéis e das passagens aéreas (mais 25% e mais 21%, respectivamente, em junho) perde força com o fim da Copa.
Portanto, a justificativa para o Banco Central brasileiro insistir na manutenção do maior juro real do mundo esfarela em praça pública.
O desaparecimento da causa não foi suficiente para inverter a consequência pilotada pelo BC.
Ciosa quando se trata de proteger a rentabilidade rentista, a autoridade monetária brasileira mostra-se negligente quando se trata de acudir uma economia com falta de ar.
Para combater a inflação, o BC elevou as taxas de juros no país durante nove vezes seguidas, desde abril de 2013, quando a Selic estava em 7,25% (era o menor juro real da história).
A série de altas sucessivas, a partir daí, jogou s Selic de volta ao pódio de campeã mundial. Fixada na estratosfera dos 11%, em abril último, assim foi mantida na reunião do Copom desta 4ª feira, indiferente às sirenes de uma economia que escorrega na ribanceira, arrastando junto os preços de toda a economia.
Em junho foram criados 25.363 postos formais de trabalho em todo o Brasil.
O dado representa quase 57% menos do que o observado no mesmo período de 2013 (Caged).
De janeiro a junho, o Brasil acrescentou 588.671 novos empregos aos cerca de 20 milhões criados desde 2003.
O desempenho do mercado de trabalho brasileiro é infinitamente superior à média mundial, puxada por uma Europa onde 26 milhões de trabalhadores foram demitidos pelo ajuste ortodoxo que o conservadorismo quer replicar aqui.
Mas o resultado deste semestre ficou quase 30% abaixo do seu equivalente no ano passado.
O governo e algumas das principais lideranças do PT parecem convencidos de que a disputa de outubro será vitoriosa ancorando-se a reeleição no balanço das conquistas acumuladas nos últimos anos.
Descarta-se qualquer nova frente de conflitos –entre eles a regulação da mídia ou um corte significativo na ração dos rentistas.
Não sem uma boa dose de razão, imagina-se que o tempo da propaganda eleitoral –o de Dilma é três vezes maior que o de Aécio-- funcionará como um detox ao jogral do Brasil aos cacos, diuturnamente martelado no imaginário brasileiro.
A estratégia endossa o bordão futebolístico: não se mexe em time que está ganhando.
A rota de colisão observada na frente econômica coloca em xeque a opção pelo não enfrentamento dos torniquetes impostos ao país pela política monetária.
Se há dúvidas de que uma redução na taxa de juro agora seria suficiente para reavivar o crescimento, os indicadores do nível de atividade, ao contrário, são assertivos em proclamar sua capacidade de desgastar a propaganda do governo na boca da urna.
É uma corrida contra o tempo.
A candidatura Dilma tem números reluzentes para desautorizar a nostalgia em relação ao legado do PSDB em qualquer frente. Um dado resume todos os demais: em dezembro de 2002, 10,5% da população ativa sobravam no mercado de trabalho; hoje a taxa é inferior à metade disso.
O problema é saber até que ponto as conquistas incorporadas à rotina serão suficientes para equilibrar o discernimento do eleitor diante de reveses econômicos em curso.
Dilma terá 11 minutos diários para prova-lo, contra 6 minutos da dupla Aécio & Campos.
Parece confortável. Mas não se pode abstrair desse cálculo os 40 minutos subsequentes, engatados ao horário eleitoral pela escalada corrosiva do JN da Globo.
Carta Maior tem insistido que o antagonismo retórico não basta.
A luta pela reeleição se dá em condições de beligerância que prometem suplantar as de 2002, indo além do cerco estendido pelo coro do ‘mensalão’, em 2006.
É arriscado apostar tudo no horário eleitoral como se fosse uma espécie de Neymar da Dilma.
A insurgência conservadora joga no tudo ou nada para levar a disputa ao segundo turno --com o Datafolha dando a senha de largada ao plantar um ‘empate técnico’ entre Dilma e o tucano, em caso de confronto direto.
É preciso ir além da propaganda.
Significa dizer que um segundo governo Dilma terá que se tornar palpável desde já, na campanha eleitoral, para que tenha nos movimentos sociais um fiador engajado.
A transposição das palavras para os atos requer a largada de um processo de negociações do desenvolvimento, capaz de explicitar –desde já-- a nova identidade de um pacto progressista, seu método, prazos, salvaguardas, concessões, metas imediatas e objetivos críveis dos próximos anos.
Trata-se de dar consequência organizativa ao propósito de deslocar a correlação de forças rumo a uma democracia social ancorada em ganhos de produtividade, crescimento, distribuição de renda e melhor qualidade de vida.
Um requisito crucial dessa travessia é a referência de seu negociador.
Ademais da legitimidade própria, é imperativo que guarde inexcedível sintonia com a candidata-presidenta, que não pode exercer esse papel de forma direta e imediata, por força de sua dupla função.
Esse personagem-ponte existe; chama-se Lula; deveria entrar em cena imediatamente.

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